RETRO MANÍA
Irv Teibel e as Environments Series
· 29 Jan 2015 · 22:38 ·


Editados entre 1969 e 1979, os discos pertencentes à série Environments contêm das mais famosas gravações de campo alguma vez realizadas. Com efeito, pesquisando no Youtube por "sons do oceano" ou algo semelhante, o mais certo é que aquilo que escutemos seja retirado de uma destas rodelas de vinil. O autor destas gravações, Irving Solomon Teibel, era um produtor norte-americano dedicado ao estudo da psicoacústica, isto é, às relações entre as características do som em si e às sensações auditivas que o próprio provoca. Na mesma semana em que nos deparamos com a notícia de que Jeff Bridges está para lançar um álbum destinado a ajudar-nos a adormecer (e apropriadamente intitulado Sleeping Tapes), regressemos a estas gravações por alguns instantes.

Na época em que foram editados, os discos da série Environments tornaram-se bastante populares. Para tal, em muito contribuiu uma estrondosa operação de marketing: estes discos eram anunciados como sendo "o futuro da música", sem que se tratasse de música per se, e nas liner notes encontrávamos registos de "opiniões" de ouvintes que anunciavam o quão maravilhoso era ouvir estas gravações num cenário caseiro, de como os ajudavam a concentrarem-se nas suas tarefas, de como o seu sono ou até mesmo o sexo melhoravam. Naturalmente, o destino mais comum destes discos era a prateleira de casa e uma vida a receber pó após uma ou duas escutas.

Ainda assim, e escapando à jogada publicitária, há de facto algo de muito interessante a ser retirado destes registos, que é o tratamento que foi dado ao som em si. Teibel não se limitava a gravar estes sons da natureza, e não só; recorrendo a um computador IBM 360, manipulava e processava as gravações por norma a, segundo o próprio, "torná-las mais real do que o real", o que se traduz num registo aural fascinante de locais que muito provavelmente nunca visitaremos (importa dizer que, a auxiliá-lo nas gravações do som das ondas do mar que temos no primeiro número de Environments, estava Tony Conrad, também ele um explorador das capacidades do som). "Dawn At New Hope Pennsylvania", lado B do segundo disco (1970), é disto exemplo: o chilrear das aves é tão vívido que as mesmas nem sequer nos parecem reais, mas sim um produto artificial da ideia que se tem do som que faz o chilrear de uma ave. Se a manobra psicológica não resultar e não nos sentirmos realmente mais calmos ou tranquilos exclusivamente devido ao som, poderemos sempre apreciar o lado tecnológico.

Não apenas isso, como a série Environments acaba por ser um artefacto histórico interessantíssimo, tendo despoletado toda uma onda de cópias e plágios baratos (se é que poderemos chamar "plágio" a gravações de campo) e influenciado q.b. não só a sound art como também a música new age que se apoderou das prateleiras dos AKI desta vida. E se não fosse a new age, artistas como Oneohtrix Point Never ou aqueles sob o jugo da vaporwave não teriam um nicho a (re)tratar. Tenhamo-las como uma série de fotografias de diferentes locais, de um tempo distante, potenciadoras de histórias por imaginar.

Se de facto provocam as sensações terapêuticas que prometem, tal como Jeff Bridges ou até mesmo os Marconi Union, banda britânica que há anos criou a canção mais relaxante de sempre, apenas outros estudos, de cariz científico, o poderão comprovar. Se poderão ser considerados "música" ou mesmo "arte", a discussão tem pano para mangas. Encaremos a série Environments como aquilo que é na realidade: um excelente produto, uma pausa necessária do nosso próprio som caseiro, um retrato histórico de como a tecnologia evoluiu ao longo do último século.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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