DISCOS
Sage Francis
A Healthy Distrust
· 05 Mai 2005 · 08:00 ·
Sage Francis
A Healthy Distrust
2005
Epitaph
Sítios oficiais:
- Sage Francis
- Epitaph
A Healthy Distrust
2005
Epitaph
Sítios oficiais:
- Sage Francis
- Epitaph
Sage Francis
A Healthy Distrust
2005
Epitaph
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- Sage Francis
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A Healthy Distrust
2005
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- Sage Francis
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As pessoas tendem a distorcer a História para enfatizar as razões dos seus propósitos. Mas só a ingenuidade ou a casmurrice permitem que se continue a cultivar a imagem romântica de Che Guevara como o doce revolucionário. Numa altura em que se prepara uma série de filmes sobre a sua vida, depois dos Diários, era interessante não perder de vista a responsabilidade (e particular gozo, acusam alguns) que el comandante teve no assassínio de pessoas inocentes. Será desta que se faz alguma justiça à memória dos civis anónimos que morreram por ordem expressa do Che? É que já era tempo.
Posto isto, a política sempre andou nas bocas do mundo e necessariamente na música, expressão sublime do pensar e sentir humanos. Das rodelas de vinyl dos Public Enemy a todas as cabeças que fazem música com mensagem capaz de ir além do estafado código de engate que pouco mais visa do que saltar para a cueca da miúda mais gira da pista de dança, à diáspora ritmada da menina M.I.A., filha de um revolucionário / terrorista do Sri Lanka, a esfera pública absorve ensinamentos primários do que é a política e do que são os ideais, proferidos por músicos nem sempre intelectualmente honestos.
Há ilhas de pensamento, de atitudes, de saber estar na vida e na política, seja qual for a sua expressão. Cada vez mais assediada pelas lógicas mercantilistas, a Anticon foi quem primeiro deu voz activa ao miúdo objecto desta resenha. Não pensávamos que, da noite para o dia, assinasse pela Epitaph e se tornasse grande. Foi o que aconteceu. Bom, mais ou menos. Sage Francis não tem a fama nem o proveito de uns Beastie Boys, e é até mais sério do que eles, no sentido em que se diverte menos. Mas as suas rimas são tão ou mais certeiras, agora com um megafone apontado às cordas vocais.
É assim com “The Buzz Kill”, o prólogo, a declaração de intenções, a arma obsoleta de protesto, o clarim da revolta, é tudo numa canção, leia-se petardo, que dispara em todos os sentidos. Francis enche a alma de lama e junta-lhe uma ventoinha. O resultado é esse que se ouve, uma mensagem escalonada de revoltazinha juvenil, atravessada por interlúdios em jeito de anúncios à população, naquele registo delicioso do cheap radio. Perfeito.
Depois é a jóia da coroa: uma colaboração descarnada, pouco habitual, inesperada até porque o outro, o convidado, é republicano num país demasiadamente bipolarizado, e por isso alheado da raiz neoliberal em que se radica o pensamento de Sage Francis, pelo menos aquele que mostra em disco e que sempre encontrou réplica nos intelectuais da Bay Area de São Francisco. Mas Will Oldham é também um dos melhores crooners da actualidade e o seu registo desolado, de menino chorão, bonito, bonito, é obliterado pelo vínculo abrasivo da cortina rap de Francis. O disco valia bem o seu dinheiro só por isto.
Mas claro, há outras coisas a assinalar. Há os temas da obsessão por armas, do rapper homofóbico que em “Gunz Yo” se exploram como quem esgravata terra com as unhas, a sageza crítica salpicada de requintes anticapitalistas de “Product Placement” e o cepticismo de que a luta desarmada alguma vez vingue (“Slow Down Gandhi”). Em tudo isto Francis lança perspectiva, nunca se convertendo em pregador catalítico de massas. Tem nervo de aço e pinta de leftista mas não deve ter paciência para o seguidismo. Por isso, gosta mais de falar em metáfora, de encarnar o vilão e dar a conhecer o que os olhos dele devolvem. É preciso ter as ideias no sítio para se fazer escola, é preciso ler jornais e livros para não soar como um papagaio de propaganda. Ele sabe isso. Como o não ignora Sixtoo, um dos músicos mais refrescantes da colheita de hip hop experimental do ano passado, e que aparece aqui a dar uma mãozinha em “Crumble”.
Mas A Healthy Distrust não seria o mesmo se não incluísse a mensagem-tributo a Johnny Cash. “Jah Didn’t Kill Johnny” fecha o álbum a prestar reverência a uma das figuras mais queridas do cancioneiro marginal da América. E também aqui Sage Francis sabe dar a volta ao texto e não se debulha em lamentos inconsequentes. Ele já é um menino grande e rappa com uma tal destreza que vai despachando a eito alguns dos dogmas mais resistentes do hip hop. Bem-haja por isso também. E, pelo menos aqui, não há sublimações apressadas de heróis com sangue nas mãos.
Hélder GomesPosto isto, a política sempre andou nas bocas do mundo e necessariamente na música, expressão sublime do pensar e sentir humanos. Das rodelas de vinyl dos Public Enemy a todas as cabeças que fazem música com mensagem capaz de ir além do estafado código de engate que pouco mais visa do que saltar para a cueca da miúda mais gira da pista de dança, à diáspora ritmada da menina M.I.A., filha de um revolucionário / terrorista do Sri Lanka, a esfera pública absorve ensinamentos primários do que é a política e do que são os ideais, proferidos por músicos nem sempre intelectualmente honestos.
Há ilhas de pensamento, de atitudes, de saber estar na vida e na política, seja qual for a sua expressão. Cada vez mais assediada pelas lógicas mercantilistas, a Anticon foi quem primeiro deu voz activa ao miúdo objecto desta resenha. Não pensávamos que, da noite para o dia, assinasse pela Epitaph e se tornasse grande. Foi o que aconteceu. Bom, mais ou menos. Sage Francis não tem a fama nem o proveito de uns Beastie Boys, e é até mais sério do que eles, no sentido em que se diverte menos. Mas as suas rimas são tão ou mais certeiras, agora com um megafone apontado às cordas vocais.
É assim com “The Buzz Kill”, o prólogo, a declaração de intenções, a arma obsoleta de protesto, o clarim da revolta, é tudo numa canção, leia-se petardo, que dispara em todos os sentidos. Francis enche a alma de lama e junta-lhe uma ventoinha. O resultado é esse que se ouve, uma mensagem escalonada de revoltazinha juvenil, atravessada por interlúdios em jeito de anúncios à população, naquele registo delicioso do cheap radio. Perfeito.
Depois é a jóia da coroa: uma colaboração descarnada, pouco habitual, inesperada até porque o outro, o convidado, é republicano num país demasiadamente bipolarizado, e por isso alheado da raiz neoliberal em que se radica o pensamento de Sage Francis, pelo menos aquele que mostra em disco e que sempre encontrou réplica nos intelectuais da Bay Area de São Francisco. Mas Will Oldham é também um dos melhores crooners da actualidade e o seu registo desolado, de menino chorão, bonito, bonito, é obliterado pelo vínculo abrasivo da cortina rap de Francis. O disco valia bem o seu dinheiro só por isto.
Mas claro, há outras coisas a assinalar. Há os temas da obsessão por armas, do rapper homofóbico que em “Gunz Yo” se exploram como quem esgravata terra com as unhas, a sageza crítica salpicada de requintes anticapitalistas de “Product Placement” e o cepticismo de que a luta desarmada alguma vez vingue (“Slow Down Gandhi”). Em tudo isto Francis lança perspectiva, nunca se convertendo em pregador catalítico de massas. Tem nervo de aço e pinta de leftista mas não deve ter paciência para o seguidismo. Por isso, gosta mais de falar em metáfora, de encarnar o vilão e dar a conhecer o que os olhos dele devolvem. É preciso ter as ideias no sítio para se fazer escola, é preciso ler jornais e livros para não soar como um papagaio de propaganda. Ele sabe isso. Como o não ignora Sixtoo, um dos músicos mais refrescantes da colheita de hip hop experimental do ano passado, e que aparece aqui a dar uma mãozinha em “Crumble”.
Mas A Healthy Distrust não seria o mesmo se não incluísse a mensagem-tributo a Johnny Cash. “Jah Didn’t Kill Johnny” fecha o álbum a prestar reverência a uma das figuras mais queridas do cancioneiro marginal da América. E também aqui Sage Francis sabe dar a volta ao texto e não se debulha em lamentos inconsequentes. Ele já é um menino grande e rappa com uma tal destreza que vai despachando a eito alguns dos dogmas mais resistentes do hip hop. Bem-haja por isso também. E, pelo menos aqui, não há sublimações apressadas de heróis com sangue nas mãos.
hefgomes@gmail.com
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