RETRO MANÍA
Carlos Maria Trindade / Nuno Canavarro, Mr. Wollogallu
· 05 Mar 2018 · 17:10 ·
Sr. Wollogallu, é um prazer voltar a vê-lo


Pensemos, por breves instantes, no Portugal musical dos anos 80 e inícios dos anos 90. Os primeiros nomes que nos vêm à cabeça são, todos eles, omnipresentes: Xutos & Pontapés, GNR, Mão Morta, Madredeus, Heróis Do Mar, UHF. Mais abaixo, os nomes que podem ser considerados "de culto": Croix Sainte, Telectu, Mler Ife Dada, Pop Dell'Arte. E mais abaixo ainda? Os nomes que ninguém conhece ou conhecia - até que um estranho, do alto da sua bondade, abre a sua gabardina e nos mostra aquilo que encontrou, e que quer espalhar pelo mundo como um segredo menos bem guardado.

É assim Nuno Canavarro, um nome que nem sequer tinha sido apagado (não que tivesse sido relembrado por muitas vezes; pairava sobretudo a indiferença) da memória: pertenceu aos Street Kids e aos Delfins, fez as bandas-sonoras de alguns filmes nacionais. Mas foi com Plux Quba, álbum editado em 1988 e reeditado em 1999 pela Moikai de Jim O'Rourke, que Canavarro voltou a entrar no léxico da melomania nacional - sobretudo com a expansão da Internet, com a proliferação de websites como o Discogs e com a criação de plataformas como o Soulseek.



Plux Quba foi revisitado, entrou em listas dos melhores álbuns portugueses de sempre, encontrou nova reedição na Drag City e chegou aos ouvidos de miúdos que fazem alguma da música mais relevante de hoje em dia (como os Ermo, por exemplo). Nada mau para um objecto que até há bem pouco tempo não deveria sequer dar qualquer resultado no Google. Talvez seja um caso típico de menosprezo português: tendemos a ignorar os nossos até que alguém de fora os elogia. O autor deste texto faz o seu próprio mea culpa: não teria chegado ao disco se não o tivesse visto em listas, se não tivesse lido resenhas de Wires e Pitchforks, se não tivessem comparado a sua sonoridade à dos Boards Of Canada.

Foi assim com Plux Quba, será assim com Mr. Wollogallu, álbum de Carlos Maria Trindade e Nuno Canavarro, que foi reeditado em Janeiro através da catalã Urpa I Musell. Gravado em 1990, o álbum divide-se em duas partes, assinadas por cada um dos músicos (sendo que, apesar disso, colaboraram entre si em todos os temas que aqui se escutam). É comum, ao descobrir-se uma obra de arte deste tipo, escrever-se que estava à frente do seu tempo - a arqueologia, ligada à melomania, também se dá por vezes a alguns exageros. No entanto, neste caso o busílis é, não "adoro bolos", mas sim "é bem possível que isso seja verdade".



Basta escutar os primeiros segundos de "The Truth", onde toda uma era hipnagógica e vaporwave pós-Internet parece caber em todos os seus três minutos e trinta e sete, qual máquina de Anticítera perdida no tempo e na ciência. Mr. Wollogallu estava à frente, sim, mas também olhava para trás, para o ambient segundo Brian Eno e para a mistura de músicas de conjuntos como a Penguin Café Orchestra - que utilizava inúmeros instrumentos na criação de uma música ao mesmo tempo clássica e moderna, mentalmente desafiante e relaxante. Como "Guiar", a guitarra soando mediterrânica e a praia a levantar-se dentro dos nossos olhos.

Essa mesma guitarra ouve-se também em "Plan", que parece ser canção-irmã da anterior, pontuada com sopros oriundos de países distantes tornados próximos pela música. O lounge exótico de "X.Pect", o tribalismo de "Blu Terra" (a electrónica a cruzar todo um mundo), as explorações melódicas de "Ven 5", o espaço em "Segredos M." (arcianos?)... Há muitos bons motivos para nos encontrarmos com o Sr. Wollogallu - que andou desaparecido mas, felizmente, sempre volta para contar a sua história. Ouçamo-lo enquanto ainda temos tempo, orando para que nunca mais se vá embora.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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