DISCOS
Joe McPhee / Joëlle Léandre & Théo Ceccaldi
Flowers / Elastic
· 07 Nov 2016 · 09:32 ·
Joe McPhee / Joëlle Léandre & Théo Ceccaldi
Flowers / Elastic
2016
Cipsela


Sítios oficiais:
- Cipsela
Joe McPhee / Joëlle Léandre & Théo Ceccaldi
Flowers / Elastic
2016
Cipsela


Sítios oficiais:
- Cipsela
Improvisação ao quadrado.
No ano de 2009 o histórico Joe McPhee actuou no festival Jazz ao Centro, apresentando-se a solo no Museu Nacional Machado de Castro. Esse não foi apenas mais um concerto do festival, ficou registado na memória de muitos, ganhado até uma certa aura de religiosidade. Sete anos depois, é agora editado o registo dessa actuação, pela editora conimbricense Cipsela. De certo modo, este disco editado complementa o recente Sonic Elements, editado em 2013 pela Clean Feed (gravação de uma outra actuação de McPhee a solo, no Festival de Jazz de Ljubliana 2012). Mas se nesse concerto se dividiu entre o pocket trumpet e o sax alto, em Coimbra McPhee serviu-se exclusivamente do saxofone.

Sobe este concerto, Bruno Silva escreveu: “Perante um público perene no seu respeito (poder-se-ia até chamar de devoção) para com a minúcia apaixonante da entrega, o septuagenário foi cortando o silêncio sepulcral em voos rasantes de notas lânguidas.” Vários factores contribuíram para o sucesso desta actuação: o ambiente cerimonial do espaço; a silenciosa e atenta veneração do público; e, sobretudo, a fenomenal entrega criativa de McPhee no momento.

O disco arranca com McPhee a explorar as chaves do saxofone, produzindo uma percussão subtil, numa espiral crescente. O tema evolui para o sopro, um tema simples em repetição minimal e obsessiva, evoluindo de forma quase imperceptível. Ao segundo tema, McPhee ataca o saxofone alto com toda a intensidade, citando Ornette Coleman de forma clara - é o tema “Old Eyes”, composição recorrente na sua discografia, aqui interpretada com todo o sentimento do mundo (pelo meio até se inclui uma citação breve de “Amazing Grace”).

O quarto tema, “Knox”, é dedicado a Niklaus Troxler, fundador do Jazz at Willisau, que também escreveu as “liner notes” do disco; neste tema há uma melodia que é repetida de forma melancólica. Segue-se “Flowers” (que dá título ao disco, dedicada a John Tchicai), improvisação enérgica. O quinto tema, “The Whistler”, arranca com uma melodia assobiada (coisa tão simples e tão bonita), sendo esta depois continuada no saxofone, evoluindo energicamente; e no final regressa o assobio. “Third Circle”, com dedicatória a Braxton, volta a exibir o sax inventivo. E o disco inclui ainda o encore, tema breve que inclui apenas palmas e simples percussão. Basta. Perfeição.

No total são sete temas onde McPhee exibe a sua criatividade e versatilidade, atravessando a história do jazz, citando elementos do passado, cuspindo fogo, alimentando a tal aura de cerimonial religioso. O concerto foi magnífico; a gravação apenas reproduz aquilo que aconteceu em concerto, por isso o disco é igualmente fabuloso. Na reportagem do concerto, publicada no jornal Público, deu-se a rara classificação se cinco estrelas. Se por aqui houvesse essa tradicional classificação, este disco levaria também essas cinco, sem qualquer hesitação.

A editora Cipsela lança em simultâneo um outro disco, uma parceria da histórica contrabaixista Joëlle Léandre com o jovem violinista Théo Ceccaldi. A parceria entre ambos já havia iniciado na forma de quarteto, com a edição de “Can You Smile?” (edição Ayler Records, 2013), onde Joëlle Léandre ‎surgia como convidada do Théo Ceccaldi Trio – formação que também actuou no festival Jazz ao Centro. Neste disco Léandre e Ceccaldi desenvolvem um diálogo em duo, assente nos seus particulares e versáteis cordofones.

O diálogo musical, estabelecido ao logo de seis temas (sem títulos, simplesmente numerados), exprime o título do álbum, reflecte a elasticidade musical de cada um e a sua flexibilidade para ir ao encontro do outro. O duo trabalha improvisação sem rede, lançando ideias, encontrando caminhos comuns, entrelaçando-se. Entre violino e contrabaixo, entre arcos e pizzicatos, Léandre e Ceccaldi desenvolvem uma conversa riquíssima.

No texto incluído no booklet do disco, o crítico belga Stef Gijssels refere que esta música chega a soar como música contemporânea de câmara. Não estará errado. A delicadeza, rigor, fluidez e precisão de cada intervenção, fazem esta música – criada exclusivamente no momento, sem composição prévia, sem direcção pré-definida – uma preciosidade de envolvimento e conexão. Aqui não há pontas soltas, Joëlle Léandre e Théo Ceccaldi desenvolvem sólido caminho, é gerado um território comum onde mesmo nos momentos mais ásperos não se perde a direcção. E se por aqui houvesse aquela tradicional classificação de estrelas, este levaria quatro, sem hesitação.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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