© Marcelo Melo |
O homónimo disco de estreia dos norte-americanos Spirit é um dos maiores legados de toda a euforia psicadélica de finais de 60 na Califórnia. Naquela altura, era talvez o lugar no mundo com mais bandas por km2 e como é óbvio, a maior parte delas fazia mais do mesmo, o que, com o tempo, tornou a sua herança sonora algo datada. Mas isso não acontece com a banda de Randy California, Cassidy, Locke, Andes e Ferguson. Porque o seu som, apesar de muito “sixties”, mistura rock com jazz, blues, folk, clássica, étnica, caldeirada rara na altura que acrescenta algo de eterno a esta música. Talvez o primeiro “Art rock” da história.
Spirit é acima de tudo o espírito de estar à frente do seu tempo, quer na música, quer nos temas. Fala-se já de ecologia no maravilhoso “Fresh Garbage”; da frieza do futuro em “Mechanical World”, tema que antecipa os dias em que vivemos. Ambos os temas demonstram o talento, do aqui ainda “teenager” Randy California, em construir uma música à volta de um riff carregado de “overdubs”. Randy é um dos "masters" desta técnica, um dos grandes guitarristas esquecidos da história. Aos 15 anos foi convidado por Hendrix para se juntar à sua Experience, tendo sido o próprio Jimi quem lhe deu a alcunha “California” para o distinguir de outro músico Randy que era do Texas. Hendrix sabia que aquele puto Randy ia ser um guitarrista à frente do seu tempo. Que o diga o belíssimo “Taurus”, de onde Jimmy Page dos Led Zeppelin, anos mais tarde, fã confesso dos Spirit, tiraria os acordes iniciais de “Stairway to Heaven”. Ouvir para crer.
E como todas as grandes bandas, reinava algum espírito de família em torno dos seus músicos. Ainda para mais, quando o baterista Ed Cassidy era mesmo padrasto de Randy. Bem mais velho do que todo o resto do grupo, Ed, o calvo (na altura nada rock-fashionable), experiente e sobredotado baterista de jazz que havia tocado com Taj Mahal e Ry Cooder, é o perfeito pêndulo harmónico e engrenagem pré-motorik que torna os Spirit tão especiais. "Mighty" Ed, que tanto acompanha em letargia ácida o psych-hymn “Girl In Your Eye” como arranca no comboio jam de “Free Spirit”. Tudo partes de um dos primeiros 4 grandes discos de uma banda infelizmente esquecida ou nunca decorada em tantas memórias. Estamos sempre a tempo. É esse o espírito.
nunleal@gmail.com