DISCOS
Beirut
The Flying Club Cup
· 15 Out 2007 · 08:00 ·
Beirut
The Flying Club Cup
2007
4AD / Popstock!


Sítios oficiais:
- Beirut
- 4AD
- Popstock!
Beirut
The Flying Club Cup
2007
4AD / Popstock!


Sítios oficiais:
- Beirut
- 4AD
- Popstock!
O multicultural prodígio Zach Condon progride nas canções de gala que destacaram Beirut recuando até uma romântica nostalgia parisiense de início de século XX.
Muito foi o burburinho lisonjeador gerado em torno da forma prodigiosa como Zach Condon se revelou, à sua própria maneira, um escritor de canções com arcaboiço para, logo no primeiro disco a seu cargo (The Gulag Orkestar), conseguir encapsular a experiência musical adquirida numa viagem pela Europa, com paragem demorada nos Balcãs onde recebeu espontaneamente formação musical que dificilmente exercitaria com tanta autenticidade se a tivesse adquirido na pátria natal dos Estados Unidos. A partir daí, distendeu-se o fenómeno de alguém que se encarregara de tamanha façanha com apenas 19 anos, acrescentou-se algum misticismo a esse habitante de Albuquerque (E.U.A.) e a corda – conforme ameaçava - estalou com um esgotamento provocado pelas exigências da intensiva digressão focada em The Gulag Orkestar. Mesmo assim, fiquem descansados os reincidentes, porque esta introdução será desnecessária a partir do terceiro disco de Beirut.

Com um segundo disco, The Flying Club Cup, vagamente inspirado por uma corrida de balões de ar ocorrida na Paris do início do século XX, Zach Condon reforça a noção de que a sua inspiração é determinante para o sucesso da “orquestra” que conduz, alastra ao órgão a magia que já o destacava nos instrumentos de sopro, repete a mesma eloquência do primeiro disco, encaminha para um ponto mais barroco a boémia absorvida a noites em branco na companhia de instrumentistas dos Balcãs, solidifica a capacidade de trabalhar um disco a partir de uma linha conceptual (altamente presente no artwork do disco).

Desta vez, o aproveitamento passará mais por um sentimento de impulsividade recuperado às regiões Balcãs do que pela reincidência na sua linguagem musical. Impulsividade que, ao som de Kusturica e da sua No Smoking Orchestra, quase impele alguém perfeitamente normal a pegar de uma pistola e disparar tiros para o ar, enquanto que, sob o efeito de Beirut, encoraja a viver uma paixão proibida que pode colocar em pé de guerra duas famílias ou destabilizar a organização da tal corrida de balões. Beirut volta a apontar a capacidade de mover que têm os seus arranjos pomposos a um propósito que mais não é do que um tónico para quem ande em ânsias de viver uma paixão proibida, uma relação camuflada pelas oliveiras de um cenário siciliano ou abalada pelo cerrado bombardeamento de Beirute (eis novo sentido para o nome adoptado por Condon). À medida que arrasta a sua graça por um caminho nem sempre estável, The Flying Club Cup vai provando que a paixão também floresce na adversidade.

Dito dessa forma quase parece utopia, mas existem indícios concretos de que a fórmula musical de The Flying Club Cup firma a seguinte ideia: é global o desconcerto que se apodera do coração enquanto este recupera e perde confiança à medida que as circunstâncias lançam os dados. Logo à partida, repare-se em como a campanha promocional do disco aponta para o amor como um azar que paira por toda a parte: Zach Condon e os instrumentos da sua predilecção são filmados a uma diversidade de espaços – mais ou menos prováveis – de Paris e Nova Iorque a tocar as músicas que formam este segundo disco. A moral da comédia romântica medíocre Poderia acontecer-te conhece assim um uso mais digno e eficaz. Embora evidencie notável precisão nos arranjos conjugados (nessa função, Owen Pallet, o sr.Final Fantasy, abrilhanta a quase valsa “A Sunday Smile”), The Flying Club Cup parece também afectado pelo magnetismo lunar – esse que, no mínimo, une olhares - e pelo que dita a lotaria de alguns factores incertos. Talvez por isso seja derramado com aparato – especialmente em “Guyamas Sonora” - o perfume nostálgico que procura alquimicamente a orquestra Beirut durante todo o disco. Talvez se deva a alguma instabilidade própria das emoções ao rubro o facto de The Flying Club Cup percorrer em romaria descomplexada o registo de interlúdio, canções de corpo inteiro e outros momentos menos descritíveis em que a alma ultrapassa a forma.

Se o peso a ditar o desnível acentuado da balança for o do comportamento social que inspira cada um dos seguintes nomes, então é fatal constatar a etiqueta e elegância de Beirut como contraponto directo do deboche eufórico que fez dos Gogol Bordello uma das sensações (Manuel Cajuda rejeitaria o termo) dos festivais do anterior Verão. Retomando ao “amor” como tema em que tabela cada um destes parágrafos, dir-se-ia que o “punk cigano” dos Bordello inspira a um canibalismo de gratificação esporádica, enquanto que Beirut apresenta todos os argumentos para que alguém se decida a equacionar a eternidade para prolongar uma relação ainda em brasa. Essa resistência sente-se a um The Flying Club Cup que não deixa de fazer brilhar os postais de cores esbatidas que alguém armazenou numa caixa de latão posteriormente oculta no interior do carvalho sobre o qual alguém fez amor pela primeira vez. Os detractores podem mesmo vir a aproveitar em inglês o título do disco e transformá-lo em The Flying Fuck Cup, usando-o como slogan de cepticismo e desprezo. Mas, afinal, que sabem os difamadores acerca de um amor tão declarado como o de Beirut?
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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