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UM AO Molhe continua na estrada
· 10 Mar 2015 · 11:22 ·
O festival itinerante de one-man bands, que se iniciou em Fevereiro, regressa à estrada já esta semana, após ter já passado pelo Funchal, Porto, Aveiro e Guimarães, só para citar algumas. Antes de não terem tempo de nos safar umas palavras - como bem sabemos, apanhar rede dentro do carro é lixado - fomos falar com os organizadores, Manuel Molarinho e Pedro Pestana, também eles one-man bands de pleno direito: o primeiro como O Manipulador, o segundo enquanto Tren Go! Sound System.
Como surgiu a ideia de fazer um festival itinerante e para one-man bands?
M.M.: Cada um de nós tinha secretamente esta ideia, até que a partilhamos numa noite de copos. Foi o início desta bela viagem. Como somos nós próprios one-man bands, gostamos de tentar acompanhar o que se passa à nossa volta e ambos sentimos que estamos numa altura riquíssima para a música em Portugal, do ponto de vista da criação. Assim que percebemos que tínhamos uma vontade mútua de querer pôr esta nova vaga de malta a fazer música a solo em Portugal a mexer-se e a tocar, começámos a pôr o plano em prática.
P.P.: A ideia de itinerância tem a ver com a procura de uma continuidade temporal dos eventos. A maior parte dos eventos deste cariz são concentrados em um, dois ou três dias e depois até para o ano. Estender esta iniciativa por vários meses e várias cidades é uma forma de sair desse formato e de criar uma espécie de circuito para tentarmos todos tocar o mais possível. E, tocando vários em cada dia, fomenta-se o contacto e a familiaridade entre os vários músicos e atenua-se alguma da solidão habitual de andar pela estrada como one-man band.
Como tem sido a adesão do público até agora?
M.M.: Em bom português, jusqu’ici tout va bien. O público tem sido bastante receptivo e por vezes até efusivo nas suas manifestações de prazer. Notamos que há uma abertura de espírito muito grande por todos os projectos por parte dos aficionados de uma one-man band em particular. É sempre uma experiência bastante interessante observar que no universo das one-man bands existem tantas linguagens diferentes para fazer música.
Para além de serem, obviamente, one-man bands, que mais pesou na escolha de cada qual destes projetos?
P.P.: Os projectos que escolhemos foram, de certa forma, aparecendo. Ora por serem de amigos, ora porque nos mostraram. De repente já eram trinta e tivemos de parar porque já sentíamos dificuldade para arranjar concertos para todos. A base da escolha é o nosso gosto pessoal embora haja muitos outros que gostamos e que não conseguimos incluir, mas esperamos ter vários anos e edições do festival para fazê-lo. Para além disso, nesta primeira edição preocupámo-nos especificamente com dois factores na decisão: quisemos dar abrangência ao termo one-man band, e afastámo-nos das one-man bands mais tradicionais dos multi-instrumentistas - apesar de sermos fãs de muitos deles, achámos mais importante dar ênfase às mil e uma possibilidades de nos apresentarmos a solo hoje em dia. [Além disso] procurámos elencar one-man bands que fossem de certa forma emergentes e precisassem mais da nossa ajuda para dar concertos do que outros com créditos e público mais firmado.
Sentem que o fim a que se destinaram – criar um circuito sólido para o número cada vez maior de músicos portugueses – está a ser cumprido? Que falta ainda melhorar?
M.M.: É uma pergunta difícil de responder porque não chegámos ao fim, nem sequer a metade da primeira edição do UM AO MOLHE. A única coisa sólida na cultura ultimamente têm sido os cortes... Achamos que, para já, podemos dar-nos por satisfeitos com os primeiros trinta dias do festival. Já organizamos 38 ou 39 concertos em doze datas e nove cidades diferentes e temos tido, com uma ou outra excepção, mais público do que esperávamos. E ainda estamos a começar. Mas não cremos que nos tenhamos proposto a criar um circuito sólido, antes ajudar a fazê-lo. Se há coisa que, quase paradoxalmente vamos aprendendo, é que não se faz nada sozinho. Da mesma forma que o público se mostra receptivo, o entusiasmo dos músicos que participam, dos espaços que nos acolhem e dos nossos parceiros (que são mais, a cada dia que passa) é absolutamente essencial. Sem o esforço conjunto de todos, não seria possível que o festival acontecesse.
P.P.: Espaço para melhorar há sempre. Todos os dias nos deparamos com coisas que podemos melhorar no âmbito do festival, desde questões logísticas a organizacionais. Garantir a remuneração condigna dos músicos, por exemplo, é uma das nossas maiores preocupações e dificuldades. As concessionárias das auto-estradas e as gasolineiras andam certamente a fazer mais com o festival do que os músicos. Num país em que quase toda a gente não passa um dia sem ouvir música, é importante inverter a tendência crescente de se pagar cada vez menos aos músicos. Temos objectivos claros de arranjar patrocínios que equilibrem este desajuste e de alertar para a necessidade de se aguçar a curiosidade musical nos concertos locais e não só nos grandes festivais. Os músicos dependem cada vez mais da presença de público nos concertos para poderem ter um mínimo de rentabilidade com a sua actividade, quer porque os pequenos negócios têm dificuldade em fazer o suficiente para sustentar essa remuneração, quer por vivermos numa era em que os impostos que pagamos quase nunca servem para incentivar a criação e a divulgação cultural.
M.M.: Nenhum de nós fez isto a esta escala antes, é o chamado "aprendendo, fazendo". De qualquer forma, estamos a adorar a experiência e também é útil perceber nos vários contextos dos espaços e cidades o que existe e o que se pode fazer.
Já têm mais alguma coisa na calha para quando terminar o festival, em Maio?
P.P.: Gostávamos de terminar o festival com uma grande festa onde se reunisse o maior número possível de one-man bands. Depois, merecemos uns dias de pausa, desfrutar um pouco do verão e dos seus bailaricos nas ruas do Porto. E também nos queremos dedicar aos nossos outros projectos.
O UM AO Molhe passará por Viana do Castelo na próxima sexta-feira, no Kommix, com concertos de Dawn: Bird, Jacketx, O Manipulador e Tren Go! Sound System. Podem consultar as restantes datas e locais na página de Facebook do evento.
pauloandrececilio@gmail.com