Na pop destes últimos anos tem-se assistido a uma certa obsessão em reciclar as memórias de tempos idos e (pelo menos tentar) torná-las num objecto novo, único, que reflectisse não só as aventuras musicais semi-esquecidas dessas eras, mas que também fizesse delas um monumento para o futuro, um testemunho de que algo ou alguém ali esteve, viveu aqueles momentos. Não é um fenómeno novo, e podemos argumentar, extremar inclusive, que toda a música pop alguma vez produzida é uma reciclagem de ideias antigas; não é um fenómeno sequer confinado à música, é algo intrínseco à natureza humana, o olhar para trás com nostalgia.
O ponto de partida para a maior parte das recentes deambulações têm sido os anos oitenta, como o atestam a consagração de Ariel Pink enquanto força motriz de toda essa lembrança ou a popularidade entre o meio alternativo/independente do "movimento" chillwave. Por cá, por sermos portugueses e, por conseguinte, sentirmos um especial apreço pela intraduzível saudade, essas memórias têm vindo à tona de uma forma ou de outra, através das mãos de uma geração pós-25 de Abril que teve a oportunidade de crescer em tempos áureos como os da abertura do país às ideias que vinham de fora - também conhecido como a explosão do rock em português - que gerou não só artistas reinterpretando velhas guardas mas também aqueles que se atreveram a ir além de uma simples apropriação. Nomes óbvios, que se citam para criar um ponto de contacto entre estes e o que fazem hoje Pedro Magina e André Abel: Variações, GNR, Ocaso Épico, João Peste, o Sonho Azul de Né Ladeiras. Tudo nomes perfeitamente válidos de se aglutinarem na qualquer musa inspiradora/nostálgica que faça mover o duo portuense; nostalgia que começa no nome e que remete, pela via da tragédia que todos conhecemos, para o fim da inocência que se lhe seguiu.
Inocência essa revisitada não só na sonoridade do duo, como já referido, mas através da mais simples das técnicas utilizadas - a do corte e cola - fazendo de Pintura Moderna, como aliás já tinha feito de É Isso Aí, de 2009, um gigantesco manifesto da genialidade da pop esquecida de outrora, mas mais do boom criativo a que se assiste no presente. Um caldeirão onde melodias e pedaços de canção transitam entre si numa mesma faixa de forma absolutamente irrepreensível, quase que como numa mixtape, como em "Castiço O Teu Nudismo", que passa de um registo mais contemplativo para uma malha de boogie aquático, ou não fosse esse o nome da editora. De facto, quem melhor do que os próprios Aquaparque para descrever o seu estilo?
Só que a essência que faz da música do duo algo tão cativante não é apenas a colagem; são as melodias que a acompanham, especialmente as dedilhadas por André Abel nas suas guitarras, que se aliam de forma perfeita à vertente electrónica e conferem à sua música um verdadeiro cariz nacional. Porque música com tal onda mediterrânica, acreditamos, e longe de nacionalismos bacocos e/ou esquizofrénicos, só poderia ter sido feita por cá. Estranhamos então ver os Aquaparque longe das spotlights que se apontam a outras tantas bandas do circuito nacional, com maior ou menor motivo para serem empoladas.
Com temas como a deliciosamente sexy "Para Além Do Bronze", "Sábado à Tarde" ou a maníaca "Tomar Conta De Mim", para além das letras que contém tanto de estranho como de hilário e de genial (a faixa escondida em "Emblema" é disto exemplo) os Aquaparque vão navegando tranquilamente por um rio de criatividade que tanta falta faz à pop. E não só à nossa. Pouco importa (nada mesmo) que a caravela tenha traços de, como já nos dizia James Murphy, borrowed nostalgia for the unremembered eighties; da maneira como o duo se entrega à criação do seu objecto musical, mais não podemos fazer que garantir que não serão esquecidos, não num tempo próximo. Para já, são das melhores coisas que nos podiam ter acontecido.