DISCOS
Bowery Electric
Lushlife
· 20 Abr 2004 · 08:00 ·
Bowery Electric
Lushlife
2000
Beggars Banquet


Sítios oficiais:
- Beggars Banquet
Bowery Electric
Lushlife
2000
Beggars Banquet


Sítios oficiais:
- Beggars Banquet
São quatro horas da manhã. Percorre-se, num carro a alta velocidade, quilómetros e quilómetros de uma auto-estrada apenas iluminada, de metros em metros, por luzes que não são suficientes, só por si, para evitar que a escuridão permaneça. No fim dessa mesma auto-estrada, uma cidade, plena em arranha-céus, esconde uma decadência e consternação que pertencem apenas a quem as sente. As ruas estão já quase vazias; já só se vê quem nelas vai dormir. Cada canto esconde as mais diversas formas de escuridão, as mais solitárias formas de recolhimento. Agora, o medo e o isolamento enchem as ruas da cidade, outrora preenchidas por pessoas. É cada vez maior o contraste das luzes frágeis emanadas pelos candeeiros ferrugentos com a cerração típica dos momentos que restam entre o crepúsculo da tarde e o crepúsculo da manhã. Quase toda a cidade dorme e por muito tempo o fará.

É este o cenário que Lushlife sugere. O quarto longa-duração da dupla Lawrence Chandler / Martha Schwendener é portador de um trip hop vestido por obscuros e aveludados arranjos de cordas, linhas de baixo corpulentas e contínuas e beats (tipicamente hip-hop) substanciosas e compactas. A voz de Martha Schwendener é tingida de calma, sossegada como se estabelecesse a (re)conciliação com o silêncio. A taciturnidade comanda as operações. As atmosferas densas e tenebrosas são partilhadas por quase todos os temas. Os violinos rasgam as canções, introduzem-lhe uma emoção e pungência enternecedoras. Os scratches sulcam as canções, e as guitarras por vezes tornam-nas ainda mais condensadas. O ambiente é irrespirável. As únicas vezes que se sai desta comoção acontecem em “Freedom Fighter” e “Passages” que, ao contrário dos restantes oito temas, são canções bastante uplifting e onde se pode respirar alguma descontracção e conforto. Martha Schwendener fala-nos de liberdade, de um ideal a atingir. A sensualidade está também presente em doses moderadas, misturada com a violência e o declínio. Mas também se fala de salvação, redenção. “Soul City” é uma canção emotiva, um choro fechado dentro de um quarto de um prédio esquecido pelo tempo. Clausura, sofrimento. Aqui, pouco espaço existe para sorrisos desmesurados e frases de contentamento. O facto de não conter palavras torna as coisas ainda mais perfeitamente comovedoras.

Aqui não são traçadas novas directrizes, novos rumos. Apesar disso, Lushlife não deixará muita gente indiferente pois há canções de uma beleza tocante. São sensivelmente cinquenta minutos onde se constroem espaços luxuosos e faustosos que rapidamente transportarão qualquer um de nós para distantes lugares de sonho e utopia. No fim, este álbum soa como a banda sonora de uma despedida devia soar. Incontornável e sem esperança. Agora silêncio, não tarda nada e a cidade voltará a acordar.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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