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O Rescaldo na voz do programador
· 10 Fev 2017 · 11:36 ·
© Vera Marmelo

Arranca hoje em Lisboa mais uma edição do Festival Rescaldo, que acontece na Culturgest (pequeno auditório e garagem) e, este ano pela primeira vez, no Panteão Nacional. Estivemos à conversa com o programador, Travassos, que aqui apresenta o festival na primeira pessoa.

Quais são os destaques da programação de 2017?

A 10ª edição do Rescaldo está recheada de destaques. A começar pelo primeiro dia com dois casos inéditos que são o carismático baterista Marco Franco a aventurar-se num solo de piano e também o fulgurante Bruno Pernadas, que se apresenta com um novo quarteto, onde a partir das suas composições vai explorar espaços de improvisação. Destaque também para o projecto Bruta de Ana Deus, que nos continua a surpreender a cada passo. Os maravilhosos Live Low e a sua placidez melódica a reinventar uma certa ideia de "portugalidade" salpicada por um post-rock inteligente. O desafio feito ao Paal Nilssen-Love a sair da sua zona de conforto e entrar em dialogo com o histórico David Maranha. E os Älforjs que são uma das mais originais bandas nacionais a praticar um género de xamanismo urbano, purga ritualista que tanto vai beber ao Kraut como aos sons primitivos africanos. E como não podia deixar de ser ênfase absoluto para a primeira incursão do festival no monumental Panteão Nacional, espaço com características acústicas extraordinárias onde a Susana Santos Silva nos vai presentear com um concerto único num duelo entre a sua sensibilidade e riqueza técnica e um monstro chamado Panteão. A Amália vai gostar de ouvir... o Eusebio já não tenho tanta certeza.

Este ano, além da Culturgest (pequeno auditório e garagem), o Rescaldo também vai ao Panteão Nacional. Porquê a escolha deste espaço?

Tinha na mira incitar a Susana Santos Silva a fazer um solo no Rescaldo. Quando se vislumbrou a hipótese de fazer qualquer coisa no panteão o clique foi imediato. É o espaço perfeito para isso acontecer - tanto pela sua imponência e monumentalidade como, sobretudo, pela sua magnitude acústica. É um verdadeiro privilégio. De qualquer maneira convém relembrar que é um espaço que tem vindo a ser experimentado nomeadamente através de uma serie de concertos intitulados "Escuta Profunda", e também por intermédio da iniciativa de concertos fora de portas do Maria Matos onde realizaram concertos do pianista austríaco Simon James Phillips e do trompetista norte-americano Peter Evans, um dos gigantes do seu instrumento. Não é portanto uma escolha inédita ou aleatória.

No ano passado apresentaste no Rescaldo os portugueses Black Bombaim com o histórico saxofonista Peter Brötzmann, uma parceria que resultou bem não só ao vivo, como deu também origem a um disco elogiado editado pela Shhpuma. Vês este como um ponto alto da história do festival? Quais foram outros momentos marcantes?

Este é sem dúvida um momento alto do festival do qual tenho muito orgulho. Principalmente porque foi um plano elaborado durante anos que resultou numa bonita parceria com a Lovers & Lollypops e num tremendo disco que recebeu todos os possíveis elogios e figurou em inúmeras listas de melhor do ano. Creio que se produziu história. É claro que existiram tantos outros momentos marcantes da história deste festival, mas o mais importante foi principalmente a assimilação do Rescaldo por parte da Culturgest - isso agigantou toda a sua capacidade de afirmação.

Chegas agora à organização da 10ª edição do Rescaldo, és um espectador privilegiado. Como vês a evolução do panorama da música portuguesa, passada esta década?

Sinto um fervilhar bom principalmente com a revigorante abundância de bandas e até o aparecimento de colectivos que se unem por filosofias comuns na forma como abordam a música tais como a Cafetra ou a Xita, caso que já não existia de forma tão eloquente desde os saudosos tempos da Ama Romanta. Consequentemente multiplicaram-se também os espaços que programam música fora da caixa, e cresceram novos públicos. Uma mudança fundamental foi o prosperar do apoio logístico com o aparecimento de novas editoras e outras estruturas com meios capazes de apoiar os músicos de forma muito mais coordenada e profissional, tirando todo o partido das atuais ferramentas disponíveis. Portugal é hoje um formigueiro em ebulição de música interessante de elevado nível.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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