RETRO MANÍA
She came from planet Claire
· 01 Set 2013 · 23:42 ·
Julianna Barwick, apresento-te Claire Hamill, Claire, esta é a Julianna.


A voz. Repetida harmoniosamente em loop. Sobreposta. De melodias iguais e diferentes. Teclas esporádicas a acompanhar a sucessão de camadas em cima de camadas que tornam o “a capella” a coisa mais bela, etérea, mágica e poderosa deste mundo ou até de outros mundos. Esta descrição responde à questão “a Julianna Barwick é fantástica?”. Claro que é. Se a pergunta fosse “com qual das duas – Julianna ou Claire - gostavas de ter um encontro para sair, dançar e talvez...?”, claro que preferia a bem mais novinha e gira Julianna. Se a pergunta fosse “De todos os discos das duas, qual o teu preferido?”, a resposta continuaria na órbita da americana Julianna, com o fenomenal EP Florine no topo, o “disco do ano” The Magic Place a acompanhar e um novo disco em 2013 a arregalar-nos. Mas à questão “Qual delas começou primeiro?”, a resposta é clara. Aqui não há a história do ovo e da galinha, aliás, a piadinha estúpida da “mais novinha e gira Julianna” já deu a resposta: sim, Claire, a inglesa, veio primeiro.

Para responder à questão “Mas quem o raio é Claire?”, saiba que nasceu novinha para a música nos anos setentas britânicos embebidos em folk. Comparam-na logo a Joni Mitchell. Nesse embalo fez discos interessantes a pender progressivamente para o pop, fez primeiras-partes ao de John Martyn ao vivo, andou pela editora de Ray Davies (dos Kinks), cantou com os King Crimson, Rick Wakeman, entrou nos oitentas a cantar para Jon and Vangelis até que de repente, viu a luz do então crescente movimento New Age. Comissariada pela BBC e Channel 4, começou a fazer música que anos mais tarde lhe deram fama televisiva com a série de vídeos “The Art of Landscape” que passariam todas as manhãs na BBC já nos anos noventa. Uma espécie de Myzen.tv para intervalos, umas décadas antes. O maravilhoso Voices, de 1986, foi banda sonora integrante desses vídeos de contemplação relaxante, paisagista e sonora.



Vivia-se na época de Enya, é natural haver quem as compare. Em alguns discos dessa fase é compreensível, mas neste em particular, Claire Hamill conseguiu algo à parte. Muito mais profundo, misterioso, mágico e minimal, muito mais New Wave do que New Age, muito mais Barwick em linha descendente de Joan La Barbara, Meredith Monk ou Laurie Anderson, no fundo, as verdadeiras pioneiras. Em Voices Claire deixa as letras, as palavras, para se assumir como instrumento ela própria. Na companhia de umas teclas e de uns ritmos digitais ocasionais, faz onamatopeicamente todas as vozes, usando um clássico sampler Prophet 2000 em jogos idênticos na técnica mas oponentes no minimalismo vs maximalismo dos seus contemporâneos Cocteau Twins. É engraçado Julianna nunca ter referido Claire como inspiração, as semelhanças, por vezes, são mesmo óbvias. Inesperadamente ou até não, a referência e reconhecimento veio da canadiana Claire Boucher (Grimes), que já se confessou fã deste disco de outro planeta. Não era de admirar se Julia Holter se juntasse ao clube.











Nuno Leal
nunleal@gmail.com

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