O jazz vocal é um território fértil para as vozes femininas. Em Portugal são muitos os exemplos, da já histórica Maria João até à mais recente revelação Elisa Rodrigues, passando por dezenas de outros nomes que têm mostrado bons argumentos. No que concerne aos homens, o panorama é inverso: quase não existem vozes masculinas que enveredem pelo território do jazz no nosso país. Uma das poucas excepções, e a mais assinalável de todas, é Kiko.

Nascido nos Estados Unidos (Newark), Francisco Pereira mudou-se para Portugal aos dez anos de idade. Tendo passado por vários projectos, de garagem e não só (o seu percurso inclui bandas como Trupe Vocal e Raul Marques e os Amigos da Salsa), Kiko assumiu plenamente a sua relação com o jazz e em 2003 lançou o seu primeiro trabalho em nome próprio, Raw (via Discaudio). Esse álbum inaugural mostrava profunda referência pelos caminhos tradicionais do jazz vocal, trabalhando à volta dos típicos standards (“How Deep Is The Ocean�, “Everything Happens To Me�, “Day Dream�, “I Get a Kick Out of You�, entre outros).

Quase dez anos mais tarde após essa primeira edição, Kiko chega ao segundo disco. Desta vez sente-se uma assumida vontade de fugir à linguagem canónica do jazz e concentrar as atenções na sua voz própria. A premissa de originalidade está evidente desde logo pela aposta nas composições originais, deixando agora de lado os standards (são no total onze temas originais, cantados em inglês e português). Sendo a raíz desta música o jazz, vai bem além, entrando à vontade por caminhos soul e bluesy. Plena de groove, esta música apelará facilmente aos fãs de gente como José James e Esperanza Spalding, que navegam nas mesmas águas mornas.

O cantor está acompanhado nesta empreitada por uma banda sólida - Hugo Raro no piano, Telmo Marques nos teclados, AP Neves na guitarra, Carl Minnemann no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria - à qual se junta um conjunto de convidados de bom nível (Nuno Ferreira, Gileno Santana, Zé Pedro Coelho, entre outros). Junte-se a esta tapeçaria instrumental a óptima voz de Kiko, que atravessa a dezena de canções com sapiência e elegância. Este segundo disco em nome próprio é um bom cartão de visita de um cantor único em Portugal.