Há 366 dias no calendário de 2012. Em cada dia há certamente uma lista interminável de discos editados pelo mundo todo. O que faz com que a tarefa de escolher os 30 melhores discos do ano pareça, anos após ano, uma missão dantesca e ingrata. Porque é realmente o que isso é. O que não quer dizer que seja impossível. Parece injusto resumir tamanha produção musical em 30 discos apenas, e é mesmo o que isso é: alguns discos que ficaram de fora eram suficientes para salvar um ano inteiro de más colheitas. Mas o mundo é feito de justiças e injustiças. Somados os votos (
), feita a matemática necessária, estes são os 30 discos que esta equipa escolhe como os melhores de 2012. Apenas com uma certeza: não existem certezas.
30
Sun Kil Moon
Among The Leaves
Caldo Verde
O génio de Mark Kozelek - ouça-se a solo, com Red House Painters ou com Sun Kil Moon - volta a revelar-se em Among the Leaves. O cantautor norte-americano é mestre na sensibilidade em fazer canções simples. De guitarra acústica em punho, Mark é a voz amiga, terna e aconchegante de
quem o quiser ouvir. A singularidade do músico é característica assente, apesar de em quase nada se desviar dos trabalhos anteriores. Para além do óbvio, acresce-lhe o dom de contar estórias, de cantar paixões e de criar nostalgia. Canções que nos imaginam em longas viagens por estradas desertas com o pôr-de-sol como pano de fundo. Admiráveis são ainda os expressivos títulos das faixas: “The Moderately Talented Yet Attractive Young Woman vs. The Exceptionally Talented Yet Not So Attractive Middle Aged
Man” ou "I Know It's Pathetic But That Was the Greatest Night of My Life". Lugar de destaque merecem também o romântico dedilhado em “Young Love” e as passagens sublimes de “Elaine”. Alexandra João Martins
29
Josephine Foster
Blood Rushing
Fire Records
Oh pá, era uma vez a editora dos Pulp quando eram desconhecidos e bons, a obscura Fire e uma mulher que em 2009 por eles assinou. Uma mulher de discos conceptuais se calhar em demasia, por onde já tinha reinventado canções infantis, Tin Pan Alley com ukelele, música alemã do séc. XIX. Uma mulher com forte influência pessoal de Patti Smith, Joan Baez, Grace Slick e Paula Frazer dos Tarnation, uma Mulher que arrasou finalmente. A produção de Andrija Tokic dos Alabama Shakes encaixou que nem uma luva nas deambulações folk psicadélicas que preenchem o disco e nos preenchem a alma a cada audição. Em All The Leaves Are Gone já lá tinha andado perto, mas eis que chegou na perfeição à quase quase perfeição. Nuno Leal
28
Capicua
Capicua
Optimus Discos
Há já muito tempo que a música portuguesa precisava de alguém como Capicua. Estão lá os instrumentais certos – Sam The Kid com a bravura que se lhe conhece, D-One a afirmar-se como um dos mais interessantes produtores nacionais. Está lá o flow – combativo quando é preciso, suave e terno quando as rimas o pedem. E estão tão lá as palavras. Nisso não há como não se render, Capicua escreve como poucos e encontrou no rap a forma ideal para se exprimir. Isto é um disco de coração aberto – as rimas, com ressonância em sentimentos colectivos, mas também o corpo das canções, formatadas com a empatia de quem quer ser ouvida. Seja com armadura de guerrilheira ou a expor as feridas, as palavras são cuspidas sem papas na língua, por vezes com nós na garganta. “Maria Capaz” é uma malha, “Medo do Medo” é um manifesto, “1.º Dia” é um hino, “Casa no Campo” é um sonho desmaiado nas nuvens. É música dona do seu nariz, do Porto de corpo inteiro, para quem já teve o coração pisado e para quem já sentiu a sodomia de forças políticas e laborais – mas ainda com esperança de construir um futuro (numa casa que cheire a flores e frutos / gomas e sugus / doces e sumos ♥). Ana Patrícia Silva
27
Purity Ring
Shrines
4AD / Popstock Portugal
A sensação de ouvir o disco de estreia da dupla canadiana Purity Ring é mais ou menos a de uma experiência intravenosa. Shrines é uma seta e o alvo são aqueles que se deixam seduzir por canções levemente lascivas, electronicamente formosas, hedonistas, entregues ao prazer carnal. Megan James e Corin Roddick são dois românticos: uma voz, baixos pesados, sintetizadores no ponto, batidas maravilhosamente entrecortadas e seleccionadas, mil e um efeitos. Resultado final: perto de duas mãos cheias de canções certeiras, cortadas e polidas como o melhor dos diamantes. Onze canções, onze pequenos hinos à pop de sintetizadores numa altura em que a maior parte dos exercícios deste género parecem vazios de qualquer emoção e propósito. Um disco puro e a fazer justiça ao nome dos seus criadores. André Gomes
26
Gala Drop
Broda
Gala Drop Records
Na verdade, não é caso estranho discos de colaboração acabarem por ser bastante mais fracos do que a soma das suas partes faria supor. Seja pela fuga apressada para fora da zona de conforto ou pela comunhão estrita de adaptação às suas particularidades, parece haver sempre um terreno demasiado frágil para que todas as suas parte se façam sentir de igual modo. No caso de uma banda como os Gala Drop, mestiça por natureza, e da capacidade infinita de bem Chasny se inflitrar pelos mais variadas linguagens, essa proposição não fazia grande sentido a priori. E felizmente, em Broda não existiram quaisquer concessões de parte a parte: tanto o quarteto lisboeta como o mago das seis cordas se enredaram numa mesma narrativa mutante, com aquela saudável noção de risco para que tudo isto faça sentido. Andamentos dub, percussões macumbeiras, sintetizadores espectrais e guitarras em espirais de eco e distorção, todos a caminho de terreno não calcorreado com a segurança dos grandes. Broda é daqueles poucos discos que ainda me fazem acreditar que a ideia de uma jam band não tem necessariamente de ser perniciosa. Bruno Silva
25
Lindstrøm
Smalhans
Feedelity / Smalltown Sound
Depois de Six Cups of Rebel, um disco denso e de difícil absorção, Lindstrøm volta ao que conhecemos dele: o bom velho novo disco. Tal como o gajo que dá uma escapadinha por fora com uma tipa esquisita e distante e depois regressa ao conforto da namorada de sempre para descobrir que nunca de lá devia ter saído, Lindstrøm está de volta ao bem bom. E por bem bom quero dizer todos aqueles ganchos melódicos incríveis, todos os sintetizadores de sonho, todo aquele gingar de anca capaz de convencer aquele gajo a dançar naquela festa para impressionar aquela miúda. Esta história termina num motel. A história de Lindstrøm é bom que não termine tão cedo. Porque esta viagem está a saber lindamente e cheira-me que ele ainda tem alguns trunfos na manga. Vai, acredita Lindstrøm, tu sabes. André Gomes
24
Grizzly Bear
Shields
Warp
Brooklyn festeja sempre o Natal em grande estilo. E dá-nos razões para festejar também. Sobretudo se tivermos no sapatinho este Shields,um sublime presente dos filhos da terra. Desembrulha-se o pacote e o conteúdo é de luxo: grandiloquência sinfónica, vozes que se encontram no céu e arrojo q.b.. Ao quarto álbum, os Grizzly Bear mostram o brio de se aperfeiçoarem continuamente e produzirem um relicário de composições que exigem várias audições para uma fruição perfeita. Não se reconhecem aqui transformações radicais, nem quebra cosmetéticas anteriores, mas vislumbra-se uma evolução na escrita de canções que se tornou mais poderosa e, ao mesmo tempo, refinada.Com este punhado de elegantes criações, olhamos para o futuro ansiosos e optimistas. Menos imediato, mas mais atento a pormenores, este álbum eleva a folk a mil e uma possibilidades de reinvenção e descoberta. Eugénia Azevedo
23
LA Vampires & Maria Minerva
The Integration LP
Not Not Fun
Ainda estamos por decidir se o feminino de bromance é sismance, mas, seja qual for o epíteto a utilizar de forma a melhor descrever esta colaboração entre LA Vampires e Maria Minerva, fiquemos com a ideia principal - a de que Integration, disco criado a pensar na cena house que nunca se viveu por se ser demasiado novo, com o estalo da droga a percorrer-nos a alma tal qual os sintetizadores percorrem boa parte das canções deste disco a quatro mãos, constitui alguma da pop de cariz electrónico mais apetecível do ano que findou. Porque não procura inventar a roda e se entrega à maioria dos bons clichés, seja aos do mainstream seja àqueles mais hipster; porque não é mais do que um objecto que muito provavelmente se irá perder no tempo de meses, mal a retromania (que também está da génese da sua criação) assim o queira; porque mais do que disco é compilação de canções pastilha-elástica para se saborear na hora, deitar ao chão depois. E não, não há mal nenhum nisso: há tanta gente a tentar fazer história que se esquecem de a viver. Paulo Cecílio
22
Actress
R.I.P.
Honest Jon's Records
Parece fútil dizer isto, mas se R.I.P. fosse um loop de 50 minutos da incrível “Shadow of Tartarus” este seria ainda assim um dos melhores discos de 2012. Cinco minutos e vinte e seis segundos de alguém a foder-te com o cérebro e mesmo assim a única coisa que apetece fazer é clicar em Play mal esta termina. Mas R.I.P. está longe de ser um loop seja do que for até porque “Shadow of Tartarus” nem representa propriamente o restante recheio do terceiro disco de Darren J. Cunningham; é apenas o seu momento mais alto. Para além disso há, imagine-se, alguma da música electrónica mais desafiante e fresca que 2012 produziu. A bipolaridade fica-lhe bem: parece que Darren J. Cunningham está sempre a tentar convidar-nos para a pista de dança mas na verdade está a foder-nos a cabeça toda. E nós deixamos.
21
THEESatisfaction
awE naturalE
Sub Pop Records
A dupla THEESatisfaction não precisou de muito mais do que trinta minutos para assinar um dos melhores discos de 2012. Nem de muitos adereços. Visceral, primitivo, sem grandes artefactos ou manias de produção. Rudimentar, directo ao assunto, frontal, sem merdices ou bling-bling. Na maior parte do tempo, awE naturalE é um disco despido até ao mínimo indispensável. O que não quer dizer em momento algum que seja um disco vazio de ideias – antes pelo contrário. À frente de tudo estão as vozes – e as palavras – de Catherine Harris-White e Stasia Irons, perfeitas no encontro com as batidas habilmente lançadas na direcção de ambas. Entre o jazz, a soul e o rap, awE naturalE recorre ao passado para construir novo e o resultado final é surpreendentemente fresco e actual. Um disco que prova que a subtileza não tem de ser sinónimo de falta de argumentos. André Gomes
20
Dawn Richard
Armor On
Our Dawn Entertainment
Olhando de soslaio para o panorama actual do R&B, e excluindo a omnipresente Beyoncé, o relativo domínio mediático do sector masculino por via nomes como Miguel, Trey Songz, Usher ou Jeremih, poderia levar à ideia errada de que as ladies se encontram numa fase de maior sonambulismo. Na verdade, e fora do epicentro das atenções, senhoras como a Nikkiya, a Shanell ou a Kalenna têm vindo a criar obras de igual ou maior valor, mas ninguém tem sido tão consistentemente brilhante como a Dawn Richard. Depois do colossal Last Train to Paris e da interessante A Tale Tell Heart a ex-Dirty Money assumiu o papel de super heroína e longe das pressões da indústria, aninhou-se junto do produtor Druski para traçar o seu próprio caminho com uma determinação inabalável. Armor On é um EP com 40 minutos, mas tem todas as características de um verdadeiro álbum: coesão interna, espectro, sentido narrativo e uma total ausência de filler, num disco prenhe em ideias refrescantes e de um apurado inconformismo que nunca põe em causa a voz, a personalidade e o carisma da Dawn. Num louvável exercício de independência artística que se traduz em dez canções de criatividade em roda livre. Bruno Silva
19
Ariel Pink
Mature Themes
4AD
Com
Before Today Ariel Pink alcançou o consenso da crítica em 2010 - foi mesmo o
disco favorito da redacção Bodyspace.
Mature Themes segue a mesma linha desse álbum-vencedor, apresentando um novo conjunto de canções esquizóides, amálgama de múltiplas referências, sempre numa afinada eficiência pop. Desta vez não há canções como "Round and Round" e "Bright Lit Blue Skies", mas “Kinski Assassin” é perfeita para o arranque frenético e “Mature Themes” e “Only in my dreams” cumprem esse papel de hits imediatos. E, claro, é essencial destacar a colaboração do enorme Dâm-Funk em "Baby", para finalizar este álbum a mel.
Nuno Catarino
18
Norberto Lobo
Mel Azul
Mbari
Depois de Pata Lenta em 2009 e Fala Mansa em 2011, o músico lisboeta volta a provar, em, Mel Azul, o por quê de ser um dos melhores compositores portugueses da actualidade. Pondo de parte as nuances de experimentalismo que deixara transparecer no segundo disco, Norberto Lobo volta a apresentar-se a solo como guitarrista puro e duro. E bem. O dedilhar mantém-se genial e genuíno e a fonte de influências riquíssima. Neste disco ouve-se Lisboa, ouve-se o Mississipi, ouvem-se devaneios orientais e suspeitam-se zumbidos brasileiros. É de notar a extraordinária capacidade de construir narrativas sonoras através de um só instrumento e de modo que não se tornam monótonas. A versatilidade de Norberto fica comprovada não só pela variedade de géneros e estados que abarca ao longo do disco mas no interior das próprias canções. Não há uma linha estável a seguir, as composições são imprevisíveis e tudo pode acontecer. É essa a sensação que nos percorre quando ouvimos Mel Azul. A de que é quase um improviso. E como todos os bons improvisos, preparado eximiamente. Alexandra João Martins
17
Miguel
Kaleidoscope Dream
RCA
Numa altura em que o R&B tem vindo a ser gradualmente afastado dos Topes e a transmutar-se numa espécie de renovado critical darling por via do vazio de alguns falsos profetas, é bom poder encontrar alguém genuinamente relevante a equilibrar-se com elegância entre esses dois pólos, sem a pretensão de reinventar um género saudável através de uma qualquer força subversiva. Ao segundo álbum Miguel aperfeiçoa uma linguagem distinta com a audácia de se atirar a várias frentes – à pop, ao rock, ao psicadelismo, etc. - sem com isso desvirtuar aquilo que verdadeiramente interessa: as canções. E Kaleidoscope Dream é um disco praticamente imaculado nesse campo, onde o cuidado e atenção aos arranjos, texturas e formas nunca serve como camuflagem melindrosa para a ausência de ideias fortes. Nem era preciso, quando pérolas como “Adorn”, “Use Me” ou “Candles in the Sun” têm o poder de ressoar instantaneamente e ecoar pelo cérebro para a posteridade. Bruno Silva
16
Japandroids
Celebration Rock
Polyvinyl Record Co.
É um álbum de canções grandes, mesmo grandes, cheias de fogo. São só dois, guitarra e bateria, mas atiram-se a cada canção com todos os fluidos corporais. Apropriam-se das dinâmicas de um rock construído para arenas – pirotecnia e tudo – e conseguem-no com pedais a gemer e uma bateria num ataque de ansiedade, num som ruidoso mas permeado de transes melódicos, descargas de woah-oh-ohs e refrãos fulminantes. São, além disso, canções inesperadamente poderosas e tocantes, de hormonas a borbulhar mas também com uma inocência juvenil de subtons melancólicos, com letras poéticas cheias de grandes histórias, esborrachadas por gritos e distorção. Conseguem transformar o mais mundano no mais épico, hino atrás de hino, captando aqueles instantes finais da adolescência antes da vida real chegar com um murro nos dentes. São destes intensos 35 minutos que reza o melhor rock. Ana Patrícia Silva
15
Dirty Three
Toward the Low Sun
Bella Union
Há poucas coisas infalíveis no mundo. Das coisas infalíveis no mundo, algumas são más, outras são boas. Um álbum de Dirty Three é algo infalível, na secção boa do mundo. Toward The Low Sun é uma continuidade da obra que já lhes conhecemos e nada nesta frase pretende insinuar que tal seja negativo. O adjectivo a utilizar é “belo”, mesmo que “belo” se tenha transformado numa palavra desprovida de beleza. É deslumbrante e desarmante. No sentido de que a escuta do disco pode desarmadilhar qualquer resistência que haja ao que for. Maravilhas como “Ashen Snow” pertencem a um nível único, àquela categoria de canção que demonstra o porquê de valer a pena ouvir música, ouvir e escutar, assimilar e inspirar a plenos pulmões. Canção para amanhecer ou anoitecer, canções para quando se desiste de tentar perceber o que as coisas querem dizer. Tiago Dias
14
Julia Holter
Ekstasis
Raving Intl.
Julia, Julia. Um segundo disco marcado por toques de Laurie Anderson, Klaus Nomi, United States of America, Free Design, toques de génios portanto. Julia, Julia, de canções imortais, fusões de electrónica com tragédia grega, uma espécie de instalação eletro-litúrgica que contemplamos com os ouvidos num museu algures, com uma exposição de nós próprios a pensar na vida, no que ela pode ser, no que ela podia ter sido. Palavras que podem soar pretensiosas mas acreditem, o disco também parece pretensioso à primeira, mas a magia é tanta, que as suas pretensões são à altura das ambições, o que pretende é atingível, é um êxtase fabuloso. Julia, Julia, mesmo. Nuno Leal
13
Laurel Halo
Quarantine
Hyperdub
Fluxo de som electrónico manipulado com mestria por Laurel Halo, Quarantine condensa vários elementos das movimentações mais certeiras do underground moderno. Halo inventa quase-canções feitas de múltiplos acontecimentos electrónicos, nunca se sentando num género, numa ideia. O exercício pode ser, às primeiras audições, ligeiramente frustrante (e a aposta na voz de Halo, que parece existir quase em contradição com o resto do som, contribui para que assim seja), mas cresce, e muito, à medida que nos entregamos a esta prazerosa Quarantine. Detectamos ecos de um futuro não cumprido, numa espécie de rave distópica (em vez de imaginarmos o céu, temos o nosso inferno interior). Estão cá os sintetizadores sonhadores e espraiados que marcam uma grande parte da actual produção underground, mas usados como recurso plástico num saco cheio de truques (nesse sentido, Quarantine é um primo afastado de Replica de Oneohtrix Point Never). Um disco que ousa inventar um mundo sonoro, como poucos. Pedro Rios
12
B Fachada
Criôlo
Mbari
Não tínhamos quaisquer dúvidas de que B Fachada é já um nome histórico da canção nacional. Impressiona a lata com que se lança a novos sons, novos perigos, novos absurdos (batidas que podiam estar karaokes africanos?) e se safa sempre com um sorriso, uma pinta de malandro, de gajo que tem um talento descomunal e que faz o que lhe apetece. Criôlo é isso, disco que fornece material para o dançarino malandreco ("Afro-xula" ou a deliciosa "Tendinite"), melancolia bonita a favor dos costumes livres ("Como Calha"), o elogio do aninhar com teclados oitentistas que são um tratado da música pós-irónica ("Carlos T"), música popular portuguesa enrolada num charro dub ("Quem Quer Fumar Com o B Fachada?"). O cuidado que Fachada aplica na métrica e na densidade de cada palavra (qualidades raríssimas, cá ou em qualquer parte do mundo) não contradizem a vontade de dançar que emana de Criôlo. Pedro Rios
11
Pega Monstro
Pega Monstro
Cafetra Records
As Pega Monstro já são muito mais do que mero tópico lol-fi e comprovam-no com este disco homónimo. Têm a atitude punk certa ("eu sou merda mas gostas de mim") e com pouco (voz, guitarra, bateria) atiram ao tapete bandas com mais elementos e instrumentos do que boas ideias. E que, por isso, não fazem grandes malhas como estas. Doze faixas, quase como se este número pré-adolescente fosse uma metáfora para o que afirmam em “Carocho” (do ”não quero ir à escola” ao ”hoje em dia tudo faz tão mal / não comas peixe nem carne nem vegetal”), “Dom Docas” – é escusado repetir um dos refrãos de 2012 – ou “Afta”. Mas as manas Reis já não têm dentinhos de leite. Desde que as vi tocar pela primeira vez, a abrirem para Glockenwise no Music Box, deram um salto tão grande que não sei onde vão parar. Músicas como “Akon” ou “Suggah” relembram-nos do que são capazes bandas que fazem dos três acordes uma espécie de Pai, Filho e Espírito Santo da música. O nosso Aleluia não chega para lhes agradecermos isso. Hugo Rocha Pereira
10
Frank Ocean
Channel Orange
Def Jam
Terá sido a revelação da sua bissexualidade uma pura estratégia de marketing ou uma genuína declaração de uma dualidade que dividia o artista sentimentalmente, havendo na obra um incontaminado reflexo desse conflito anímico? É bem mais pertinente anuir a segunda questão já que tudo indica que estamos perante um trabalho que transparece o que realmente é: a história de um homem em luta com o seu eu. Podemos estar errados; mas vida é feita de escolhas. “O carácter é o que permite decidir após a reflexão: eis o motivo porque o carácter não aparece em absoluto nos discursos dos personagens, enquanto estes não revelam a decisão adoptada ou rejeitada”, eis o que se lê numa das múltiplas traduções da Poética de Aristóteles. Frank Ocean não só é uma personagem numa gigantesca peça – que é a indústria musical –, como é um protagonista num drama pessoal que divisou finalmente a catarse na escrita de canções. Channel Orange é a primeira (e a última?) consequência dessa purificação, o preâmbulo da concretização (moral?), de libertação dos fantasmas que assombravam o armário. No fundo é um momento de triunfo em que todos lucram: ele, por superar os seus receios, encetando uma nova era no estádio da sua existência, e nós, por depararmos com um genuíno trabalho de autor que usa o mais elegante e sofisticado r&b como veículo de uma expressão interior. Rafael Santos
9
Kendrick Lamar
Good kid, m.A.A.d city
Interscope / Aftermath / Top Dawg
Um álbum de rap conceptual com distribuição pela Interscope numa era dominada por mixtapes gratuitas assemelha-se perigosamente a um capricho auto-indulgente que apenas um ego gigantesco como o do Kanye pode almejar – e fracassar nessa demanda. good kid, m.A.A.d. city é esse disco a resplandecer em toda a sua amplitude, vindo de um rapaz de Compton sediado na emergente crew Black Hippy. Com a sua cidade natal como cenário, Kendrick projecta uma visão tão apaixonante como desencantada sobre o seu próprio papel nesta realidade, algures entre o chamamento imediato da thug life circundante e o distanciamento de quem sabe que tudo isso desaba facilmente. O sentimento de pertença vs. o desejo de libertação, alimentado por um lirismo denso e uma técnica irrepreensível que nunca descamba no show off gratuito. Observador nato, Lamar vai desenvolvendo uma narrativa fascinante, coadjuvado por uma produção contida e atmosférica, capaz de acolher na perfeição as suas rimas intrincadas e a catarse que vai deambulando por entre estas canções. Ambicioso e profundamente real, good kid, m.A.A.d. city é um dos mais vitais e fulgurantes retratos dos 00's em memória recente. Bruno Silva
8
Hot Chip
In our heads
Domino
“Flutes”, “Night & Day”, “How do you?”, “Look at Where We Are”. E há mais. In our heads está carregado de boas razões para continuar a celebrar a música dos Hot Chip em 2012 e esperar deles sempre o melhor do melhor. E que melhor é esse? Todos os refrãos certos, uma produção sempre acima da média (e mais apurada a cada disco, a cada single), canções quase sempre perto da perfeição, aquela dose indicada de humor, música elástica o suficiente para funcionar em todas as situações sociais possíveis: na pista de dança, no emprego, no flirt, no sofá, no jantar de Natal da empresa. Música de dança com cérebro, muitas vezes no limite do bom gosto (mas sempre sem o ultrapassar), pop para o século XXI: sexy, informada, ampla na sua oferta e disponível para todos. Pode não ser impossível, mas é difícil resistir-lhes. André Gomes
7
Tame Impala
Lonerism
Modular Recordings / Popstock Portugal
Lonerism é o disco que os novos miúdos indie podem mostrar aos pais para, finalmente, partilharem um momento de headbanging (ou de trip, para os mais ousados): o pai lembra-se dos bons momentos dos anos 1960 e 70; o filho tem uma epifania e, de seguida, compra uma guitarra. Confirma-se que Kevin Parker é um geniozinho: estas melodias perfeitas, sacadas ao melhor da "psicadelia" e aos tempos em que a estranheza era normal na coisa pop, estão no cérebro do australiano, que as põe cá fora – para nosso bem. Guitarras apontadas aos céus, ancas na terra a dançar, agora com mais sintetizadores e outras doçarias pop, influências dos anos 1970 pré-punk, de Todd Rundgren e dos Supertramp, ecos das melodias perfeitas dos Beatles, do céu de guitarras dos Cream, da pose cool de T-Rex. Tudo isso está cá. Queremos mais, Kevin. Pedro Rios
6
Bill Fay
Life is people
Dead Oceans
Citando um anónimo nickname no youtube, bem por baixo do video da canção Be At Peace With Yourself, lê-se Thank you very much! Sometimes a song can change your life... and sometimes, save a life.... Porra, se este comentário não resume a força de uma canção. E há outras assim poderosas. Bill não regressa por regressar. Regressa em grande, à altura do que já nos tinha dado pela última vez há mais de 40 anos atrás, nada mais nada menos, que um disco de originais. 40 anos depois de ter sido dispensado pela Deram. Agora numa obscura editora de nome tão poético como qualquer palavra sobre o piano de Bill, senão leiam: Dead Oceans. E se a espiritualidade já banhava oceanos vivos de humanidade em tempos de Bill Fay e The Time of The Last Persecution, agora o mergulho, em pleno ano da Re-Grande Depressão, é absolutamente uma apneia contínua de inspiração, restabelecer forças, redobrar esperanças e voltar à superfície, aos saltos, como golfinhos bebés atrás do ar puro longe de tubarões e orcas más. Nuno Leal
5
Orelha Negra
Orelha Negra
NorteSul
O mundo seria mais bonito se propagasse mais rapidamente o talento dos Orelha Negra do que a nossa crise económica. Enquanto isso não sucede, a banda composta por Sam the Kid, DJ Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes vai fazendo pela vida por cá. Feliz encontro de pessoas afectas ao groove, ao hip-hop e à cultura urbana, os Orelha Negra são um pequeno milagre anti-tortura. E são uma bem-aventurada mistura entre tendências actuais e reminiscências soul dos anos 70. Podia ser um desastre misturar os egos de vários músicos de créditos firmados, mas é com deleite que vemos o seu álbum homónimo, que é já o segundo lançamento do colectivo, confirmar o prodígio.Throwback é a contagiante prova do fenómeno. Talvez outras áreas/instituições da vida nacional possam colher o exemplo dos Orelha Negra: concertar esforços, medir talentos e brilhar.Este Natal renda-se à maravilha portuguesa e compre/ofereça o álbum dos Orelha Negra. Eugénia Azevedo
4
Alt J
An awesome wave
Infectious Music
Sabes para onde vão as coisas selvagens? Vão indo para te tirar o mel. Que mel tens tu, rainha da minha vacina que te chamas Morfina? Isto não fez sentido nenhum. As letras de Alt-J são um caos irreconciliável e tentativa de surreal, mas enquadram-se na perfeição na música que cobrem. Há uma base convencional em An Awesome Wave que levou a que recebesse diversos prémios e que fosse visto ao longo do ano como um dos melhores álbuns de 2012, mas que não chega para explicar a sua totalidade. É exótico, mas previsível. Conforta saber que há diversidade no ortodoxo. Há que o admitir. Relaxa, mas também faz mexer. No lado A, o pico é - de longe - “Breezeblocks” (na qual se cantam aquelas letras que já mencionei), quando parecem ainda estar a levantar. A segunda metade do disco, que durante muito tempo pensei ser a primeira, é mais interessante e colorida como a capa. Dos melhores primeiros álbuns que me passaram pelas mãos e pelos ouvidos. Tiago Dias
3
Neneh Cherry & The Thing
The Cherry Thing
Smalltown Superjazz
Fundado no ano 2000, o trio The Thing surgiu da reunião de Mats Gustafsson (saxofones), Ingebrigt Håker-Flaten (contrabaixo) e Paal Nilssen-Love (bateria), como homenagem ao histórico trompetista Don Cherry - aliás, “The Thing” é o título de uma composição sua. Ao longo desta década o trio tem vindo a trabalhar uma música improvisada de alta intensidade, servindo-se de temas rock como matéria prima, na maior parte das vezes. A união do trio com a voz de Neneh Cherry, enteada de histórico trompetista, (e)levou-o a um universo mais pop, transportando consigo a sua energia original. A voz de Cherry é um dínamo que encaixa na perfeição com o groove do trio e expande cada canção com a sua força explosiva. Há dois originais (um de Neneh, outro de Gustaffson) e a revisão de um clássico de Don Cherry (“Golden Heart”). Segue-se uma série de versões: brutal reinvenção de "Dream Baby Dream" dos Suicide (momento altíssimo), "Too Tough to Die" de Martina Topley-Bird, "Accordion" de MF Doom, "Dirt" dos Stooges e fecha com “What Reason Could I Give” do grande Ornette Coleman. Do encontro entre a voz fogosa de Cherry, o saxofone em labaredas de Gustaffson e a propulsão rítmica de Haker-Flaten e Nilssen-Love nasceu um dos mais originais e marcantes discos do ano (e não só). Nuno Catarino
2
Black Bombaim
Titans
Lovers & Lollypops
Em Barcelos acordou um gigante. Na verdade, três gigantes, e nenhum de nome fantástico como Helius, Eon ou Atlas. Estes titãs não são atenienses nem gregos; são cidadãos do mundo, profetas do psicadélico, romancistas do riff, astronautas do peso e da medida rock; uma banda, uma simples banda, mas que durante uma hora, quatro minutos e cinquenta e oito segundos, ou durante o triplo ou o decúplo ou o infinito deste período de tempo se transformam na mais obrigatória das certezas – a de que são, a milhas, a melhor coisa que poderia ter acontecido em 2012. Os ecos de Titans, disco duplo, imensidão atmosférica e bolsa de viagens por territórios ainda nem sonhados, far-se-ão ouvir até à morte final do rock n' roll (se é que esta, alguma vez, acontecerá). Aos Black Bombaim, por Titans, e pelos seus concertos sempre imperdíveis, não poderemos dirigir outra palavra que não esta: “salvé”. O ano é todo vosso. Paulo Cecílio
1
John Talabot
ƒIN
Permanent Vacation
Quando em Fevereiro Bruno Silva escrevia nestas páginas “Se nos lembrarmos dele daqui por uns meses, é sinal de que estes dias passados com o disco em repeat foram muito mais do mera tesão de mijo”, desconhecia-se por completo o impacto, e reverência, que a música do produtor espanhol provocaria na alma do melómano volvidos todos os meses de 2012. Eis, pois, o orgasmo, o grande orgasmo, a definitiva confirmação que tudo vai além da mera tesão do mijo, que tudo o que se ouve neste quadrante do universo ultrapassa a noção da mera curiosidade, que aqui não há um único metro quadrado de leviandade. fin fundamenta devidamente a ideia de que é na simplicidade que reside o segredo do sucesso; que somente na posse de um apurado sentido estético é possível gerar uma genuinidade capaz da mais-valia. Por aqui não há espaço para o pretensiosismo ou afloramentos supérfluos. E porque haveria quando existem minudências que devem a sua essência à cuidadosa depuração de elementos pop, soul e disco de outros tempos, elementos que enriquecem naturalmente as texturas house? fin é um exemplo de como a nostalgia pode viver de mãos dadas com a inventividade, gerando uma energia positiva capaz de transformar o dia mais penumbroso num fulguroso dia de pura celebração da vida. Nós, por aqui, não temos quaisquer dúvidas disso. Rafael Santos