DISCOS
Adolfo Luxúria Canibal + António Rafael
Estilhaços
· 12 Fev 2007 · 08:00 ·
Adolfo Luxúria Canibal + António Rafael
Estilhaços
2006
Transporte de Animais Vivos
Estilhaços
2006
Transporte de Animais Vivos
Adolfo Luxúria Canibal + António Rafael
Estilhaços
2006
Transporte de Animais Vivos
Estilhaços
2006
Transporte de Animais Vivos
Encontro entre os dois músicos dos Mão Morta resulta em excitante viagem pelo spoken word negro bem servido instrumentalmente.
Estilhaços é um projecto que passou por várias fases até chegar ao seu formato actual, o CD. Em 2003, a Quasi editou um livro com o mesmo nome contendo poemas de Adolfo Luxúria Canibal. Pouco depois o conceito ganhou outra forma, a de “concertoâ€: convidando António Rafael (também dos Mão Morta) para o acompanhar, Adolfo aceitou o convite do Teatro do Campo Alegre para transformar o livro em actuações de spoken word. A partir daà as actuações foram-se alargando a cidades como Braga, Lisboa, Famalicão e Budapeste, até que um convite da Transporte de Animais Vivos, filial discográfica da Quasi, quis tornar em disco os poemas de Adolfo Luxúria Canibal e as ambiências de António Rafael. É um dos quatro discos que a editora nortenha editou ao mesmo tempo na sua estreia.
Estilhaços é um disco de spoken word, território já explorado por Adolfo Luxúria Canibal nos Mão Morta (assim de repente salta à vista “Gumesâ€, do último Nus). Aqui, Adolfo Luxúria Canibal continua a ser o “narrador da decadência†que conhecemos e o fornecedor de paisagens António Rafael (no piano, no sintetizador e nas programações) parece aqui a melhor das companhias possÃveis. A viagem parece começar no mar (em “De estrelas nada seiâ€), onde o cantar das aves e outros animais se mistura com o remexer da água e juntos absorvem as palavras de Adolfo, debatendo-se com o seu aparente desconhecimento das estrelas.
“Noite Transfigurável†abre com um piano e conta a história de uma casa, de uma famÃlia e de uma máquina. Há um avô que, algo desnorteado, sublinha a palavra “ervaâ€. A mudança de cenário, sublinhada pelo acordar no dia seguinte e pelo nascer do dia, leva a narração para um parque infantil cheio de “putos†e “excursionistasâ€: “Já davam à volta da mesa que havia à volta dos bancos quando uma excursionista se sentou ao meu lado e ficou silenciosa a olhar em frente / mas eu estava demasiado ocupado a fazer um pica com papel de embrulho que não colava / Depois de muito cuspo pareceu-me enfim seguro e acendi um fósforo antes de conseguir chegar ao picaâ€. Adolfo Luxúria Canibal trata bem as palavras – di-las com o peso certo, é impossÃvel desviar a atenção da sua descrição.
Um murmurar electrónico e um piano abrem “A filha surda†e pouco depois junta-se um contrabaixo, cenário perfeito para Adolfo percorrer um “desses bairros burgueses de Paris de fachadas idênticas e ruas largas†e narra a história de uma mulher e do seu choro, da sua tristeza profunda causada pela surdez do seu bebé. Além da cidade das luzes onde viveu alguns anos, também Braga merece a atenção neste disco em “Braga, meu amorâ€, retrato de uma cidade pintado por palavrões, droga, sexo e pela teia sonora mais agressiva do disco, o que evidencia a imagem algo destorcida que Adolfo tem da cidade dos bispos.
Os dois temas restantes, “White light / White Heat†e “O homem aos saltos†(quase cabarética) ajudam a provar a ideia que este não apenas um disco para se ouvir enquanto se espera pelo próximo registo dos Mão Morta. É um disco onde Adolfo Luxúria Canibal se sente em casa e onde desenvolve um trabalho distinto (mas não demasiado, não irreconhecÃvel) daquele que consegue nos Mão Morta e nos Mecanosphère. Estilhaços é, em variadas ocasiões, um disco de estonteante e perturbadora beleza. Estes sete textos transformados em registo sonoro transpiram crueza e realismo – são obviamente retratos da decadência.
André GomesEstilhaços é um disco de spoken word, território já explorado por Adolfo Luxúria Canibal nos Mão Morta (assim de repente salta à vista “Gumesâ€, do último Nus). Aqui, Adolfo Luxúria Canibal continua a ser o “narrador da decadência†que conhecemos e o fornecedor de paisagens António Rafael (no piano, no sintetizador e nas programações) parece aqui a melhor das companhias possÃveis. A viagem parece começar no mar (em “De estrelas nada seiâ€), onde o cantar das aves e outros animais se mistura com o remexer da água e juntos absorvem as palavras de Adolfo, debatendo-se com o seu aparente desconhecimento das estrelas.
“Noite Transfigurável†abre com um piano e conta a história de uma casa, de uma famÃlia e de uma máquina. Há um avô que, algo desnorteado, sublinha a palavra “ervaâ€. A mudança de cenário, sublinhada pelo acordar no dia seguinte e pelo nascer do dia, leva a narração para um parque infantil cheio de “putos†e “excursionistasâ€: “Já davam à volta da mesa que havia à volta dos bancos quando uma excursionista se sentou ao meu lado e ficou silenciosa a olhar em frente / mas eu estava demasiado ocupado a fazer um pica com papel de embrulho que não colava / Depois de muito cuspo pareceu-me enfim seguro e acendi um fósforo antes de conseguir chegar ao picaâ€. Adolfo Luxúria Canibal trata bem as palavras – di-las com o peso certo, é impossÃvel desviar a atenção da sua descrição.
Um murmurar electrónico e um piano abrem “A filha surda†e pouco depois junta-se um contrabaixo, cenário perfeito para Adolfo percorrer um “desses bairros burgueses de Paris de fachadas idênticas e ruas largas†e narra a história de uma mulher e do seu choro, da sua tristeza profunda causada pela surdez do seu bebé. Além da cidade das luzes onde viveu alguns anos, também Braga merece a atenção neste disco em “Braga, meu amorâ€, retrato de uma cidade pintado por palavrões, droga, sexo e pela teia sonora mais agressiva do disco, o que evidencia a imagem algo destorcida que Adolfo tem da cidade dos bispos.
Os dois temas restantes, “White light / White Heat†e “O homem aos saltos†(quase cabarética) ajudam a provar a ideia que este não apenas um disco para se ouvir enquanto se espera pelo próximo registo dos Mão Morta. É um disco onde Adolfo Luxúria Canibal se sente em casa e onde desenvolve um trabalho distinto (mas não demasiado, não irreconhecÃvel) daquele que consegue nos Mão Morta e nos Mecanosphère. Estilhaços é, em variadas ocasiões, um disco de estonteante e perturbadora beleza. Estes sete textos transformados em registo sonoro transpiram crueza e realismo – são obviamente retratos da decadência.
andregomes@bodyspace.net
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