DISCOS
Gala Drop & Ben Chasny
Broda
· 18 Abr 2012 · 15:14 ·
Gala Drop & Ben Chasny
Broda
2012
Gala Drop Records
Gala Drop & Ben Chasny
Broda
2012
Gala Drop Records
Manos.
Sem querer de modo algum estancar o arco evolutivo traçado no gráfico desta resenha ao disco pelo enorme Miguel Arsénio, é seguro afirmar que a edição de Gala Drop em 2008 cristalizava já uma imagem perfeitamente delineada da banda lisboeta. Sem nada de tentativo ou vestigial, a estreia dos Gala Drop apresentava já uma coesão inabalável com consciência colectiva de que algo novo nascia ali, sem truncar quaisquer premissas e com todo um espectro gigantesco de possibilidades deixado em aberto para a boa aventurança – visão formal nas entradas (primeiro) do Guilherme Gonçalves e (mais recentemente) do Jerry The Cat. A chegada desse primeiro, trouxe as guitarras para toda a hotness de Overcoat Heat. Broda deixa-se inundar pelas seis cordas por um dos magos (termo algo parvo mas que se lhe cola de modo bastante adequado) do instrumento : Ben Chasny.

Aparentemente inusitada, esta colaboração dos Gala Drop com o mentor de Six Organs of Admittance (mas também vértice electrizante nos Comets on Fire ou arauto do drone rural nos Badgelore) perpetua esse contínuo desviante. Uma saudável noção de risco que, neste caso, até partiu por sugestão do próprio Chasny, no reconhecimento das capacidades da banda de recolher no seu seio matéria (tendencialmente) alienígena para fazer dela um elemento crucial de comunhão. Aquilo que todas as jam bands deveriam ser, uma vez que perpassa por Broda um enorme regozijo deambulatório no entrelaçar de mundos distantes. Coisa que os Gala Drop sempre fizeram sem “ajudas” externas, e para o qual Chasny demonstra uma aptidão quase sensorial.

A sensibilidade que impede Broda de resvalar – pegando na equação como dois pratos de uma balança – ora para um ruminanço rock em torno do solo infinito, ora para um regime de batucada meta-frique. Muito pontualmente, há um certo deslumbramento autista em torno da caminhada, mas encontrados os pontos de contacto persiste um sentido de direcção que conjura todos os elementos num panteão volátil de onda suprema com a cabeça no lugar certo. Ocupando todo o lado A deste vinil, “Positano” é esta última hipótese naquilo que tem de mais magnânimo : a cadência dub da caixa de ritmos a enredar-se numa guitarra quase-romântica sobre um néon enevoado de sintetizador, calcorreando esse miasma tangível com a chegada da bateria possante, mas flexível do Afonso Simões, antes do breakdown. Aí o espaço desemboca num riff gingão que se desenrola num solo bem fuzzy antes da imensidão percutiva assumir as rédeas. Vindos de todo o lado, os ecos ditam que space is the place mesmo com os pés na terra.

“Broda” pega no factor dançável dessa segunda parte, e faz-me imaginar como terão sido as sessões de improviso que levaram a Remain in Light, com as amarras do groove a deixarem que a coisa acabe por se confinar um pouco a essa dimensão auto-celebratória : in loco é algo com direito a ser banger, mas por aqui, aquela melodia central e a profusão de solos não fazem o pleno. “Brain” fecha o 12” numa fricção entre a tensão dos sintetizadores e a libertação das guitarras – há para ali uma melodia fantasma, com algo do Peter Green circa In the Skies em versão tropical, que nunca assume a dianteira mas conduz em segredo – com o pulsar do baixo a deixar os alicerces que abrem as portas para o devaneio focado. Contínuo sideral com espírito kraut, mas corpo de pleno direito.

E assim, sem forçar um embate formal ou uma condescendência simpática, este encontro fortuito volta a confirmar as capacidades mutantes dos Gala Drop, sem reinventar uma roda através da obstinação. Transveste-se como o ser da capa – ainda não sei o que achar de uma escolha tão absurda – mantendo as suas marcas identitárias. Ainda assim, e tendo já provas anteriores disso, o risco assumido em Broda é prova cabal.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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