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Topes Ilustres 2016 - Matheus Brant
· 28 Dez 2016 · 12:43 ·

 
O melhor de 2016, para mim, veio disfarçado do pior. Explico. Observei com muita curiosidade o fenômeno da eleição de Donald Trump para presidente dos EUA e uma das interpretações mais interessantes que encontrei foi de que há, atualmente, vozes que não tem sido ouvidas com a devida atenção. São vozes que reagem contra mudanças ocorridas em nossa sociedade moderna e que, por mais que discordemos delas, acho que é um erro ignorá-las. Na feliz síntese do jornalista e escritor inglês Andrew Sullivan, em artigo publicado na revista brasileira “Piaui”, está-se a falar da:
 
http://piaui.folha.uol.com.br/materia/trump-e-os-limites-da-democracia/
 
“ Classe trabalhadora branca (que), ao assistir a seus valores morais serem ridicularizados, sua religião ser considerada primitiva e suas perspectivas econômicas dizimadas, agora descobre que até mesmo o sexo e a raça a que pertencem – na verdade, a própria forma como falam sobre a realidade – são vistos como uma espécie de problema que o país deve tentar superar. Esse é apenas um dos aspectos daquilo que Trump chamou, magistralmente, de metástase do “politicamente correto”. Ou, na verdade, algo que poderia ser mais bem descrito como uma renovada e crescente paixão progressista por igualdade racial e sexual – uma igualdade de resultados, e não a aspiração liberal à mera igualdade de oportunidades.
 
Grande parte da esquerda passou a ver a classe trabalhadora branca não mais como uma aliada, mas basicamente como um grupo de pessoas preconceituosas, misóginas, racistas e homofóbicas, condenando os que estão muitas vezes nos degraus mais baixos da economia a ficar também no degrau mais baixo da cultura. Um homem branco que passa dificuldades no interior do país agora também tem que ouvir, dos estudantes de universidades de elite, que ele precisa “considerar seus privilégios”. Mesmo se você concordar que existe o privilégio, é difícil não simpatizar com uma pessoa que é objeto desse tipo de desdém.
 
Essa parte da classe trabalhadora, já alienada, ainda tem que ouvir – e como poderia não ouvir? – os sermões, tão fáceis e loquazes, de que “os homens brancos heterossexuais” são a origem fundamental de todos os nossos males. Os trabalhadores sentem o cheiro da condescendência e das generalizações a respeito deles – atitudes que seriam repugnantes se dirigidas contra minorias raciais – e se veem, nas palavras de Hoffer, “deserdados e feridos por uma ordem injusta das coisas”. E assim eles esperam, e vão acumulando desgostos, até que partem para o ataque.”
 
E de fato partiram para o ataque, elegendo o Trump nos EUA, e elegendo, mundo a fora, candidatos ou ideias (veja o caso do BREXIT) que falam sua língua e prometem reconduzi-los ao status econômico e sócio-cultural de que desfrutavam há alguns anos.
 
O que me chamou atenção em todo esse processo foi a “miopia” que vem nos acometendo a respeito da existência e relevância dessas vozes abafadas e que em 2016 vieram à tona de forma contundente, me levando a pensar na seguinte questão: se isso aconteceu no campo político com tamanha força e consequências práticas, qual terá sido o impacto disso nas artes? Antes, será que essa mesma “miopia” também pode estar nos impedindo de enxergar importantes fenômenos estéticos?
 
Não tenho respostas para essas perguntas e isso, por si só, marcou, para mim, 2016, afinal, as indagações são sempre mais importantes do que as explicações por provocarem mudanças de entendimento, avanços de compreensão.
 
Compreensão aliás, que até reconhecer essa “miopia”, resumia-se, da minha parte, a considerar como o mais marcante em 2016, a consolidação de uma estética musical que faz da questão do gênero sexual um componente intrínseco à própria arte como são os casos dos artistas: “Liniker”, “Jaloo” e “As bahias e a cozinha mineira” ( https://www.facebook.com/linikeroficial/, https://www.facebook.com/JalooMusic, https://www.facebook.com/asbahiaseacozinha )
 
Continuo achando que esse fenômeno é notável e historicamente muito relevante com potencialidade de ainda render muitos desdobramentos estéticos.
 
Mas é que, apesar disso, fico me perguntando: para além desse fenômeno já conhecido e valorizado no meio da musica brasileira, o que mais está escondido ? Quais as vozes que não estamos conseguindo ouvir ? Que melodias elas cantam? Que historias contam? Que disfarces estão usando?
 
Talvez essas perguntas só serão respondidas em 2017, o que contudo não me impede de considerar como mais marcante em 2016, justamente, o surgimento dessas indagações. Será?
Matheus Brant

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