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Um músico no meio do caos
· 31 Mar 2012 · 01:19 ·
O passado dia 22 de Março foi jornada de greve em Portugal. A data foi também marcada por manifestações. E por uma carga policial, na zona do Chiado, que chocou quem assistiu à s imagens de violência indiscriminada: novos e velhos, jornalistas e turistas foram varridos por um turbilhão de bastonadas. Entre os presentes, estava o músico Pedro Sousa – saxofonista de vários projectos, como EITR, Pão, ACRE ou Canzana –, que também não escapou ileso a uma intervenção que muitos apelidaram de desproporcionada e desprovida de justificação. Pedimos ao Pedro que nos contasse a sua versão dos factos ocorridos naquela tarde e aproveitámos para lhe colocar mais um par de perguntas, sobre ameaças à ordem pública e a forma como estes tempos de crise social e acontecimentos tão perturbantes podem influenciar quem faz da música (e da arte em geral) o seu ofÃcio.
Podes contar-nos o que se passou no passado dia 22 de Março, no teu caso particular? Estás bem?
Na passada quinta-feira, 22 de Março, dia da greve geral, fui uma das pessoas agredidas durante a investida da polÃcia na Rua Garrett. Este acontecimento, digno de qualquer Estado repressivo, resultou de um crescendo de acções que se manifestaram durante toda a tarde. Uma composição de manifestantes que partiu do Saldanha pela 13h da tarde com intenção de integrar a que partia pelas 16h do Rossio, foi assediada duas vezes a caminho. Uma primeira vez, na Avenida Almirante Reis, por agentes vestidos à civil que tentaram levar consigo um manifestante, e por uma segunda vez, no Martim Moniz, em que um polÃcia fardado tentou agarrar um manifestante que apertava um sapato. Em ambos os casos as tentativas de detenção foram impedidas e os agentes afastados sem mais incidentes.
Eu integrei a manifestação que partiu às 16h do Rossio, sendo que quando cheguei esta estava já a preparar-se para subir o Chiado em direcção a S.Bento. Durante os primeiros minutos da subida é rebentado um petardo (sendo que já tinham sido rebentado outros no Rossio) alegadamente por estivadores ou por agentes infiltrados (este facto ainda está por confirmar), mas foi aqui que os eventos deram uma curva e mudaram de tom.
Livraria Sá da Costa, pouco depois do inÃcio da marcha. Um dos supostos indivÃduos que rebentou petardos é detido subitamente por agentes da PSP e arrastado para trás de um cordão policial. As pessoas que estavam próximas e contestaram este facto foram de imediato agredidas à bastonada. Era aqui que me encontrava e saquei imediatamente da máquina fotográfica para fotografar os incidentes. Os manifestantes, incrédulos com tal agressão aproximaram-se novamente da polÃcia, reclamando, obviamente, por terem sido agredidos, o que levou um dos agentes a usar spray pimenta e a recorrer outra vez à s bastonadas. Visto que não havia qualquer diálogo possÃvel, alguns dos manifestantes que assistiam atiraram chávenas e um par de cadeiras aos agentes que agrediam. Eu encontrava-me a metros da livraria a fotografar estes incidentes quando subitamente sou surpreendido pela presença do corpo policial, que obviamente aguardava numa rua paralela para entrar, e que meros segundos após se posicionar de modo a fechar a rua começou imediatamente a distribuir bastonadas de forma aleatória e indiscriminada. Imediatamente abrem-me a cabeça à bastonada (tive de levar pontos no hospital) sem que nada tivesse feito para o incitar, logo de seguida levo com outra bastonada na mão que segurava a máquina fotográfica (e que conseguiram partir), num acto claramente dirigido. Enquanto isto, os mesmos polÃcias começam a bater-me nas costas e consigo reparar que o mesmo acontece à s pessoas em meu redor, as quais tendo sido apanhadas de surpresa são espancadas já no chão. Apenas saà desta situação porque uma rapariga estrangeira me puxou e arrastou-me dali para fora, até à entrada do metro. Foi neste momento que percebi a extensão dos danos e do que me tinha acontecido, mas logo segundos a seguir houve uma segunda carga e toda a gente começou a fugir para o Largo Camões e de seguida para São Bento. Pretendo apresentar queixa contra o sucedido, o que não serve de muito, pois segundo informação de advogados o Corpo de Intervenção quando está em "missão" não pode ser feito responsável. O que me tem preocupado é como provar que as incitações à violência não vieram de mim ou de qualquer outro manifestante mas sim de uma acção concertada ou simplesmente descontrolada da polÃcia. Houve até polÃcias que se recusaram a chamar ambulâncias quando lhes foi pedido.
A generalidade da comunicação social, televisão e jornais como o Expresso, por exemplo, têm feito uma cobertura verdadeiramente vergonhosa e de cariz tendencioso dos factos testemunhados por mim e por outros na manifestação. Alterando a temporalidade dos factos gravados, de forma a se coadunarem com uma qualquer verdade apresentada pelas forças de autoridade. Veja-se, por exemplo, os vÃdeos que mostram os manifestantes a empurrarem mesas e cadeiras para o chão com o intuito de formar uma barricada e que no entanto são apresentados e interpretados como ataques à polÃcia. Ou note-se de estar a ser ignorado o facto de terem sido primeiramente agredido cidadãos e isto sim ter sido o catalisador para todos os acontecimentos seguintes.
Na sexta-feira seguinte, dia 23, marquei presença em frente do Ministério da Administração Interna e confrontei dois jornalistas da TVI, que rejeitaram sumariamente responsabilidade da forma como transmitiram os factos do dia anterior ou de não investigarem as várias fontes de informação que existiam em relação às agressões. O jornalismo pode não estar morto, mas que cheira mal, isso de certeza.
Entre as pessoas que foram alvo da carga policial, havia pessoas de idade, jornalistas e pelo menos um músico - pensas que são estas as grandes ameaças à ordem pública?
A manifestação seguia pacificamente. Contestatária, mas perfeitamente dentro da normalidade. Integrava, apartidariamente vários grupos de pessoas que não estavam unidas por nenhuma plataforma em particular, fosse ela o 15 de Outubro ou os Precários InflexÃveis. Eram apenas pessoas (na sua maioria jovens) que estavam a manifestar a sua presença num evento que pretende contestar as várias polÃticas sócio-económicas do Governo. À minha volta vi estudantes, activistas de direitos civis, cineastas, músicos, artistas, escritores, trabalhadores e desempregados. Turistas e idosos. Como é possÃvel que tal massa de gente justificasse um "varrimento" do Corpo de Intervenção a ponto de deixar apenas em pé a estátua de Fernando Pessoa é algo que teremos de arrancar à paranóia de como agem as forças policiais.
A presente conjuntura (marcada pela crise económico-social) e acontecimentos como os de 22 de Março podem influenciar quem cria arte, no geral, e música, em particular?
No Domingo, dia 25, ao assistir a um concerto num festival em Oeiras, pude testemunhar outra vez a presença da polÃcia e do Corpo de Intervenção. Eram cerca de onze e vinte da noite quando apareceram, e apesar da organização do festival ter garantido uma licença para fazer ruÃdo até mais tarde, o concerto foi mesmo assim interrompido, o que originou contestação por parte do público, que tinha pago um bilhete para assistir ao concerto. Logo de seguida o Corpo de Intervenção começa a posicionar-se para "varrer o recinto", como o pôs um dos seguranças do festival, visivelmente assustado, e que nos pedia para sairmos o mais depressa possÃvel. Cerca de meia hora depois, os mesmos polÃcias achincalhavam as últimas pessoas que saiam e aproveitaram para começar a mandar parar carros e revistá-los.
Da minha parte, continuarei a fazer o que faço: a tocar música da melhor maneira que conseguir. Situações de merda de facto existem e as frustrações que as acompanham ventilarão sempre através dos nossos actos. Se estes eventos dos últimos dias me influenciaram de alguma forma? É inevitável dizer que sim, para bem e para mal. Mas mais do que isso, tornou-se para mim assustador e absolutamente inequÃvoco a confirmação de que a austeridade reforçou as defesas com um discurso e uma maneira de agir de cariz altamente agressivo e repressivo, digna do Estado Novo. E que não pode ser ignorado, pois não deixa margem para dúvidas quanto à mensagem que pretende transmitir: Vai trabalhar e cala-te, é a tua opção.
Hugo Rocha PereiraPodes contar-nos o que se passou no passado dia 22 de Março, no teu caso particular? Estás bem?
Na passada quinta-feira, 22 de Março, dia da greve geral, fui uma das pessoas agredidas durante a investida da polÃcia na Rua Garrett. Este acontecimento, digno de qualquer Estado repressivo, resultou de um crescendo de acções que se manifestaram durante toda a tarde. Uma composição de manifestantes que partiu do Saldanha pela 13h da tarde com intenção de integrar a que partia pelas 16h do Rossio, foi assediada duas vezes a caminho. Uma primeira vez, na Avenida Almirante Reis, por agentes vestidos à civil que tentaram levar consigo um manifestante, e por uma segunda vez, no Martim Moniz, em que um polÃcia fardado tentou agarrar um manifestante que apertava um sapato. Em ambos os casos as tentativas de detenção foram impedidas e os agentes afastados sem mais incidentes.
Eu integrei a manifestação que partiu às 16h do Rossio, sendo que quando cheguei esta estava já a preparar-se para subir o Chiado em direcção a S.Bento. Durante os primeiros minutos da subida é rebentado um petardo (sendo que já tinham sido rebentado outros no Rossio) alegadamente por estivadores ou por agentes infiltrados (este facto ainda está por confirmar), mas foi aqui que os eventos deram uma curva e mudaram de tom.
Livraria Sá da Costa, pouco depois do inÃcio da marcha. Um dos supostos indivÃduos que rebentou petardos é detido subitamente por agentes da PSP e arrastado para trás de um cordão policial. As pessoas que estavam próximas e contestaram este facto foram de imediato agredidas à bastonada. Era aqui que me encontrava e saquei imediatamente da máquina fotográfica para fotografar os incidentes. Os manifestantes, incrédulos com tal agressão aproximaram-se novamente da polÃcia, reclamando, obviamente, por terem sido agredidos, o que levou um dos agentes a usar spray pimenta e a recorrer outra vez à s bastonadas. Visto que não havia qualquer diálogo possÃvel, alguns dos manifestantes que assistiam atiraram chávenas e um par de cadeiras aos agentes que agrediam. Eu encontrava-me a metros da livraria a fotografar estes incidentes quando subitamente sou surpreendido pela presença do corpo policial, que obviamente aguardava numa rua paralela para entrar, e que meros segundos após se posicionar de modo a fechar a rua começou imediatamente a distribuir bastonadas de forma aleatória e indiscriminada. Imediatamente abrem-me a cabeça à bastonada (tive de levar pontos no hospital) sem que nada tivesse feito para o incitar, logo de seguida levo com outra bastonada na mão que segurava a máquina fotográfica (e que conseguiram partir), num acto claramente dirigido. Enquanto isto, os mesmos polÃcias começam a bater-me nas costas e consigo reparar que o mesmo acontece à s pessoas em meu redor, as quais tendo sido apanhadas de surpresa são espancadas já no chão. Apenas saà desta situação porque uma rapariga estrangeira me puxou e arrastou-me dali para fora, até à entrada do metro. Foi neste momento que percebi a extensão dos danos e do que me tinha acontecido, mas logo segundos a seguir houve uma segunda carga e toda a gente começou a fugir para o Largo Camões e de seguida para São Bento. Pretendo apresentar queixa contra o sucedido, o que não serve de muito, pois segundo informação de advogados o Corpo de Intervenção quando está em "missão" não pode ser feito responsável. O que me tem preocupado é como provar que as incitações à violência não vieram de mim ou de qualquer outro manifestante mas sim de uma acção concertada ou simplesmente descontrolada da polÃcia. Houve até polÃcias que se recusaram a chamar ambulâncias quando lhes foi pedido.
A generalidade da comunicação social, televisão e jornais como o Expresso, por exemplo, têm feito uma cobertura verdadeiramente vergonhosa e de cariz tendencioso dos factos testemunhados por mim e por outros na manifestação. Alterando a temporalidade dos factos gravados, de forma a se coadunarem com uma qualquer verdade apresentada pelas forças de autoridade. Veja-se, por exemplo, os vÃdeos que mostram os manifestantes a empurrarem mesas e cadeiras para o chão com o intuito de formar uma barricada e que no entanto são apresentados e interpretados como ataques à polÃcia. Ou note-se de estar a ser ignorado o facto de terem sido primeiramente agredido cidadãos e isto sim ter sido o catalisador para todos os acontecimentos seguintes.
Na sexta-feira seguinte, dia 23, marquei presença em frente do Ministério da Administração Interna e confrontei dois jornalistas da TVI, que rejeitaram sumariamente responsabilidade da forma como transmitiram os factos do dia anterior ou de não investigarem as várias fontes de informação que existiam em relação às agressões. O jornalismo pode não estar morto, mas que cheira mal, isso de certeza.
Entre as pessoas que foram alvo da carga policial, havia pessoas de idade, jornalistas e pelo menos um músico - pensas que são estas as grandes ameaças à ordem pública?
A manifestação seguia pacificamente. Contestatária, mas perfeitamente dentro da normalidade. Integrava, apartidariamente vários grupos de pessoas que não estavam unidas por nenhuma plataforma em particular, fosse ela o 15 de Outubro ou os Precários InflexÃveis. Eram apenas pessoas (na sua maioria jovens) que estavam a manifestar a sua presença num evento que pretende contestar as várias polÃticas sócio-económicas do Governo. À minha volta vi estudantes, activistas de direitos civis, cineastas, músicos, artistas, escritores, trabalhadores e desempregados. Turistas e idosos. Como é possÃvel que tal massa de gente justificasse um "varrimento" do Corpo de Intervenção a ponto de deixar apenas em pé a estátua de Fernando Pessoa é algo que teremos de arrancar à paranóia de como agem as forças policiais.
A presente conjuntura (marcada pela crise económico-social) e acontecimentos como os de 22 de Março podem influenciar quem cria arte, no geral, e música, em particular?
No Domingo, dia 25, ao assistir a um concerto num festival em Oeiras, pude testemunhar outra vez a presença da polÃcia e do Corpo de Intervenção. Eram cerca de onze e vinte da noite quando apareceram, e apesar da organização do festival ter garantido uma licença para fazer ruÃdo até mais tarde, o concerto foi mesmo assim interrompido, o que originou contestação por parte do público, que tinha pago um bilhete para assistir ao concerto. Logo de seguida o Corpo de Intervenção começa a posicionar-se para "varrer o recinto", como o pôs um dos seguranças do festival, visivelmente assustado, e que nos pedia para sairmos o mais depressa possÃvel. Cerca de meia hora depois, os mesmos polÃcias achincalhavam as últimas pessoas que saiam e aproveitaram para começar a mandar parar carros e revistá-los.
Da minha parte, continuarei a fazer o que faço: a tocar música da melhor maneira que conseguir. Situações de merda de facto existem e as frustrações que as acompanham ventilarão sempre através dos nossos actos. Se estes eventos dos últimos dias me influenciaram de alguma forma? É inevitável dizer que sim, para bem e para mal. Mas mais do que isso, tornou-se para mim assustador e absolutamente inequÃvoco a confirmação de que a austeridade reforçou as defesas com um discurso e uma maneira de agir de cariz altamente agressivo e repressivo, digna do Estado Novo. E que não pode ser ignorado, pois não deixa margem para dúvidas quanto à mensagem que pretende transmitir: Vai trabalhar e cala-te, é a tua opção.
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