DISCOS
Morphine
Yes
· 28 Nov 2003 · 08:00 ·
Morphine
Yes
1995
Rykodisc


Sítios oficiais:
- Morphine
- Rykodisc
Morphine
Yes
1995
Rykodisc


Sítios oficiais:
- Morphine
- Rykodisc
A morfina - diz-nos a sua composição química - é uma substância narcótica extraída do ópio, utilizada especialmente (visto ser um depressor do sistema nervoso central) para aliviar a dor. O nome foi atribuído ao estupefaciente em 1806 pelo farmacêutico alemão Friedrich Serturner em homenagem a Morpheus, deus do sono, segundo a mitologia grega. Alívio, serenidade, redução do sentimento de desconfiança, euforia, sensação de bem-estar, depressão e sonolência estão no centro da lista de sensações motivadas pelo consumo de morfina. E perguntam vocês: mas que tem isto que a ver com a banda de Mark Sandman, Dana Colley e Billy Conway?

Poderia ter sido apenas um acaso, mas não foi. O nome da droga que, no início da década de noventa, designou os Morphine e que, anos mais tarde, os imortalizou, é tudo menos inadequado ao universo da banda de Boston. Se reflectirmos por breves instantes sobre o que representa o legado Morphine para a cultura pop ou simplesmente colocarmos a tocar cada um dos seus álbuns – de Good (1992) a The Night (2000) – muito dificilmente deixar-se-nos-á escapar aquela característica tão autêntica que fez e faz dos Morphine uma peça tão particular nos idos anos 90 do século passado: o facto de constituírem por si uma droga que acalma almas e que torna corações solitários menos solitários.

Ao segundo álbum, Cure For The Pain, Mark Sandman diria, a dado momento, metaforicamente ou não, que no dia em que se descobrisse a cura para a dor, largaria as drogas. Em Yes, as feridas voltariam a ser expostas, mesmo que saibamos que Mark Sandman tinha um especial gosto por personagens e por criar pequenas histórias para cada uma delas. Cá entre nós, estas pequenas histórias, mesmo que camufladas, têm muito das feridas de Sandman. O vazio, esse, que viveu sempre entranhado na sua noctívaga, melancólica e penetrante voz, no saxofone embriagado e endiabrado de Dana Colley e na bateria de Billy Conway (o senhor que diria um dia que «parte da atracção residia no que não estava nos Morphine, pois isso deixa um enorme espaço para a imaginação»), continua acessível. Desta ilação não restam dúvidas. O maior triunfo dos Morphine lia e lê-se nas entrelinhas de um triste mas confortante vazio.

Yes terá sido muito provavelmente o álbum da banda que chegou a mais ouvidos e corações. Levou certamente muitos ao limite da dependência, a meio passo da obsessão. Transformou os Morphine na droga áudio mais anestesiante e autêntica desde os tempos insanos de «The End» dos Doors. O segredo da singularidade do projecto, comentava-se nos media na altura do hype em território europeu, encontrava-se, esse, a meio caminho entre a instrumentalização pouco convencional da qual a banda não desdenhava e o fulgor criativo expresso em palavras por Sandman. A simplicidade de um baixo de duas cordas nunca fora tão apreciada…

Yes transcendeu a loucura e a aura esboçadas em Good e Cure For The Pain. Muito dificilmente o jazz se aproximou tão interessantemente do rock como na abertura explosiva e veloz de «Honey White» ou na desbunda alienante de «Sharks». Muito dificilmente se esperaria ouvir «Gone For Good», a balada a guitarra acústica (que soa estranha no já por si estranho mundo dos Morphine), a fechar um álbum principiado com a adrenalina cool de «Honey White» e onde pontuam travos hipnótico-embriagados e embriagantes como «Free Love» ou o jogo de palavras sedutoras de «Super Sex» ou ainda o poema trágico «The Jury». Em Yes, a euforia e a calma vivem lado a lado, cada uma à espera de dar lugar à outra, construindo algo de dissemelhante, por vezes absurdamente único, mesmo que nunca negando o formato canção.

Mas os Morphine eram assim: uma droga única, com personalidade singular, que, no entanto, procurava novos elementos no seu próprio âmago. E quem conhece Yes e ouvir The Night de seguida, entenderá certamente esta procura de transcendência. Pena é que Sandman tenha perecido em palco naquela fatídica noite de 3 de Julho de 1999…
Tiago Carvalho
tcarvalho@esec.pt

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