DISCOS
NEU!
NEU! / NEU! 2 / NEU! 75
· 14 Dez 2005 · 08:00 ·
NEU!
NEU! / NEU! 2 / NEU! 75
1972 / 1973 / 1975 (2005)
Gronland Records / Popstock!
Sítios oficiais:
- Gronland Records
- Popstock!
NEU! / NEU! 2 / NEU! 75
1972 / 1973 / 1975 (2005)
Gronland Records / Popstock!
Sítios oficiais:
- Gronland Records
- Popstock!
NEU!
NEU! / NEU! 2 / NEU! 75
1972 / 1973 / 1975 (2005)
Gronland Records / Popstock!
Sítios oficiais:
- Gronland Records
- Popstock!
NEU! / NEU! 2 / NEU! 75
1972 / 1973 / 1975 (2005)
Gronland Records / Popstock!
Sítios oficiais:
- Gronland Records
- Popstock!
Chamaram-lhe shoegaze porque as bandas tocavam imóveis enquanto fixavam os olhos no chão do palco. Esta é uma das pistas possíveis para redescobrir os NEU! mas não é talvez a mais correcta. Quando se reeditam os três álbuns com que fizeram história (na verdade, são dois mais um, mas já lá vamos), importa situar a formação germânica num conceito-chave: o “motorik”, um tipo de som industrial que soa às engrenagens que fizeram falta nalguma da cinematografia de Chaplin. Assim sendo, e indo um pouco mais à frente na árvore de conceitos, encontramos outro para designar os dissidentes kraftwerkianos: nem mais nem menos que “krautrock”. Mas relativamente a esse terão de repartir louros com uns Faust ou uns Can. O rigor de enquadramento oblige.
A cidade de Düsseldorf pariu-os em 1971, depois de Klaus Dinger e Michael Rother terem abortado nos Kraftwerk. No início do ano seguinte, os NEU! lançavam o disco homónimo de estreia. Gravado com Conrad Plank, produtor com os Can no cabeçalho do currículo, NEU! é a cábula a que se recorre quando o que importa é perceber as matizes do krautrock. Até porque, como veremos adiante, foi o único trabalho gravado em condições ditas “normais”, se descontarmos o facto de ter sido gravado em apenas quatro dias. Lapso de tempo manifestamente curto para apurar estruturas tão complexas quanto as que se declinam, por exemplo, em “Negativland”.
Imaginemos um fio de contas em que cada uma destas se desmultiplica em outras tantas e estas últimas teimam em constituir família. Daí até se decantar de cada tema uma nebulosa de espirais de guitarra, uma percussão maquínica, um baixo descomplexado mas parco nas notas, um sentido de comunidade, nem que seja entre roldanas e parafusos, locomotivas e trovões (um deles até cunhou a expressão “apache beat” para definir o som que faziam no interior da banda) é um pequeníssimo passo e um salto grande na direcção de abrir novos caminhos. Para pôr as coisas numa perspectiva histórica, diríamos, sem grandes achaques, que sem os NEU! nunca os My Bloody Valentine ou os Stereolab teriam existido, ou, a existirem, seriam certamente pouco mais do que interessantes.
Mas ao disco o que é do disco: um Dinger endiabrado a levar a bateria ao céu, a fazer descer sobre as nossas cabeças uma Via Láctea de peles esticadas ao invés de as fazer seguir pela Via Verde. A música é lenta mas tocada a um volume impossível, denso, nada circunstancial, aglomerador de empatias e ouvidos em sangue. É aqui que devem procurar as bases fundadoras desse estilo barroco de tocar alto e devagar. Já o baixo de Rother é da ordem de grandeza de uma rede de pesca para peixe graúdo, em cujos nós ficam suspensas linhas de guitarras que são protagonistas nos sonhos húmidos dos melómanos que nunca calçam o sapato errado. Mas não vejam na pintura pinceladas de virtuosismo desmesurado: só para terem uma ideia, “Hallogallo” é o mesmo acorde de guitarra em distintas variações. Por aqui até parece simples ser-se complexo.
E, no entretanto, enquanto o disco evolui – aqui sem metade da piada da edição original, porque nesta tinha que se mudar de lado –, aquilo que se afere é um estado liquefeito, quase de narratividade, apesar dos drones afoitos, do feedback a rodos e de fades capazes de deixar qualquer produtor mais académico com os nervos à flor da pele. O eco, empilhado em montanhas de outros efeitos, e um toque despudoradamente industrial estão para “Im Glück” como o carimbo de “essencial” está para o resto do disco. Mas isto foi só o princípio do fim.
Em 1973, era NEU! 2 que saía para alemão ver (note-se que, durante o período de carburação da máquina, os sons foram de difícil exportação para lá da Alemanha Ocidental). Com prazos muito difíceis de cumprir e um orçamento dificilmente deduzível em sede de IRS, este segundo tomo conta apenas duas canções acabadas: “Super” e “Neuschnee”. E é isto. Bom, isto mais umas sobras e diferentes velocidades para aqueles temas para encher um disco e fazê-lo seguir para as lojas.
Ou seja, tudo o que seria frontalmente dispensado por músicos sem vocação para o suicídio, todas as imperfeições, as minudências de estúdio – tipo o som da fita de cassete a sucumbir ao traquejo do gravador ou o tradicional ruído de disco riscado – fizeram uma aparição fulgurante num disco que também começou a dar mostras do aflorar de problemas internos. Vale sobretudo pelo “statement” absolutamente contra-sistema que representa, bem mais do que pelos retalhos de experimentação avulsa que seguiram para serem prensados.
Claro que os tais problemas no seio dos NEU! deram em bronca e a bronca deu em reunião, que por sua vez deu em disco – NEU! 75 de 1975 e nova separação. Depois, Rother começou uma carreira a solo, Dinger e Hans Lampe começaram os La Düsseldorf, nova reunião dos NEU! na década de 80 e compasso de espera até ser editado NEU! 4, em 1996. Mas a história que aqui se conta termina ali em cima, em 75. Arrumemo-lo pois em três ou quatro frases porque até é o menos interessante do material reeditado. Despachemos já a faixa alienígena: “Hero” é tão desajustada que mais parece hino punk à Johnny Rotten (e o pior é que acaba com o chilrear de pássaros). “Isi” é New Order para a estrada. O disco fica salvo por “E-Musik”, tema sombrio, sequenciadores no sítio certo, fogo de artifício rítmico, com uma verdadeira noção de perspectiva, espaço e vagas dentro do som. Noves fora, será sempre um prazer ouvir os NEU!, sentir-lhes os ossos e as articulações de novo e reaprender, a cada escuta, a gostar de música. Trinta anos depois. Antes mesmo de muitos de nós termos nascido ou aprendido a gostar da música que interessa.
Hélder GomesA cidade de Düsseldorf pariu-os em 1971, depois de Klaus Dinger e Michael Rother terem abortado nos Kraftwerk. No início do ano seguinte, os NEU! lançavam o disco homónimo de estreia. Gravado com Conrad Plank, produtor com os Can no cabeçalho do currículo, NEU! é a cábula a que se recorre quando o que importa é perceber as matizes do krautrock. Até porque, como veremos adiante, foi o único trabalho gravado em condições ditas “normais”, se descontarmos o facto de ter sido gravado em apenas quatro dias. Lapso de tempo manifestamente curto para apurar estruturas tão complexas quanto as que se declinam, por exemplo, em “Negativland”.
Imaginemos um fio de contas em que cada uma destas se desmultiplica em outras tantas e estas últimas teimam em constituir família. Daí até se decantar de cada tema uma nebulosa de espirais de guitarra, uma percussão maquínica, um baixo descomplexado mas parco nas notas, um sentido de comunidade, nem que seja entre roldanas e parafusos, locomotivas e trovões (um deles até cunhou a expressão “apache beat” para definir o som que faziam no interior da banda) é um pequeníssimo passo e um salto grande na direcção de abrir novos caminhos. Para pôr as coisas numa perspectiva histórica, diríamos, sem grandes achaques, que sem os NEU! nunca os My Bloody Valentine ou os Stereolab teriam existido, ou, a existirem, seriam certamente pouco mais do que interessantes.
Mas ao disco o que é do disco: um Dinger endiabrado a levar a bateria ao céu, a fazer descer sobre as nossas cabeças uma Via Láctea de peles esticadas ao invés de as fazer seguir pela Via Verde. A música é lenta mas tocada a um volume impossível, denso, nada circunstancial, aglomerador de empatias e ouvidos em sangue. É aqui que devem procurar as bases fundadoras desse estilo barroco de tocar alto e devagar. Já o baixo de Rother é da ordem de grandeza de uma rede de pesca para peixe graúdo, em cujos nós ficam suspensas linhas de guitarras que são protagonistas nos sonhos húmidos dos melómanos que nunca calçam o sapato errado. Mas não vejam na pintura pinceladas de virtuosismo desmesurado: só para terem uma ideia, “Hallogallo” é o mesmo acorde de guitarra em distintas variações. Por aqui até parece simples ser-se complexo.
E, no entretanto, enquanto o disco evolui – aqui sem metade da piada da edição original, porque nesta tinha que se mudar de lado –, aquilo que se afere é um estado liquefeito, quase de narratividade, apesar dos drones afoitos, do feedback a rodos e de fades capazes de deixar qualquer produtor mais académico com os nervos à flor da pele. O eco, empilhado em montanhas de outros efeitos, e um toque despudoradamente industrial estão para “Im Glück” como o carimbo de “essencial” está para o resto do disco. Mas isto foi só o princípio do fim.
Em 1973, era NEU! 2 que saía para alemão ver (note-se que, durante o período de carburação da máquina, os sons foram de difícil exportação para lá da Alemanha Ocidental). Com prazos muito difíceis de cumprir e um orçamento dificilmente deduzível em sede de IRS, este segundo tomo conta apenas duas canções acabadas: “Super” e “Neuschnee”. E é isto. Bom, isto mais umas sobras e diferentes velocidades para aqueles temas para encher um disco e fazê-lo seguir para as lojas.
Ou seja, tudo o que seria frontalmente dispensado por músicos sem vocação para o suicídio, todas as imperfeições, as minudências de estúdio – tipo o som da fita de cassete a sucumbir ao traquejo do gravador ou o tradicional ruído de disco riscado – fizeram uma aparição fulgurante num disco que também começou a dar mostras do aflorar de problemas internos. Vale sobretudo pelo “statement” absolutamente contra-sistema que representa, bem mais do que pelos retalhos de experimentação avulsa que seguiram para serem prensados.
Claro que os tais problemas no seio dos NEU! deram em bronca e a bronca deu em reunião, que por sua vez deu em disco – NEU! 75 de 1975 e nova separação. Depois, Rother começou uma carreira a solo, Dinger e Hans Lampe começaram os La Düsseldorf, nova reunião dos NEU! na década de 80 e compasso de espera até ser editado NEU! 4, em 1996. Mas a história que aqui se conta termina ali em cima, em 75. Arrumemo-lo pois em três ou quatro frases porque até é o menos interessante do material reeditado. Despachemos já a faixa alienígena: “Hero” é tão desajustada que mais parece hino punk à Johnny Rotten (e o pior é que acaba com o chilrear de pássaros). “Isi” é New Order para a estrada. O disco fica salvo por “E-Musik”, tema sombrio, sequenciadores no sítio certo, fogo de artifício rítmico, com uma verdadeira noção de perspectiva, espaço e vagas dentro do som. Noves fora, será sempre um prazer ouvir os NEU!, sentir-lhes os ossos e as articulações de novo e reaprender, a cada escuta, a gostar de música. Trinta anos depois. Antes mesmo de muitos de nós termos nascido ou aprendido a gostar da música que interessa.
hefgomes@gmail.com
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