DISCOS
Ike Yard
1980-82 Collected
· 01 Set 2006 · 08:00 ·

Ike Yard
1980-82 Collected
2006
Acute Records / Sabotage
Sítios oficiais:
- Acute Records
- Sabotage
1980-82 Collected
2006
Acute Records / Sabotage
Sítios oficiais:
- Acute Records
- Sabotage

Ike Yard
1980-82 Collected
2006
Acute Records / Sabotage
Sítios oficiais:
- Acute Records
- Sabotage
1980-82 Collected
2006
Acute Records / Sabotage
Sítios oficiais:
- Acute Records
- Sabotage
Colectânea abrangente de todo o material gravado em estúdio e de alguns acrescentos por parte dos Ike Yard, primeira aquisição norte-americana da Factory que nunca soube gerir essa obscuridade característica de Brooklyn
Ao contrário do que possa transparecer a actualidade crítica que foca o género, não foi Simon Reynolds que inventou o pós-punk. Muito fez por revitalizá-lo à luz do novo século, com a escrita do abrangente e elucidativo Rip It Up & Start Again, mas é tal a infinidade de ramificações surgidas a partir do pós-punk que o seu levantamento exaustivo exigiria as proporções de uma mini-biblioteca especializada, que incluísse os catálogos completos das mais obscuras labels dedicadas às cinzas do termo cunhado por Lester Bangs. Mais do que noutras tantas esferas musicais, a militância neste caso representa investigação e documentação. Por outras palavras, o estabelecimento de métodos que tenham por ponto de partida uns Joy Division ou os PIL e que, eventualmente, se depare com uma preciosidade tão rica e meteórica quanto estes Ike Yard.
Apesar de citado o nome de colectivos lendários como antecedentes dos Ike Yard, não se julgue que o preciosismo - que um quarto de século depois ainda se lhes escuta - parte de uma qualquer apropriação copista do que exportava o Reino Unido à medida que implodia o punk. Antes se descobre por aqui um pós-punk evidentemente atípico, envolto em redoma de vícios privados, tornado muito mais climático que impulsivo por efeito directo do autismo inflectido próprio de quem operava a partir de uma Brooklyn separada por um oceano dos epicentros londrino e mancuniano. Citar a dominância da obscuridade terá a sua lógica se entendermos que os Ike Yard se haviam formado numa Nova Iorque privada de luz solar em algumas porções de solo e que, no início de 80, seria muito mais cinzenta (pintada pelos tons gordurosos de Abel Ferrara) que a Disneyland em que se tornou com a administração de Giuliani. Não ajuda à figura que o nome da banda tenha sido pilhado a uma cena do visionariamente aterrador Laranja Mecânica. O glamour não mora aqui, portanto.
Pese embora o polivalente e elástico negrume que isolava a banda do pós-punk mais “simpático”, os Ike Yard podiam nem ser merecedores de compilações caso não tivessem conhecido o apadrinhamento do guru Tony Wilson que os repescou à pequena label Belga Disques du Crespucule – onde lançaram o EP After Night aqui incluído – e os aglomerou à disfuncional família Factory sob o signo de serem a primeira contratação norte-americana por parte da lendária label. A integração resultou no álbum homónimo de 82, que, qualitativamente, representa apogeu criativo por parte dos Ike Yard e a mais recomendável fatia da colectânea. Já a contextualização musical na Factory desse ano não será tão pacífica por manifesto contraste entre os nova-iorquinos e a prata da casa assegurada pelos New Order ou A Certain Ratio. Quase como se os Ike Yard estivessem clinicamente mortos e inviabilizados de cumprir o padrão vigente da discoteca Hacienda (inaugurada precisamente em 82) e reproduzir réplica que fosse do famoso throb, repetição circular de um ritmo pulsante habitualmente surgido de uma linha de baixo que estimula de imediato. Não haja dúvidas de que a estranheza hermética da representativa “M. Kurtz” deixa bem evidente as diferenças. Fosse espremida toda a melodia que tem para oferecer Ike Yard e tal quantidade não chegaria para confrontar a catchiness de uma qualquer faixa do contemporâneo I’d Like to see You Again dos A Certain Ratio.
Parecia importar muito mais à banda de Stuart Argabright explorar as diferentes afinações da bateria, esgotar as possibilidades das caixas rítmicas e mergulhar num tratamento dos sintetizadores (alguns de enormes proporções) como se deles dependessem para produzir uma claustrofobia de dimensões cinemáticas (um sufoco quase Carpenter, se preferirmos). Contribuía para a última a noção de preenchimento de espaço recuperada ao krautrock de primeira vaga (Can, Neu!, Faust) que Martin Feisch – membro de uns Futants que estiveram na origem dos Ike Yard – importou da Alemanha para os concertos da sua banda em território norte-americano. As anomalias – sublinhadas com a integração no catálogo Factory – não se ficavam por aí: a lírica do multi-instrumentista Stuart Arbabright nunca abandonava um enigmático léxico antropológico disperso por páginas arrancadas a um obsessivo diário de bolso. “Kino” (“cinema” em alemão) prova que aos Ike Yard bastava o protótipo de um poema e não a sua forma trabalhada. Dificilmente o público inglês se deixaria convencer por uma voz a enumerar roboticamente uma série de bissílabos (daí que os Ike Yard nunca tivessem encontrado as condição ideais para um segundo álbum que estava prontos a gravar antes de cederem ao colapso). Valia-lhes, pelo menos, a condição industrial (nos antípodas de uns Nine Inch Nails e Ministry) para não serem tomados como completos deslocados numa Manchester com mais chaminés que cigarros acessos.
O apropriadamente esclarecedor 1980-82 Collected serve de cómodo depósito a toda a produção de estúdio (incluindo uma mão cheia de faixas inéditas) que acumularam os Ike Yard durante o curto activo e ainda acrescenta a isso um “20” ao vivo que, por entre obesos graves soterrados e sintetizadores em hélice, servirá apenas avolumar a incógnita que recai sobre a banda. Por sua vez, o inédito “War = Strong” é capaz de frustrar os famintos tal é a quantidade de pistas inconclusivas que revela sobre um dub cósmico cheio de delay sujo. Extraído à mesma sessão e também pela primeira vez em disco, “We Are One” lança as suspeitas de que não viessem a cessar tão abruptamente e podiam os Ike Yard vir a desovar um disco de electro pouco alumiado reanimado a partir de padrões arrítmicos salpicados um pouco ao acaso.
Certamente ciente do carácter experimentalmente cativante que continua a servir de bandeira aos Ike Yard mergulhados num oceânico espectro pós-punk , a Acute Records incumbiu-se de prestar serviço público a arquivistas e aficionados e a reunir numa só rodela aquela que muito provavelmente será das mais interessantes compilações deste ano.
Miguel ArsénioApesar de citado o nome de colectivos lendários como antecedentes dos Ike Yard, não se julgue que o preciosismo - que um quarto de século depois ainda se lhes escuta - parte de uma qualquer apropriação copista do que exportava o Reino Unido à medida que implodia o punk. Antes se descobre por aqui um pós-punk evidentemente atípico, envolto em redoma de vícios privados, tornado muito mais climático que impulsivo por efeito directo do autismo inflectido próprio de quem operava a partir de uma Brooklyn separada por um oceano dos epicentros londrino e mancuniano. Citar a dominância da obscuridade terá a sua lógica se entendermos que os Ike Yard se haviam formado numa Nova Iorque privada de luz solar em algumas porções de solo e que, no início de 80, seria muito mais cinzenta (pintada pelos tons gordurosos de Abel Ferrara) que a Disneyland em que se tornou com a administração de Giuliani. Não ajuda à figura que o nome da banda tenha sido pilhado a uma cena do visionariamente aterrador Laranja Mecânica. O glamour não mora aqui, portanto.
Pese embora o polivalente e elástico negrume que isolava a banda do pós-punk mais “simpático”, os Ike Yard podiam nem ser merecedores de compilações caso não tivessem conhecido o apadrinhamento do guru Tony Wilson que os repescou à pequena label Belga Disques du Crespucule – onde lançaram o EP After Night aqui incluído – e os aglomerou à disfuncional família Factory sob o signo de serem a primeira contratação norte-americana por parte da lendária label. A integração resultou no álbum homónimo de 82, que, qualitativamente, representa apogeu criativo por parte dos Ike Yard e a mais recomendável fatia da colectânea. Já a contextualização musical na Factory desse ano não será tão pacífica por manifesto contraste entre os nova-iorquinos e a prata da casa assegurada pelos New Order ou A Certain Ratio. Quase como se os Ike Yard estivessem clinicamente mortos e inviabilizados de cumprir o padrão vigente da discoteca Hacienda (inaugurada precisamente em 82) e reproduzir réplica que fosse do famoso throb, repetição circular de um ritmo pulsante habitualmente surgido de uma linha de baixo que estimula de imediato. Não haja dúvidas de que a estranheza hermética da representativa “M. Kurtz” deixa bem evidente as diferenças. Fosse espremida toda a melodia que tem para oferecer Ike Yard e tal quantidade não chegaria para confrontar a catchiness de uma qualquer faixa do contemporâneo I’d Like to see You Again dos A Certain Ratio.
Parecia importar muito mais à banda de Stuart Argabright explorar as diferentes afinações da bateria, esgotar as possibilidades das caixas rítmicas e mergulhar num tratamento dos sintetizadores (alguns de enormes proporções) como se deles dependessem para produzir uma claustrofobia de dimensões cinemáticas (um sufoco quase Carpenter, se preferirmos). Contribuía para a última a noção de preenchimento de espaço recuperada ao krautrock de primeira vaga (Can, Neu!, Faust) que Martin Feisch – membro de uns Futants que estiveram na origem dos Ike Yard – importou da Alemanha para os concertos da sua banda em território norte-americano. As anomalias – sublinhadas com a integração no catálogo Factory – não se ficavam por aí: a lírica do multi-instrumentista Stuart Arbabright nunca abandonava um enigmático léxico antropológico disperso por páginas arrancadas a um obsessivo diário de bolso. “Kino” (“cinema” em alemão) prova que aos Ike Yard bastava o protótipo de um poema e não a sua forma trabalhada. Dificilmente o público inglês se deixaria convencer por uma voz a enumerar roboticamente uma série de bissílabos (daí que os Ike Yard nunca tivessem encontrado as condição ideais para um segundo álbum que estava prontos a gravar antes de cederem ao colapso). Valia-lhes, pelo menos, a condição industrial (nos antípodas de uns Nine Inch Nails e Ministry) para não serem tomados como completos deslocados numa Manchester com mais chaminés que cigarros acessos.
O apropriadamente esclarecedor 1980-82 Collected serve de cómodo depósito a toda a produção de estúdio (incluindo uma mão cheia de faixas inéditas) que acumularam os Ike Yard durante o curto activo e ainda acrescenta a isso um “20” ao vivo que, por entre obesos graves soterrados e sintetizadores em hélice, servirá apenas avolumar a incógnita que recai sobre a banda. Por sua vez, o inédito “War = Strong” é capaz de frustrar os famintos tal é a quantidade de pistas inconclusivas que revela sobre um dub cósmico cheio de delay sujo. Extraído à mesma sessão e também pela primeira vez em disco, “We Are One” lança as suspeitas de que não viessem a cessar tão abruptamente e podiam os Ike Yard vir a desovar um disco de electro pouco alumiado reanimado a partir de padrões arrítmicos salpicados um pouco ao acaso.
Certamente ciente do carácter experimentalmente cativante que continua a servir de bandeira aos Ike Yard mergulhados num oceânico espectro pós-punk , a Acute Records incumbiu-se de prestar serviço público a arquivistas e aficionados e a reunir numa só rodela aquela que muito provavelmente será das mais interessantes compilações deste ano.
migarsenio@yahoo.com
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