ÚLTIMAS
Rui Eduardo Paes apresenta Anarco-Queer? Queercore!
· 29 Mar 2016 · 15:22 ·


O musicólogo e ensaísta Rui Eduardo Paes está de regresso aos livros e vai agora apresentar o novo Anarco-Queer? Queercore!. Esta é uma edição Chili Com Carne /Thisco e, a par do texto de Paes, vai contar com ilustrações e grafismo de Bráulio Amado, Hetamoé, Astromanta, Joana Estrela, Rudolfo e Carles G.O.D. O livro irá contar com dois eventos de lançamento, no dia 8 de Abril em Lisboa (MOB) e no dia seguinte na Parede (SMUP). Em exclusivo para o Bodyspace, Rui Eduardo Paes apresenta o seu novo livro.

Como surgiu a ideia para este novo livro?

Este livro nasceu de vários interesses meus. Primeiro, decorre das minhas continuadas investigações sobre o pensamento actual do anarquismo e do chamado pós-anarquismo, sendo que uma das vertentes mais ricas do mesmo converge, ou desemboca, com o / no pensamento queer, seja o militante como o académico. No meu entender, representa talvez o factor mais radical que podemos encontrar na reflexão e na acção contemporâneas, pois contesta a organização patriarcal da sociedade e das mentalidades, o binarismo de género e tanto a hetero-normatividade como a homo-normatividade. E é uma consequência, também, da minha vontade de escrever sobre rock. Já o vinha fazendo de vez em quando, e essa atenção está espalhada pelos meus livros e surge amiúdes vezes no blogue Bitaites, mas tenciono fazê-lo de futuro com mais frequência. Publiquei um post um pouco generalista sobre este tema, e com o mesmo título, no Bitaites, e a minha editora, a Chili Com Carne, desafiou-me a aprofundar a questão em livro. Aceitei de imediato, até porque me permitia fazer como que uma continuação do meu 'A' Maiúsculo com Círculo à Volta. Um texto transformou-se em cinco, os cinco capítulos de Anarco-Queer? Queercore!, cada um profusamente ilustrado (e trabalhado graficamente) pelos artistas visuais Bráulio Amado, Hetamoé, Astromanta, Joana Estrela e Rudolfo, com capa do espanhol Carles G.O.D. Vai surgir com o aspecto de um fanzine punk dos anos 1970/80. De acordo com o tipo de abordagem que me é habitual, de relacionação e contextualização da música com a filosofia política e as ciências sociais, o livro contém bastas considerações sobre teoria libertária e teoria queer. Sempre com um espírito "punk", provocatório, politicamente incorrecto, irónico, talvez até cínico.



O livro é apresentado como "uma viagem pela história do punk hardcore queer desde as suas origens nos anos 1980 até aos nossos dias". Como resumirias essa história, em forma de "teaser" para potenciais leitores?

O queercore é, na sua base, o punk hardcore queer, tocado por malta gay, lésbica, bissexual, pansexual, trans-sexual, feminista ou hetero-queer que não se reconhecia ou reconhece no movimento LGBT, considerando que este se deixou recuperar pelo sistema. Ao longo da sua evolução, porém, algum dele foi tomando outros rumos que não o hardcore, na direcção da pop e da música electrónica de dança ou adquirindo uma feição mais "arty" e experimental. Estas tendências mantiveram a definição queercore porque, em muitos dos casos, os fundamentos se mantiveram, designadamente a atitude punk e DIY e o activismo queer. Noutros, ficou lamentavelmente claro que também houve recuperação, até porque o capitalismo tem muitos tentáculos e muitos ardis. Como em Portugal nunca houve um movimento queer efectivo, existindo apenas algumas células de acção que como tal se reivindicam, a exemplo da Lóbula e da GenderQueer Portugal, achei que esta iniciativa poderia ser bastante oportuna. Vamos ver. O certo é que, enquanto escrevia o livro, a minha ideia foi que a sua publicação pudesse estar de alguma maneira associada à Lóbula, um colectivo trans queer feminista particularmente dinâmico. Ora, um dos lançamentos do livro, o de 8 de Abril, vai ser precisamente acolhido pela Lóbula no Mob, um espaço cultural do Intendente, e um seu representante, Daniel Lourenço, vai fazer a apresentação no Mob e também no lançamento da SMUP, Parede, a 9. Preparei uma mostra de vídeos de bandas queercore que dará conta dessa evolução para os dois lançamentos, e no segundo, o da Parede, vai tocar um grupo próximo destas premissas, se bem que seja sobretudo influenciado pela corrente riot grrrls, Vaiapraia e as Rainhas do Baile.

Porquê este título Anarco-Queer? Queercore!, que é já em si um "programa" em torno dos rótulos?

Mais do que os rótulos (e até porque a designação queercore abarca muitas coisas, desde o punk propriamente dito até ao electro-pop), o que justifica este título é o seu carácter de chavão, com uma pergunta e uma resposta muito afirmativa logo de seguida, algo que poderia ser utilizado numa manifestação de rua. É uma espécie de "call to action" e sim, tem uma intenção mobilizadora. Só um par de bandas desta área, Le Tigre e God is My Co-Pilot, são mais conhecidas em Portugal, até porque já cá vieram. As demais quase ninguém ouviu por cá, e o certo é que no meio deste caldeirão há coisas muito boas, como por exemplo Nu Sensae e Ste McCabe. O meu objectivo é que as pessoas atentem na produção musical desta área, e inclusive o que fazem entre nós Vaiapraia e as Rainhas do Baile, Panelas Depressão ou Clementine, que são as Rainhas do Baile em duo. E é também que se conheça melhor o pensamento libertário de hoje e o pensamento queer, colocando-os em debate.

Se só pudesses escolher um tema, qual seria para ti uma música que escolherias como a mais representativa / icónica do queercore?

Talvez "You Don't Like Rock 'N' Roll", de Hunx and His Punx, que é todo um manifesto. "You don't like rock 'n' roll / I don't like you..."



Numa entrevista anterior ao Bodyspace tinhas prometido que após a edição de Anarco-Queer? Queercore! irias "descansar um pouco", que não iria haver um Bestiário Ilustríssimo III. Sei que continuas a escrever textos sobre jazz, músicas improvisadas e outras... O que vais fazer agora a seguir?

Bom, a ideia era deixar que os meus leitores "descansassem um pouco" de mim, pois nestes últimos anos saíram vários livros meus de seguida. E disse isso porque temia que o Bestiário Ilustríssimo II / Bala não tivesse a saída que tiveram o Bestiário Ilustríssimo (que esgotou duas vezes) e o 'A' Maiúsculo com Círculo à Volta (que está quase a esgotar). Felizmente, enganei-me: os primeiros relatórios da distribuição foram bastante positivos. Tudo isto me deixa agradavelmente surpreendido, e também a minha editora está pasmada com estes resultados. Aliás, o Anarco-Queer? Queercore! vai à partida ter uma tiragem maior do que o habitual. Seja como for, este novo livro não tem o mesmo público-alvo, pois é de temática bastante diferente da que habitualmente trato, nos domínios do jazz criativo e das músicas improvisada e experimental. Serão outros, com certeza, os potenciais interessados. Depois deste livro, já em Junho próximo, haverá ainda outro, de encomenda, sobre os 15 anos da editora discográfica Clean Feed, portuguesa, mas nomeada pela imprensa internacional especializada como uma das três mais importantes do mundo no domínio do jazz. Depois, sim, vou retirar-me um bocado. Voltarei à edição livreira daqui a um par de anos, quem sabe, mas ainda não sei com o quê... Pode até ser, novamente, sobre rock. Ou poderei ceder às pressões que vou tendo para escrever sobre a história e a teoria da improvisação. Claro que durante esse tempo não estarei parado: continuarei a escrever para a revista online jazz.pt e para o Bitaites e continuarei a fazer textos para as folhas de sala da Culturgest. Ah, e também me dedicarei ao capítulo sobre a história do jazz português de um livro que sairá em 2017 com selo da European Jazz Network, uma estrutura que congrega os programadores dos grandes festivais europeus. Aliás, livro meu, para daqui a uns tempos, sobre o jazz e a música improvisada nacionais também é uma possibilidade. Está tudo em aberto...
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

Parceiros