Nuno Prata / Josh Rouse
Fórum Lisboa, Lisboa
17 Dez 2004
Josh Rouse é um tipo com estilo - muito estilo. Cabelo bem cortado, barba feita, camisa chique, estilo. Um hipster. Nuno Prata é o contrário - pouco estilo. Cabelo desgrenhado, barba sempre por fazer, vestido de forma despreocupada. Um hippie. Contudo, têm algo em comum: são ambos grandes escritores de canções. No quinze do doze de vintezeroquatro, apresentaram-se ambos no Fórum Lisboa, para um concerto que, por acaso, acabou por ser memorável.
É claro que aquilo não era um concerto do Nuno Prata. Ex-baixista dos Ornatos Violeta, nos últimos tempos tem vindo a mostrar as canções que foi escrevendo - que são muitas e boas - ao longo dos tempos. É pena que hoje em dia actue maioritariamente sozinho, pois o seu projecto Nuno, Nico faz com que as canções ganhem uma nova vida. Mas Nicolas Tricot, o percussionista e multi-instrumentista francês que o acompanha, nem sempre pode andar por Portugal. Nuno escreve canções em português como, arrisco-me a dizê-lo, ninguém o faz agora. Tem um pouco de Sérgio Godinho, um pouco de Chico Buarque, até um pouco de Manel Cruz, seu companheiro nos Ornatos Violeta. Mas, ao contrário de Cruz, e dos seus Pluto, Nuno Prata ainda não encontrou o seu espaço e público na música portuguesa. Não que não o mereça, mas é difícil fazer-se afirmar sem um contrato discográfico. Esperava-se que esta noite fosse mudar isso, que desse mais cobertura ao artista e que lhe trouxesse fãs. Contudo, isso não aconteceu. A música de Nuno Prata é como a sua aparência. Descuidada, despreocupada, mas sobretudo verdadeira. E humana. Não é um músico de excepção, não é um cantor de excepção, mas tem um grande dom para criar belas melodias e belas letras que dão origem a belas canções. Apresentar-se em frente de uma sala cheia, sozinho em palco, apenas com o seu baixo e a sua guitarra acústica, é difícil. Notou-se o seu nervosismo, ainda não parece estar habituado a tocar sozinho. O público também não ajudou em nada. Riam-se dos títulos das canções, sempre com desprezo. Uma "figura pública", apresentadora de um certo programa de televisão, fazia "piadas" com títulos das canções. Por exemplo, uma canção chamada "Pobre de mim" deu origem a um "Pobre de nós" e um riso descontrolado e prolongado próprio de gente extremamente infantil que não deixa os outros prestarem atenção aos concertos. Tocou um punhado de temas, só dois dos quais estão na sua maqueta. Tocou canções novas, como "Nós não", um manifesto daqueles que em nada contribuem para a sociedade activa e o desenvolvimento do país em jeito cowboy. É isto, Nuno Prata. Um tipo com canções muito boas que ainda não conseguiu arranjar a melhor maneira de fazer ouvir-se. Precisa urgentemente de editar um disco. É imperativo.
Se um cantava em português e não era a estrela da noite, outro cantava em inglês e era a estrela da noite. É tão simples quanto isso. Como duas faces da mesma moeda, tínhamos outra modalidade de escritor de canções. Mais profissional, mais cuidada, mas que consegue ter um impacto e tom confessional semelhantes. Uma boa voz, bem colocada, uma boa técnica de guitarra e boas canções. Sobretudo, óptimas canções. Já tinha estado na FNAC do Chiado para um showcase de 6 temas à tarde. Já aí tinha demonstrado o seu carisma, a sua graça. Mas só começou a aquecer nos dois últimos temas, que pediram mais do público - "Love Vibration" e "Come Back", ambos do último disco "1972" - com palmas e cantoria. Um tipo, sozinho em palco, apenas munido da sua voz e uma guitarra acústica, consegue fazer um espectáculo. Mesmo que, por vezes, notemos lá a falta da banda. O público estava feliz. Feliz por ver um bom escritor de canções. Feliz por ver um bom escritor de canções cujas canções conhecia. É notório o sucesso que 1972 fez no nosso país. Josh Rouse encheu, sem problemas, o Fórum Lisboa, tendo esgotado os bilhetes. E isto apenas por causa do já referido disco, sendo os anteriores quase desconhecidos por cá. Sendo assim, é óbvio que os momentos altos da noite tenham sido os temas desse disco, como os dois já referidos que fizeram furor na FNAC. Para além desses, é preciso tirar o chapéu a temas como "Flight Attendant", onde a melodia, tocada pelo piano no disco, foi assobiada por vários membros do público. Não em uníssono, mas em tons diferentes. É uma coisa que fica gira. É um grande entertainer, Josh Rouse, e é também aí que difere de Nuno Prata. Consegue ser intimista, confessional, verdadeiro ou humano, qualidades básicas num bom escritor de canções, mas fá-lo sendo extremamente profissional e entretendo. O registo de voz é muito bonito e bom de se ouvir. Tem um falsete contido e nada foleiro. Na guitarra consegue jogar com o facto de não ter a banda a acompanhá-lo e dar a volta às canções de forma a que pareçam mesmo completas, ainda sentimos a falta da banda, mas não faz mal. Já na FNAC tinha sido o mesmo, a guitarra não parece ser das melhores. Havia lá qualquer coisa que não estava bem, um arranhar que não parece ter sido causado pela boa técnica de Rouse. Também trouxe a harmónica, num jeito dylanesco, criando um momento bem bonito. Depois de uma hora de concerto, Rouse despede-se do público. Volta ainda duas vezes durante a noite. Previsivelmente, tendo já lançado todos os seus trunfos, só podia acabar o concerto com versões de outros artistas. Ou isso ou era obrigado a repetir temas. Falou-nos de como um dos seus heróis absolutos é Tom Waits - 1972, para além do ano de nascimento de Josh Rouse, foi também o ano de lançamento de "Closing Time", o primeiro disco do trovador de voz enevoada - e toca não um, mas dois temas dele. E depois acaba. Abana-se e rocka, apenas com a guitarra acústica. Um belo final, com algumas influências da guitarra espanhola de flamenco. É que Josh Rouse tem vivido nos últimos tempos em Espanha. Não se assombrem se ele bater à porta a pedir-nos açúcar, é nosso vizinho. Foi o que ele disse.
Dois escritores de canções, sozinhos em palco. Duas faces de uma mesma moeda, postas uma contra a outra. De um lado, o português pobrezinho, mal vestido e humano. Do outro, o americano rico, bem vestido, mas também humano. Desta vez ganhou o americano, mas podia não ter ganho. Josh Rouse é um grande artista. E vocês sabem do que eu estou a falar.
É claro que aquilo não era um concerto do Nuno Prata. Ex-baixista dos Ornatos Violeta, nos últimos tempos tem vindo a mostrar as canções que foi escrevendo - que são muitas e boas - ao longo dos tempos. É pena que hoje em dia actue maioritariamente sozinho, pois o seu projecto Nuno, Nico faz com que as canções ganhem uma nova vida. Mas Nicolas Tricot, o percussionista e multi-instrumentista francês que o acompanha, nem sempre pode andar por Portugal. Nuno escreve canções em português como, arrisco-me a dizê-lo, ninguém o faz agora. Tem um pouco de Sérgio Godinho, um pouco de Chico Buarque, até um pouco de Manel Cruz, seu companheiro nos Ornatos Violeta. Mas, ao contrário de Cruz, e dos seus Pluto, Nuno Prata ainda não encontrou o seu espaço e público na música portuguesa. Não que não o mereça, mas é difícil fazer-se afirmar sem um contrato discográfico. Esperava-se que esta noite fosse mudar isso, que desse mais cobertura ao artista e que lhe trouxesse fãs. Contudo, isso não aconteceu. A música de Nuno Prata é como a sua aparência. Descuidada, despreocupada, mas sobretudo verdadeira. E humana. Não é um músico de excepção, não é um cantor de excepção, mas tem um grande dom para criar belas melodias e belas letras que dão origem a belas canções. Apresentar-se em frente de uma sala cheia, sozinho em palco, apenas com o seu baixo e a sua guitarra acústica, é difícil. Notou-se o seu nervosismo, ainda não parece estar habituado a tocar sozinho. O público também não ajudou em nada. Riam-se dos títulos das canções, sempre com desprezo. Uma "figura pública", apresentadora de um certo programa de televisão, fazia "piadas" com títulos das canções. Por exemplo, uma canção chamada "Pobre de mim" deu origem a um "Pobre de nós" e um riso descontrolado e prolongado próprio de gente extremamente infantil que não deixa os outros prestarem atenção aos concertos. Tocou um punhado de temas, só dois dos quais estão na sua maqueta. Tocou canções novas, como "Nós não", um manifesto daqueles que em nada contribuem para a sociedade activa e o desenvolvimento do país em jeito cowboy. É isto, Nuno Prata. Um tipo com canções muito boas que ainda não conseguiu arranjar a melhor maneira de fazer ouvir-se. Precisa urgentemente de editar um disco. É imperativo.
Se um cantava em português e não era a estrela da noite, outro cantava em inglês e era a estrela da noite. É tão simples quanto isso. Como duas faces da mesma moeda, tínhamos outra modalidade de escritor de canções. Mais profissional, mais cuidada, mas que consegue ter um impacto e tom confessional semelhantes. Uma boa voz, bem colocada, uma boa técnica de guitarra e boas canções. Sobretudo, óptimas canções. Já tinha estado na FNAC do Chiado para um showcase de 6 temas à tarde. Já aí tinha demonstrado o seu carisma, a sua graça. Mas só começou a aquecer nos dois últimos temas, que pediram mais do público - "Love Vibration" e "Come Back", ambos do último disco "1972" - com palmas e cantoria. Um tipo, sozinho em palco, apenas munido da sua voz e uma guitarra acústica, consegue fazer um espectáculo. Mesmo que, por vezes, notemos lá a falta da banda. O público estava feliz. Feliz por ver um bom escritor de canções. Feliz por ver um bom escritor de canções cujas canções conhecia. É notório o sucesso que 1972 fez no nosso país. Josh Rouse encheu, sem problemas, o Fórum Lisboa, tendo esgotado os bilhetes. E isto apenas por causa do já referido disco, sendo os anteriores quase desconhecidos por cá. Sendo assim, é óbvio que os momentos altos da noite tenham sido os temas desse disco, como os dois já referidos que fizeram furor na FNAC. Para além desses, é preciso tirar o chapéu a temas como "Flight Attendant", onde a melodia, tocada pelo piano no disco, foi assobiada por vários membros do público. Não em uníssono, mas em tons diferentes. É uma coisa que fica gira. É um grande entertainer, Josh Rouse, e é também aí que difere de Nuno Prata. Consegue ser intimista, confessional, verdadeiro ou humano, qualidades básicas num bom escritor de canções, mas fá-lo sendo extremamente profissional e entretendo. O registo de voz é muito bonito e bom de se ouvir. Tem um falsete contido e nada foleiro. Na guitarra consegue jogar com o facto de não ter a banda a acompanhá-lo e dar a volta às canções de forma a que pareçam mesmo completas, ainda sentimos a falta da banda, mas não faz mal. Já na FNAC tinha sido o mesmo, a guitarra não parece ser das melhores. Havia lá qualquer coisa que não estava bem, um arranhar que não parece ter sido causado pela boa técnica de Rouse. Também trouxe a harmónica, num jeito dylanesco, criando um momento bem bonito. Depois de uma hora de concerto, Rouse despede-se do público. Volta ainda duas vezes durante a noite. Previsivelmente, tendo já lançado todos os seus trunfos, só podia acabar o concerto com versões de outros artistas. Ou isso ou era obrigado a repetir temas. Falou-nos de como um dos seus heróis absolutos é Tom Waits - 1972, para além do ano de nascimento de Josh Rouse, foi também o ano de lançamento de "Closing Time", o primeiro disco do trovador de voz enevoada - e toca não um, mas dois temas dele. E depois acaba. Abana-se e rocka, apenas com a guitarra acústica. Um belo final, com algumas influências da guitarra espanhola de flamenco. É que Josh Rouse tem vivido nos últimos tempos em Espanha. Não se assombrem se ele bater à porta a pedir-nos açúcar, é nosso vizinho. Foi o que ele disse.
Dois escritores de canções, sozinhos em palco. Duas faces de uma mesma moeda, postas uma contra a outra. De um lado, o português pobrezinho, mal vestido e humano. Do outro, o americano rico, bem vestido, mas também humano. Desta vez ganhou o americano, mas podia não ter ganho. Josh Rouse é um grande artista. E vocês sabem do que eu estou a falar.
· 17 Dez 2004 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueirarodrigo.nogueira@bodyspace.net
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