DISCOS
AC Newman
The Slow Wonder
· 13 Jul 2004 · 08:00 ·
AC Newman
The Slow Wonder
2004
Matador


Sítios oficiais:
- AC Newman
- Matador
AC Newman
The Slow Wonder
2004
Matador


Sítios oficiais:
- AC Newman
- Matador
Cliché #1: "AC Newman é pop. Não pop no sentido em que a Britney Spears ou a Christina Aguilera são pop, mas sim no sentido em que os Beatles, os Beach Boys, os Go-Betweens, ou outros quaisquer são pop."

Cliché #2: "The Slow Wonder' é um disco de Verão."

Cliché #3: "AC Newman prova que os canadianos são dotados de uma apurada sensibilidade pop." (tenha-se em atenção o uso da expressão “sensibilidade pop”, o maior lugar-comum da escrita sobre música - sim, adivinharam - pop).

Agora que já ultrapassámos isto, chegamos a "The Slow Wonder". As coisas do costume, AC Newman pertence aos The New Pornographers, que no ano passado editaram Electric Version, uma pérola pop (tenha-se em atenção o uso da expressão “pérola pop”, o segundo maior lugar-comum da escrita sobre música - mais uma vez - pop), e que, este ano, decidiram todos dedicar-se às suas carreiras a solo. Dan Bejar, como Destroyer, já se tinha dedicado mais que uma vez a discos sozinho. Um bom escritor de canções que leva a sua música por caminhos um bocado - há que dizê-lo - foleiros, através do uso de instrumentação MIDI. Your Blues, o disco deste ano, ainda assim é um belo disco, pejado de canções e arranjos que talvez não ficassem mal em 10000 anos depois entre Vénus e Marte, de José Cid. Se José Cid fosse canadiano, mais novo, e menos - outra vez - foleiro. Todd Fancey também enveredou por uma carreira a solo; já vamos em três óptimos escritores de canções e ainda nem saímos da parte canadiana dos New Pornographers. Alguma coisa quererá dizer. Não que o supergrupo (olha outro lugar-comum) está prestes a acabar. Neko Case já tem uns três discos com os seus boyfriends, seguindo pela via do country ou da folk, ou o que lhe queiram chamar.

Para que serve toda esta introdução? Para mostrar que é impossível falar da música de AC Newman sem referir, pelo menos, cinco lugares-comuns. Ou até mais, mas agora não vamos por aí. The Slow Wonder confirma aquilo que já se esperava: AC Newman é a estrela dos New Pornographers. Não-sei-quantos canadianos numa banda, mais de meia dúzia deles, todos cheios de talento e, outra vez, sensibilidade pop, e AC Newman consegue sobressair. Nada fácil, mas Newman faz com que pareça.
Ah, o Verão. O Verão está a chegar, e os New Pornographers são uma banda para ouvir com sol, na praia, ao pé do mar, enquanto se saboreia uma imperial. Claro que isso nunca acontecerá aqui pelo nosso país, antes um êxito qualquer de uma telenovela brasileira a passar por uma coluna estragada que não pára todo o dia com o som da rádio local encarregar-se-á disso. Mas é bom sonhar.
Musicalmente, AC Newman não se distancia da fórmula dos New Pornographers, riffs porreiros, melodias cantaroláveis, tocadas com força e sentimento. Não que este disco seja apenas pegar em Electric Version ou Mass Romantic e tirar-lhe uns quantos canadianos e uma americana. Não, este disco é outra coisa. Não outra coisa completamente diferente, mas ainda outra coisa. Tem um AC Newman que é capaz de se mostrar zangado, relaxado, feliz, triste. E não é isso que queremos dos nossos escritores de canções? Há baladas neste disco. Não há nada que se possa apelidar de foleiro. Há, sim, a natureza divertida da música.
AC Newman é um escritor de canções, acima de tudo. Tem uma voz gira, safa-se na guitarra, mas é na escrita das canções que brilha. Harmonias belíssimas, canções belíssimas, tudo belíssimo. E letras boas. Qualquer disco que comece com "He was tied to the bed with a miracle drug in one hand / In the other a great lost novel that I understand / was returned with a stamp / That said 'thank you for your interest, young man.'" não pode acabar mal. E não acaba. O que dizer de um disco em que todas as canções sobressaem? É inútil escolher canções, apenas momentos. A construção em paralelismo anafórico de "On the Table", com uns "Aaaah-aaaah-aaaah" de fazer inveja a qualquer pessoa que alguma vez tenha escrito uma canção. O riff de "Battle for straight time", a melodia de "Secretarial", toda a balada "Come Crash", especialmente após a entrada do trompete (não consegues fazer coisas dessas em MIDI, ó Dan Bejar)... qualquer letra deste disco perde o poder quando escrita em papel, ou num écran de computador, no que quer que seja. Bom, é preciso ouvir para acreditar.

A repetição torna este disco melhor. Com apenas 33 minutos, até se torna fácil. Muito fácil. Vamos fingir, por um momento, que não estamos na era do CD, do MP3, ou de qualquer outra coisa. Voltámos ao vinil. Este disco disco tem dois lados. Aquilo que vai até "Secretarial", e aquilo que aparece depois. AC Newman abranda um bocado, entram as baladas, todas óptimas, o disco torna-se mais meditativo. "The Cloud Prayer", com o seu refrão "But did you, didn't you ever wonder / Maybe if you were under your own spell? / Thinking it was all she wrote, thinking it was all she wrote / Thinking it was all the words ever written" é a canção mais calma, uma balada quase comovedora, ao som de um piano, duma guitarra acústica, e depois de uma melodia de trompete. Mas não se torna chata, não, nunca; graças à bateria, ainda se mantém dançável. Porque este é um disco para dançar. Ao ouvi-lo, aparece uma imagem de alguém, sozinho no quarto, depois de toda a gente ter saído de casa, a pegar na rodela preta e a pô-la no gira-discos. Ainda quase não passou tempo nenhum, e já é impossível parar de se abanar. Não dá mesmo. Isso não vai acontecer, mas continua a ser bom sonhar.

Riffs fabulosos, canções óptimas, arranjos cheios de bom gosto, este é o disco de power pop (último lugar-comum) de 2004. E mais nada. É quase impossível aparecer um melhor. Não sai da cabeça de ninguém que o ouça. É impossível, criminoso até, sair. E o problema é que nem tanta gente assim o vai ouvir. Mas talvez vá. E ainda continua a ser bom sonhar.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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