DISCOS
Curtis Vodka / Unknown
Untitled
· 02 Fev 2012 · 15:12 ·
Curtis Vodka / Unknown
Untitled
2012
Coral Records Internazionale


Sítios oficiais:
- Coral Records Internazionale
Curtis Vodka / Unknown
Untitled
2012
Coral Records Internazionale


Sítios oficiais:
- Coral Records Internazionale
Seapunk ou um regresso aos dias de glória do jungle com o oceano em fundo.
Se, em tempos mais idos a cunhagem de um género parecia responsabilidade quase exclusiva de um ou outro luminário da crítica musical – agradeça-se ao Simon Reynolds o post-rock ou o neurofunk – numa tentativa de encontrar um denominador comum a uma partilha de referências, a mitologia Web 2.0 faz com que essa tarefa seja hoje disseminada rapidamente com direitos de autor cada vez mais dispersos. Assim recentemente, basta pensar em coisas como a witch house ou o chillwave, que nascidas no seio de três ou quatro nomes passaram a ser bandeira para todo um arsenal de incompetência. Supostamente cunhado por uma persona com o nome brilhante de Lil Internet, o seapunk é mais um desses termos mais ou menos ridículos que, neste caso, mais do um género musical é um estilo de vida.

Considerando tudo o que diz respeito à vida aquática, o seapunk caracteriza-se por um imaginário que coloca a humanidade em cenários marítimos, usando referências a filmes como o Waterworld e ao jogo Ecco the Dolphin e adoptando uma indumentária constituída por camisas havaianas, colares de conchas e cabelo azul-marinho. As conversas andam em torno de preocupações ambientais, estados de espíritos elevados e demais ideologia new age que tenha o Oceano como fim último. Friques num novo patamar de organização? Provavelmente um embuste de pouca duração, mas ninguém leva os góticos muito a sério e eles perpetuam-se.

Musicalmente, tudo converge na Coral Records, criada por um dos impulsionadores do movimento, de nome Fire For Effect. Com uma primeira edição intitulada Seapunk, Volume 1 que compila alguns dos nomes associados ao “género” (não consigo levar a coisa a sério para evitar as aspas) a deixar demarcados os pressupostos musicais : música electrónica, tendencialmente dançável e com influência maior vinda do período 92/95, que tanto pode lembrar o Richard D. James do Analog Bubblebath, o lado mais ambiental da rave de uns Orb ou o sampling da feminine pressure. Tudo sem grandes concepções estílisticas e permeado por um lado sonhador/psicadélico pontuado por sons aquáticos, golfinhos, e investidas 8-bit.

Tendo em conta o continuum traçado, faz todo o sentido que esta quinta edição da editora de Los Angeles seja um disco de jungle. No seu estado mais ambiental e cerebral, havia já a tendência oceânica do LTJ Bukem epitomizada em “Atlantis” e “Music”, além de malhas como “Paradise” do Dj Crystl ou “Open Your Mind” de Foul Play. Com este split de Curtis Vodka e Unknown, estamos portanto, no domínio do throwback ao ano de 1994 - quando o jungle deixou o seu lado mais agressivo e soturno – filtrado pela sensibilidade do produtor de quarto nascido na era do Tumblr. Nada de muito original, ou particularmente inventivo, mas feito com o carinho e o respeito indispensáveis para não ser melindroso.

“Luv N U” de Curtis Vodka deixa desde logo vincada essa ideia, com vozes de hélio a orientar a batida sobre pads de teclado, antes da aparição de um baixo em media-res. Como está patente no seu título, “XTC NRG” evoca um lado mais físico, com o amen break tomar a dianteira sobre uma voz que vai repetindo ”esctasy” até à exaustão. Mais interessante, “Blacked Out” dá dois passos atrás até ao hardcore, e vai-lhe buscar o sintetizador trance para o submergir num ambiente mais desolador. A fechar o lado de Curtis Vodka, “Here is Where U Wanna B” sampla “Me & U” da Cassie num ambiente amniótico com direito a time stretch.

Apresentando argumentos mais válidos, Unknown começa logo com a melhor malha do split. “Tru Luv” está algures entre as melodias labirínticas de “Find Yourself” do Jamie Myerson e a desorientação de “R-Type” da Jo, com as vozes de pitch acelerado a trazerem uma sensualidade surpreendente. Uma faceta mais humana, que tem em “Put U On” a sua expressão máxima, com a batida crispada a ir de encontro a “Real Love” da Mary J. Blige num ponto que a coloca exactamente na passagem do jungle para o 2-step, mas ignorando o ritmo deste último. “NRG” regressa ao old school numa toada bem mais eufórica, com a pianola exultante e o crescendo rítmico a desembocarem num sintetizador agreste, na onda de “Dark Angel” de Nasty Habits em versão esperançosa.

Se não deixa de ser criticável o facto de não existir aqui grande novidade, não podemos deixar pensar em todo o revisionismo garage, punk como exemplo de algo aceite sem grandes conceptualizações geracionais. Mesmo no domínio da electrónica, o legado da rave tem sido recolhido por parte de muita da electrónica britânica. Para não falar no rehash da new age ou da hipster house da 100% Silk. Pelo menos, neste caso, a descendência tem sido encontrada a conta gotas. E sempre constitui uma alternativa prazenteira a todas as pessoas com o bom senso de ignorar o drum & bass dos últimos anos, sem a necessidade de regressar continuamente aos clássicos da Moving Shadow e da Metalheadz. Efémero, muito provavelmente, mas isso é uma norma nos dias de hoje.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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