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Rui P. Andrade e Adrian Bang encontram-se em Lisboa
· 24 Jan 2018 · 11:42 ·
© Arina Essipowitsch

Será um encontro fortuito, como aqueles entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecação. Esta quinta-feira, o Sabotage irá acolher um concerto mais que especial, que verá o noise de Rui P. Andrade a aliar-se ao psicadelismo de Adrian Bang, homem que sabe bem o que é uma trip: já colaborou com gente nobre como os Telescopes, Tangerine Dream, Chicos De Nazca e Kadavar, entre muitos outros nomes ácidos. O encontro deu-se por acaso; Bang já cá vinha para uma Rock'n'Roll Suicide, no sábado, e decidiu passar uma noite extra no já icónico espaço lisboeta. Os bilhetes estão à venda por 5€ e, antes do gig, falámos com um e outro para saber melhor aquilo que esperar.

The Telescopes, Aqua Nebula Oscillator, Tangerine Dream... Três bandas que foram bastante importantes dentro da música psicadélica, em eras diferentes, e à sua maneira própria. Como foi tocar com cada qual destas bandas? Quais foram as maiores experiências que tiveste nestas e em outras bandas com as quais tocaste?

Andar em digressão com estas bandas foi como regressar ao liceu. Nunca seria fácil, por todas as razões e mais alguma, sobretudo emocionais. Tudo aquilo que tomas como garantido no dia-a-dia não significa nada quando estás lá fora. Dormir numa réplica de um castelo medieval nos Estados Unidos, arrasar com uns bastidores na Polónia, invadir propriedade privada em Beverly Hills, ver punks alemães da linha dura a chorar nas ruas de Tóquio, destruir alguns públicos no sul de Itália, avariar uns seis ou sete camiões por todo o mundo, incendiar uma casa, chegar a casa com as namoradas de algumas bandas de abertura... é só escolher. Tudo gira à volta de luz e sombra. E, naturalmente, isto ALIMENTA a experiência musical, noite após noite. Não há "melhor", é tudo um puzzle necessário. Já comecei a escrever sobre isto antes que as minhas memórias se desvaneçam. Mas, agora, trabalho a maior parte do tempo com a minha banda, os Mireille Dark, tocando música instrumental avant-garde tech-noir para filmes. Estamos a concluir as gravações, queremos editar o álbum este ano e andar na estrada.

A música psicadélica tem vivido uma espécie de renascimento ao longo dos últimos anos. Que pensas sobre isto? Porque motivo andam as pessoas a procurar, uma vez mais, o psicadelismo?

Penso nas experiências psicadélicas como estando ligadas a períodos de tempo. Períodos mais duros poderão empurrar as pessoas para dentro de caixinhas e esmagá-las de forma a que se tornem gado humano. Não é surpresa que haja uma necessidade de se viajar e, quando não é possível experienciá-lo de forma física, há a forma psíquica. Psicadelismo - que se pode explicar como um Manifesto da Mente, uma viagem dentro de uma viagem. A referência no Dune do [Frank] Herbert, do mélange, que permite aos humanóides os benefícios de «viajar sem se mover», e a «expansão da mente» que [a essa droga fictícia] se associou foi provavelmente aquilo que chamou a atenção do Guru Psicadélico Alejandro Jodowrovsky, de liderar um exército de guerreiros do amor até uma tentativa tragicamente falhada de transformar este conceito num filme. A música psicadélica, como é assim chamada (de forma abusiva), entende bem este conceito de Viagem Mental. E as pessoas, eu incluído, precisam disto urgentemente. Pela minha experiência, não se pode simplesmente entrar [no psicadelismo] com um estalar dos dedos. É tanto um movimento dentro como fora. Esqueçam as modas: turn on, tune in, drop out.

Qual seria o maior elogio que te poderiam fazer após um concerto teu?

«Obrigado pela viagem». Mas todas as pessoas que te vêm ver em cima de um palco, que gastam o dinheiro que lhes custou a ganhar para entrar, que te vêm tocar à medida que bebem cerveja caríssima já fazem uma manifesto por si só. Podiam ter ficado na tasca local a beber, mas escolheram ter algo mais que isso. Em noites boas, fechar os olhos e sentir a audiência a subir, a levitar literalmente um metro e meio acima do chão, é a melhor coisa.

Em Lisboa, vais tocar com o Rui P. Andrade, cuja obra está sobretudo enraizada no noise. Já conhecias a música dele? Que poderemos esperar?

Lembro-me de algo ter mudado em mim no dia em que me expus ao Metal Machine Music, do Lou Reed. Um álbum duplo construído apenas a partir de feedback de guitarra, com efeitos e aparelhos electrónicos vários e absurdos. Foi o álbum em que ele mandou foder a editora dele, mas gerou um acidente nuclear que abriu literalmente um vórtice novo. Artistas como os Throbbing Gristle, os Cabaret Voltaire, ou os Neubauten chegaram a mim. Andas mais para trás e descobres o [John] Coltrane, o Miles Davis no seu período eléctrico, até os Stooges. No ano passado fiz uma digressão de 15 dias pela República Checa e pela Eslováquia com o Trigal, um grande guitarrista noise - intitulávamo-nos Yonic South -, e levámos noise e feedback românticos aos lugares mais pequenos e improváveis - e no entanto os melhores: salões de chá, casas de juventude, armazéns, aulas de ioga, clubes techno, casas privadas, clubes de skate, bunkers, padarias... A essência do noise: Beautiful Underworld Nonsense. Não ouvi a música que o Rui faz, ouvi apenas dois trechos como guia e não quero spoilar nada: as minhas experiências mais entusiasmantes acontecem no momento, o ser exposto a ambientes estranhos que, com sorte, provocam mutações; "estar preparado" dava-me cabo da excitação. Quero ir além do cérebro; as surpresas são o que me fazem mexer, nesta vida. O noise é a música da natureza. Esperem o inesperado.

Tendo andado em digressão pela Europa, pela América e pela Ásia, qual foi o melhor país onde actuaste e em que país gostarias de tocar a seguir?

A China seria incrível. Consegues imaginar andar em digressão por lá? Uau. Tive a sorte de estar em Hong Kong durante quatro dias, com os Tangerine Dream, o mais perto que pude estar da velha China. As pessoas de lá eram incrivelmente puras e entusiastas. Preciso de mais disso. Na Alemanha pagam bem, mas é algo frígido; a Espanha, ausente, e a França uma confusão terrível. É por isso que vir a Portugal é sempre um prazer, uma lufada de ar fresco e de criatividade. Sorrisos, comida, coração, salas, algumas das melhores experiências psicadélicas que tive aconteceram aí. Mal posso esperar pela próxima...

© Raquel Sousa

Como surgiu esta colaboração? Já conhecias a obra do Adrian Bang?

A oportunidade surgiu a convite do próprio Sabotage. E a verdade é que não. Apesar de estar perfeitamente familiarizado com a grande maioria dos projectos em que o Adrian tem colaborado, só o conheci directamente no contexto desta colaboração. Mas é bem possível que já o tenha visto ao vivo, até.

O concerto vai ser mais na onda da improvisação, ou já têm algo pensado entre ambos?

Creio que só o iremos descobrir na tarde de ensaios, mas sim, será maioritariamente improvisado dentro dos limites do que cada um trará a priori para cima da mesa.

Tendo em conta que o Adrian Bang é alguém com uma ligação maior à música psicadélica, e sendo que "psicadelismo" não é um adjectivo que se possa utilizar muitas vezes com noise, sentes que esta é também uma oportunidade para, enquanto músico, saíres um pouco da caixa?

Apesar de ambos termos backgrounds um bocado diferentes, o Adrian é alguém muito polivalente. Efectivamente, trabalho sozinho grande parte do tempo, mas encontro um desconforto nestas colaborações que as tornam um óptimo instrumento de aprendizagem. Seja qual for o resultado.

Lançaste um disco novo em 2017, o All Lovers Go To Heaven, que tem recebido boas críticas. Está na calha alguma digressão maior de apresentação? Que planos tens para 2018?

O objectivo é apresentar o All Lovers Go To Heaven o mais possível, e já há mais algumas datas planeadas que serão anunciadas a seu tempo. Até porque é um disco pensado para ser desintegrado e reconstruído num contexto que não é o de estúdio. Para o futuro próximo está marcado o lançamento de um EP, como HRNS (projecto novo e que partilho com FARWARMTH), a sair neste primeiro trimestre do ano. Quiçá um novo disco de Ulnar possa acontecer, também. Interessa-me expandir o catálogo do Colectivo Casa Amarela ao extremo do que for praticável, e o mesmo no que toca à apresentação de que projecto nosso for. É um ano em que qualquer que seja um passo atrás não faz sentido.

Quando é que ressuscitas Ecos?

Quando o Reverence pagar aos Amenra.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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