DISCOS
Aquaparque
Pintura Moderna
· 15 Mar 2011 · 21:08 ·
Aquaparque
Pintura Moderna
2011
Mbari / Aquaboogie


Sítios oficiais:
- Aquaparque
- Mbari
- Aquaboogie
Aquaparque
Pintura Moderna
2011
Mbari / Aquaboogie


Sítios oficiais:
- Aquaparque
- Mbari
- Aquaboogie
Pop até debaixo d´água.
Na pop destes últimos anos tem-se assistido a uma certa obsessão em reciclar as memórias de tempos idos e (pelo menos tentar) torná-las num objecto novo, único, que reflectisse não só as aventuras musicais semi-esquecidas dessas eras, mas que também fizesse delas um monumento para o futuro, um testemunho de que algo ou alguém ali esteve, viveu aqueles momentos. Não é um fenómeno novo, e podemos argumentar, extremar inclusive, que toda a música pop alguma vez produzida é uma reciclagem de ideias antigas; não é um fenómeno sequer confinado à música, é algo intrínseco à natureza humana, o olhar para trás com nostalgia.

O ponto de partida para a maior parte das recentes deambulações têm sido os anos oitenta, como o atestam a consagração de Ariel Pink enquanto força motriz de toda essa lembrança ou a popularidade entre o meio alternativo/independente do "movimento" chillwave. Por cá, por sermos portugueses e, por conseguinte, sentirmos um especial apreço pela intraduzível saudade, essas memórias têm vindo à tona de uma forma ou de outra, através das mãos de uma geração pós-25 de Abril que teve a oportunidade de crescer em tempos áureos como os da abertura do país às ideias que vinham de fora - também conhecido como a explosão do rock em português - que gerou não só artistas reinterpretando velhas guardas mas também aqueles que se atreveram a ir além de uma simples apropriação. Nomes óbvios, que se citam para criar um ponto de contacto entre estes e o que fazem hoje Pedro Magina e André Abel: Variações, GNR, Ocaso Épico, João Peste, o Sonho Azul de Né Ladeiras. Tudo nomes perfeitamente válidos de se aglutinarem na qualquer musa inspiradora/nostálgica que faça mover o duo portuense; nostalgia que começa no nome e que remete, pela via da tragédia que todos conhecemos, para o fim da inocência que se lhe seguiu.

Inocência essa revisitada não só na sonoridade do duo, como já referido, mas através da mais simples das técnicas utilizadas - a do corte e cola - fazendo de Pintura Moderna, como aliás já tinha feito de É Isso Aí, de 2009, um gigantesco manifesto da genialidade da pop esquecida de outrora, mas mais do boom criativo a que se assiste no presente. Um caldeirão onde melodias e pedaços de canção transitam entre si numa mesma faixa de forma absolutamente irrepreensível, quase que como numa mixtape, como em "Castiço O Teu Nudismo", que passa de um registo mais contemplativo para uma malha de boogie aquático, ou não fosse esse o nome da editora. De facto, quem melhor do que os próprios Aquaparque para descrever o seu estilo?

Só que a essência que faz da música do duo algo tão cativante não é apenas a colagem; são as melodias que a acompanham, especialmente as dedilhadas por André Abel nas suas guitarras, que se aliam de forma perfeita à vertente electrónica e conferem à sua música um verdadeiro cariz nacional. Porque música com tal onda mediterrânica, acreditamos, e longe de nacionalismos bacocos e/ou esquizofrénicos, só poderia ter sido feita por cá. Estranhamos então ver os Aquaparque longe das spotlights que se apontam a outras tantas bandas do circuito nacional, com maior ou menor motivo para serem empoladas.

Com temas como a deliciosamente sexy "Para Além Do Bronze", "Sábado à Tarde" ou a maníaca "Tomar Conta De Mim", para além das letras que contém tanto de estranho como de hilário e de genial (a faixa escondida em "Emblema" é disto exemplo) os Aquaparque vão navegando tranquilamente por um rio de criatividade que tanta falta faz à pop. E não só à nossa. Pouco importa (nada mesmo) que a caravela tenha traços de, como já nos dizia James Murphy, borrowed nostalgia for the unremembered eighties; da maneira como o duo se entrega à criação do seu objecto musical, mais não podemos fazer que garantir que não serão esquecidos, não num tempo próximo. Para já, são das melhores coisas que nos podiam ter acontecido.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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