DISCOS
Jaks
Here Lies the Body of Jaks
· 06 Jul 2005 · 08:00 ·
Jaks
Here Lies the Body of Jaks
2005
Three One G


Sítios oficiais:
- Three One G
Jaks
Here Lies the Body of Jaks
2005
Three One G


Sítios oficiais:
- Three One G
Marsellus Wallace tratou de tranquilizar Jules Winnfield ao garantir-lhe que Mr. Wolf não tardaria a chegar. E assim foi. Nove minutos e trinta e sete segundos depois, lá estava o Wolf pronto a ditar as ordens que permitissem “disfarçar” o interior do carro pintado a vermelho sangue. No capítulo que encerra Pulp Fiction, Mr, Wolf entra em cena para instalar uma falsa sensação de alívio, que, ao ser quebrada, duplica o impacto da sequência confrontante que se lhe sucede. Steve Albini, o maníaco produtor que nunca admitiu sê-lo, age de forma inversa à de Mr. Wolf: espalha pelos discos que produz toda a mioleira, secreções e líquidos suspeitos que a sua perversidade suporta. Albini alcançou notoriedade essencialmente por ser o anti-herói que trata o som através da via escatológica. In Utero representava afinal a fuga de um songwriter aos hábitos doentios das entranhas através da celebração da natalidade. Justaposto aos Nirvana, Albini era simultaneamente a doença e a cura. Here Lies the Body of Jaks revisita o ralo por onde escorreu o sangue de uma Hollywood canibal que os Jaks e Steve Albini percorrem num roteiro de ódio e obsessão.

Os estômagos que se aguentem. A compilação na marquesa abarca todo o material gravado pelos Jaks em estúdio entre 1993 e 1995. Ou seja, um álbum e dois 7 polegadas (sendo que uma dessas adições acessórias é produzida por Jeff Benington em vez de Albini). Ainda que o formato compacto sacrifique o grafismo inconfundível dos lançamentos originais, por uma módica quantia torna-se possível transportar no bolso a discografia completa dos Jaks e esclarecedora amostra desse furacão humano em permanente menstruação que dá pelo nome de Katrina Ford. A vocalista que foi convidada pelos TV on the Radio a participar em “Staring at the Sun” (incluída no revelador Desperate Youth, Blood Thirsty Babies) conta com um passado vociferante ao comando dos meteóricos Jaks. Diz quem teve a oportunidade de assistir aos seus concertos, que bastavam escassos minutos a Katrina para fazer de um concerto dos Jaks uma tragédia capaz de satisfazer os estranhos prazeres a quem percorre as auto-estradas como um safari de morbidez.

A máfia sanguinária de Chicago uniu-se para fazer o enterro ao oco sonho californiano. A servir de base e principal pretexto à compilação, o psicótico álbum Hollywood Blood Capsules tem um carácter perigosamente contagioso, capaz de provocar insónias entre as famílias felizes dos subúrbios. Quando indefinida, a ameaça torna-se mais medonha, e não é fácil adivinhar o sexo ao grunhido “megafonizado” que brota do vulcão Katrina Ford, assim como é logicamente improvável adivinhar a direcção às músicas dos Jaks. Em apenas onze músicas e nem sequer trinta minutos, Hollywood Blood Capsules ousa equacionar à volta de meia centena de andamentos sem nunca empinar um nariz progressivo. Os ouvidos, habituados a estruturas pré-formatadas, perdem-se ao não encontrar refrães que lhes sirvam de orientação. Entre os cacos e após familiarização com a imundice, é possível encontrar “riffs” venenosos, a valsa cadavérica de “Spider” e o surf-rock de Dick Dale feito marcha do desencanto. Todos eles servem de souvenir à memória que a todo o custo procura livrar-se do que acabou de assimilar.

A partir de uma leitura arqueológica centrada nas entrelinhas da lápide que serve de suporte a Here Lies the Body of Jaks, é possível vislumbrar segredos que morrem entre quatros paredes de motéis baratos, os efeitos a longo prazo de Fritz, o Gato e o ensurdecedor fôlego do underground norte-americano que, mais ou menos efervescente, lá permanece como um osso duro de roer. Os Jaks pertencem a um tempo - anterior à moda dos remakes de filmes de terror asiáticos - em que o medo salpicava ácido. Pois se o seminal Complete Discography dos Minor Threat salvou a vida a muita gente, este Here Lies the Body of Jaks permite quem por ele se apaixona a um sarcasmo gradual perante o destino comum a toda a espécie. Bring Out the Gimp. Bring Out the Dead.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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