© Pedro Lopes |
Sérgio Godinho
Pano-crú
1978
Era 1978. Volvidos três anos da ditadura e com dois álbuns editados desde então, Sérgio Godinho era já uma figura incontornável da música portuguesa. Mas talvez por se ter colado antes à s artes que à polÃtica, a sua obra nunca foi absolutamente intervencionista, como acabaria por suceder no caso de Zeca Afonso. Em Pano-crú encontramos de tudo um pouco. “O galo come faisão/a galinha é quem o assa/e o pobre do pinto passa/passa uma fome de cão/e o galo come faisão†é uma das estrofes de “O galo é o dono dos ovosâ€, tema revisitado em O Irmão do Meio (2003) e uma das mais sublimes alegorias polÃticas deste músico do Porto. Já “2º andar, direitoâ€, mostra que há uma veia lamechas em Sérgio Godinho, cantor, actor e poeta que assenta a sua música nos poemas que escreve – peço a atenção para os mestres da métrica: o método pelo qual consegue encaixar toda a letra na canção, sem desaires. Há, geralmente, dois tipos de compositores nestes moldes: os que desenvolvem uma linha musical a priori e só depois sobrepõem a letra e os que, como Sérgio Godinho, partem das palavras para os sons. E fá-lo como poucos. Basta dizer que Pano-crú inclui “O primeiro diaâ€, uma das melhores canções de Sérgio Godinho. Desde então, o refrão da música começou também a ser utilizado várias vezes como o refrão da nossa própria vida: o primeiro emprego, primeira mulher, primeiro filho. O primeiro dia do resto da nossa vida. Génio, genialidade, verdade, como que sugeridos por Sérgio Godinho. Pano-crú até pode nem ser o melhor disco do cantor. Mas, como a primeira música do álbum sugere, “a vida é feita de pequenos nadasâ€, não é assim?
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