Spring Heel Jack + Wadada Leo Smith
Teatro Académico Gil Vicente, Coimbra
04 Dez 2004
Jam passion
Aos mais distraídos e àqueles que não marcaram presença no derradeiro espectáculo do Jazz ao Centro – Parte II, um aviso: os Spring Heel Jack (SHJ) das experiências drum’n’bass e dub preconizadas em álbuns como “68 Million Shades” já não existem. Àqueles que não o sabiam e que acabam de magicar um protesto frente às casas de Ashley Wales e de John Coxon – os mentores do projecto -, um conselho: Calma! O presente é sedutor e recomenda-se (em doses moderadas). Naquela que foi a sua primeira passagem por Portugal, a dupla britânica, auxiliada pelo leque de cúmplices presente no bem próximo The Sweetness of the Water - o célebre trompetista Wadada Leo Smith (W.), o contrabaixista John Edwards e o baterista Mark Sanders [só faltou Evan Parker] -, confirmou as suspeitas que vaticinavam longevidade para o namoro com a improvisação jazzística. São cerca de 22 horas quando ao palco do TAGV – pequeno para tantas ferramentas – desce uma criatura que jantara, há pouco tempo, uma série de músicos profissionalões para tocarem, em soirée, dentro de si. Chama-se Spring Heeled Jack (figura que inspirou o nome do projecto) e, segundo uma lenda londrina, cospe uma chama branca e azul, salta casas e muros, e vitima jovens raparigas. Os reclusos, no escuro da sala, vão discursando, cada um para seu lado, notas, acordes e ritmos sobre a inconstância da água, rompendo convenções.
Ao segundo tema, responsável pela primeira ovação da noite, a harmonia - mais instrumental do que humana - é evidente. Quando Coxon, com ar-de-rapaz-de-tudo-menos-do-jazz, larga o piano de cauda preta para arranhar uma guitarra eléctrica, as águas ganham uma fúria inebriante e isto apenas acontece porque o contrabaixo e a bateria aceitam marcar o ritmo de uma noite de sexo hardcore com a guitarra. W., fora de cena, observa, no seu ar tranquilo, a doce esquizofrenia ensaiada pelos companheiros mais novos. Mais tarde, quando o trompetista – 60 anos, juba afro, olhos cerrados durante maior parte da actuação - tem o seu momento de glória solitária, “os mais novos” tornam-se público boquiaberto. “Lata”, uma bela e infantil toada saída da maquinaria de Wales – o porta-voz do colectivo - assinala a visão de belas sereias penteando longos cabelos à superfície da água. O que por ali acontece depois, em dois sets e dois encores, passa pela melancolia de uma balada ao piano (pré-gravada porquê?), ao jeito de “Blue Velvet” para amantes em noite de despedida, em bar fumado; por diálogos intraduzíveis entre uma bateria e uma guitarra ruidosa; por blues lentos a evocar Ry Cooder; por ecos de trompete arrepiantes; ou ainda por águas turbulentas prontas a devastar uma cidade inteira.
Ao primeiro encore, a descontracção dos músicos manifesta-se finalmente. Entre o público (heterogéneo, diga-se), há os que dormem, os dispostos a mandar bancos às urtigas para dançar e os lugares abandonados pelos descontentes. Quando já poucos acreditam nele, o regresso acontece. No fim, já mais desperto, W. posa para as fotografias. E o motim - apenas recompensador para quem preza o estímulo da imaginação - morre, após duas horas dadas a sabores pouco vulgares.
Aos mais distraídos e àqueles que não marcaram presença no derradeiro espectáculo do Jazz ao Centro – Parte II, um aviso: os Spring Heel Jack (SHJ) das experiências drum’n’bass e dub preconizadas em álbuns como “68 Million Shades” já não existem. Àqueles que não o sabiam e que acabam de magicar um protesto frente às casas de Ashley Wales e de John Coxon – os mentores do projecto -, um conselho: Calma! O presente é sedutor e recomenda-se (em doses moderadas). Naquela que foi a sua primeira passagem por Portugal, a dupla britânica, auxiliada pelo leque de cúmplices presente no bem próximo The Sweetness of the Water - o célebre trompetista Wadada Leo Smith (W.), o contrabaixista John Edwards e o baterista Mark Sanders [só faltou Evan Parker] -, confirmou as suspeitas que vaticinavam longevidade para o namoro com a improvisação jazzística. São cerca de 22 horas quando ao palco do TAGV – pequeno para tantas ferramentas – desce uma criatura que jantara, há pouco tempo, uma série de músicos profissionalões para tocarem, em soirée, dentro de si. Chama-se Spring Heeled Jack (figura que inspirou o nome do projecto) e, segundo uma lenda londrina, cospe uma chama branca e azul, salta casas e muros, e vitima jovens raparigas. Os reclusos, no escuro da sala, vão discursando, cada um para seu lado, notas, acordes e ritmos sobre a inconstância da água, rompendo convenções.
Ao segundo tema, responsável pela primeira ovação da noite, a harmonia - mais instrumental do que humana - é evidente. Quando Coxon, com ar-de-rapaz-de-tudo-menos-do-jazz, larga o piano de cauda preta para arranhar uma guitarra eléctrica, as águas ganham uma fúria inebriante e isto apenas acontece porque o contrabaixo e a bateria aceitam marcar o ritmo de uma noite de sexo hardcore com a guitarra. W., fora de cena, observa, no seu ar tranquilo, a doce esquizofrenia ensaiada pelos companheiros mais novos. Mais tarde, quando o trompetista – 60 anos, juba afro, olhos cerrados durante maior parte da actuação - tem o seu momento de glória solitária, “os mais novos” tornam-se público boquiaberto. “Lata”, uma bela e infantil toada saída da maquinaria de Wales – o porta-voz do colectivo - assinala a visão de belas sereias penteando longos cabelos à superfície da água. O que por ali acontece depois, em dois sets e dois encores, passa pela melancolia de uma balada ao piano (pré-gravada porquê?), ao jeito de “Blue Velvet” para amantes em noite de despedida, em bar fumado; por diálogos intraduzíveis entre uma bateria e uma guitarra ruidosa; por blues lentos a evocar Ry Cooder; por ecos de trompete arrepiantes; ou ainda por águas turbulentas prontas a devastar uma cidade inteira.
Ao primeiro encore, a descontracção dos músicos manifesta-se finalmente. Entre o público (heterogéneo, diga-se), há os que dormem, os dispostos a mandar bancos às urtigas para dançar e os lugares abandonados pelos descontentes. Quando já poucos acreditam nele, o regresso acontece. No fim, já mais desperto, W. posa para as fotografias. E o motim - apenas recompensador para quem preza o estímulo da imaginação - morre, após duas horas dadas a sabores pouco vulgares.
· 04 Dez 2004 · 08:00 ·
Tiago Carvalhotcarvalho@esec.pt
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