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A revolução não parará na procissão
· 28 Mai 2011 · 11:44 ·
É sempre complicado escrever uma elegia sobre alguém que não conhecÃamos pessoalmente. Um músico, ou qualquer outro artista que apreciemos, encontra-se na maior parte das vezes no panteão das figuras que nos afligem emocionalmente tal qual como se connosco falassem ou morassem - e isto poderá constituir até uma certa irracionalidade da nossa parte. Porque ou como é que a morte de alguém com quem nunca trocámos uma palavra nos entristece? A resposta não é necessária; acontece, e isso é tudo de que precisamos para nos dignarmos a pelo menos escrever algumas palavras sobre o falecimento do artista em questão.
Não parece ser necessário traçar a biografia de Scott-Heron; ela está bem documentada por esse mundo afora, a sua raiva poética está presente no texto que lhe deu um lugar fixo na cultura pop (mesmo que uma enorme percentagem não saiba nem nunca saberá quem foi o autor da frase célebre), a sua luta foi (é) a nossa luta. Por se tratar de um músico e este ser um magazine sobre música, importa destacar a obra discográfica: principalmente Pieces Of A Man, que sem sombra alguma é dos melhores discos soul alguma vez feitos; igualmente Winter In America, onde as palavras de "Rivers Of My Fathers" troam de dor e ao mesmo tempo de esperança; e, claro está, a "ressurreição" em I'm New Here, que infelizmente não viu o seu autor ficar por cá durante o tempo necessário até ser também ele considerado um clássico. Aos 62 anos, Gil Scott-Heron não sobreviveu à América. Nós que lhe sobrevivemos e que continuamos a nossa revolução diária, seja en masse como se assiste por agora no mundo seja individualmente, não poderemos deixar nunca de o esquecer. Que descanse na paz que poucas vezes teve por cá.
(Uma pequena nota pessoal, que este escriba não pode deixar de referenciar - e que será quiçá uma das razões para se sentir tão afectado; o concerto na Aula Magna e, posteriormente, I'm New Here constituÃram as primeiras resenhas que enviei para este espaço. Na altura escrevi que o disco era uma justificação acerca de tudo por que o poeta tinha passado - hoje, e enviando-lhe o meu pedido de desculpas, não acho que Scott-Heron tivesse de justificar porra alguma. Os grandes nunca precisam.)
pauloandrececilio@gmail.com