RETRO MANÍA
An Eraser of Love
· 10 Out 2014 · 15:04 ·
Vinte anos depois, voltamos a debruçar-nos sobre Dubnobasswithmyheadman, álbum essencial da electrónica dos anos 90 - e não só.
No mesmo ano em que o grunge definharia, intimamente ligado que estava ao homem que possibilitou a sua explosão e que partiria deste mundo em Abril - Kurt Cobain -, o futuro era desenhado pelas mãos de Rick Smith num quarto-estúdio de um subúrbio oculto de Londres, Romford, que veio a inspirar um dos álbuns mais apropriados para quem vive num subúrbio: o ritmo negro, não industrial mais ainda assim reminiscente das fábricas que adornam a paisagem, melodias vestidas de trance paranóico e a alienação muito própria de quem faz viagens de casa para o trabalho e vice-versa a altas horas da noite enquanto sonha com os arranha-céus que a cidade grande possui. Poucos álbuns batem tanto a um puto com um emprego de merda, que ainda mora na casa dos pais, e que se vê obrigado a ir e voltar todos os dias na lata de sardinha gigantesca e financiada pelo Estado a que chamam de transportes públicos. Ride the sainted rhythms on the midnight train to Romford...
Dubnobasswithmyheadman, título arrastado como o discurso de um alcoólico (sem que tenhamos de fazer quaisquer menções ao problema anterior de Karl Hyde), provocou em 1994 a segunda revolução industrial no que à música diz respeito. Tal como os Kraftwerk o haviam feito décadas antes, os Underworld colocaram esse bicho raro conhecido como malta do rock a ouvir música electrónica, pavimentando o caminho para a mini-explosão que se seguiu: Prodigy, Chemical Brothers, Fatboy Slim, tudo gente com passados nas guitarras que trocou esse equipamento pelo calor de um computador. Vinte anos após a sua edição, em Janeiro, o microcosmos rave volta a abalar as estruturas do objecto volátil denominado moda e faz com que toda a gente comece a falar de uma coisa chamada EDM. EDM é exactamente aquilo que o seu acrónimo define e não um género musical de pleno direito: EDM é isto, é Underworld, música de dança electrónica que tanto pode ser trance como techno como house como art rock sintetizado. Sem o sucesso inicial de Dubnobasswithmyheadman e a posterior "Born Slippy", ainda hoje um dos pedaços de música mais vitais e essenciais deste planeta, os clones rave que pululam pela terceira revolução, pós-dubstep, não existiriam.
Agradeça-se, então (?) ao álbum que um subúrbio de Londres traçou e que a música de Rick Smith, alinhada às letras e aos vocais maníaco-obsessivos de Karl Hyde - pequenos poemas escritos como graffiti -, e ao talento do à altura jovem DJ Darren Emerson, colocou em prática. Dubnobasswithmyheadman provou que é no experimentar que está a virtude, que até a banda pop mais rasca - como o eram os Underworld nos anos 80 e, antes disso, os Freur - contém em si o mínimo de talento para colocar no mundo uma obra de arte tão perfeita e essencial hoje como o era à altura do seu lançamento, em que era visto como o disco mais importante desde a estreia dos Stone Roses e o melhor desde Screamadelica. Visto em retrospectiva, e conhecendo nós muito mais música editada desde então, talvez não seja bem assim. Mas o disco que "ressuscitou" os Underworld após as tentativas synthpop falhadas dos dois primeiros registos da sua carreira mantém-se ainda hoje como um capítulo essencial dentro da história quase centenária da música electrónica. Agora que foi reeditado e expandido, em versões de dois e cinco CDs bónus, torna-se imperativo voltar a ele: psicogeografia suburbana adaptada a uma rodela de acrílico. Nem o mundo nem a música electrónica voltaram a ser os mesmos.
pauloandrececilio@gmail.com
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