DISCOS
Cobra Killer & Kapajkos
Das Mandolinenorchester
· 14 Mar 2006 · 08:00 ·
Cobra Killer & Kapajkos
Das Mandolinenorchester
2005
Monika Enterprise / Matéria Prima


Sítios oficiais:
- Cobra Killer & Kapajkos
- Monika Enterprise
- Matéria Prima
Cobra Killer & Kapajkos
Das Mandolinenorchester
2005
Monika Enterprise / Matéria Prima


Sítios oficiais:
- Cobra Killer & Kapajkos
- Monika Enterprise
- Matéria Prima
Thurston Moore não dorme. Além da prolificidade que lhe conhecemos enquanto parte da instituição maior que são os Sonic Youth, o homem mantém no activo a label-zine Ecstatic Peace, multiplica-se por projectos musicais algo obscuros, deu-se ao trabalho de incluir um poema exclusivo por cada uma das primeiras 100 cópias do seu livro Alabama Wildman, cultiva um gosto refinado por comida caseira japonesa e ainda dispõe de tempo para partilhar com a imprensa a sua admiração por projectos como as Cobra Killer (junte-se ainda a esse quadro de louvor as pontuais menções ao que de melhor se tem feito por cá e a relação sólida mantida com Rafael Toral, que chegou mesmo a colaborar com os SY no mal-amado NYC Ghosts & Flowers). Verdade seja dita: citar as palavras de exaltação colhidas a Thurston Moore é um trunfo a que nenhum press release deve negar.

Da intensidade resultante da performance eléctrica a cargo da dupla Cobra Killer, sabe-se que terá deixado Moore embasbacado – provavelmente até este ter descoberto as Magik Markers, outro par de miúdas bem mais violentas, que, de acordo com quem lá esteve, transformaram a Zé dos Bois num playground atómico. Contudo a hora actual pertence às Cobra Killer. Ao quarto lançamento de porte longo, a provocadora parelha berlinense decide-se por remeter o seu electro subterraneamente citadino ao tratamento acusticamente agreste de uma orquestra de mandolins (os Kapajkos). A apreciação a tecer acerca de tão radical volte face oscila entre o entusiasmo e uma desconfiança semelhante àquela que conduz um professor a não atribuir notas elevadas num primeiro período de avaliação – respeitante ao registo híbrido, neste caso. Perdurará o dilema até ser escutada a opinião iluminada de Thurston Moore.

Quem se antecipou a esse apadrinhamento foi Alec Empire, que, no pico da era Digital Hardcore, pressentiu militância no electro caustico de Gina V. D'Orio e Annika Trost e as recrutou para integrar a label que vinha assolando Berlin a partir da entidade-madrasta Atari Teenage Riot - a Digital Hardcore Recordings. Sabe-se, porém, que o modo de vida raver surte alguns problemas quando prolongado além de mais que 3 ou 4 anos. Num golpe capaz de rachar os rins a acólitos de longa data, as Cobra Killer dispensam os benefícios da corrente eléctrica e atrevem-se a submeter os pontos altos de seis anos de carreira (documentado em três bem medidos álbuns) a um molde que se vale apenas das duas vozes, três mandolins, um baixo, precursão, teclados vintage (a pilhas ou a gerador, imaginemos) e pontuais cameos de instrumentos que não os mencionados. Tudo se sucede como se tivessem decidido, à revelia do império hardcore que lhes valeu o culto, transformar um debochado bordel num salão de chá. Essa atitude de corte com passado está estampada na capa, onde ambas surgem de costas para a objectiva – dando a entender que, além de este ser um disco sem pudor, encontram-se, por esta ocasião, dispostas a oferecer a outra face: a da orquestralidade que em álbuns anteriores se encontrava soterrada pela sujidade própria do som de Berlim.

Des Mandolineorchester resulta, pois, num acervo de reconsiderações que, a cada vez que os extremos se seduzem, acusam serem alimentadas (e oleadas) a perversão. Ao encontro desse deflagrar de opostos, surge “Helicopter 666” – um cataclismo bélico anunciado por um manear assumidamente lúdico dos mandolins, as açucaradas Cibo Matto às cavalitas dos Leningrad Cowboys. A sanidade por um fio e clamorosa impressão de que a pompa invocada só o é para, à chegada do momento de revelação, ser desmascarada. Quase parece que, a qualquer instante, a nudez soft-core – sugerida pela sensualidade omnipresente - pode dominar as manhãs animadas de sábado. Sobra a sensação de que Tyler Durden, o revolucionário esquizofrénico de Clube de Combate, terá assumido o controle do Nickelodeon e a criançada passe, a partir daí, a ser obrigada a conviver com estilhaços subliminares de genitália entre as cambalhotas do Chuckie e Angelica. Foi eliminada a forçosa presença cibernética dos discos originais e tudo passou a aparentar um aspecto Fellini sob o efeito de anfetaminas.

Todas estas qualidades podiam até resultar, caso Des Mandolineorchester não comportasse consigo um portal irreversível que funciona simultaneamente nos sentidos da bênção e maldição: quem, a partir daqui, vier a descobrir os discos anteriores, muito provavelmente ficará desiludido com o aspecto datado e a falta de sofisticação; aos ouvidos dos que montam a cauda da serpente desde o início, esta precoce antologia revelar-se-á uma excelente surpresa e um enaltecedor das capacidades mutáveis das faixas a que os fãs porventura já atribuíam o estatuto de clássicos. O melhor mesmo será aguardar pelo quarto disco de originais ou, quanto muito, pelo momento em que Thurston Moore se decidir pronunciar sobre a situação actual das que, para bem de quem não suporta as Chicks on Speed, decidiram matar o electroclash à paulada, munidas apenas do categórico signo do mandolim.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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