Lhasa de Sela tem um culto impressionante em Portugal. Não é uma artista que venda muitos discos cá no nosso país, mas consegue encher uma Aula Magna. Uma tipa simpática, criada entre os EUA e o México, com ascendência libanesa, um espírito livre enche uma Aula Magna. Com dois álbuns - "La Llorona" e "The Living Road" - esta senhora já criou uma sólida reputação de grande artista. Que é o que é.
Posto isto, a Aula Magna não é o melhor sítio para um espectáculo como aquele que Lhasa trouxe agora em Portugal. Uma sala como o Santiago Alquimista - com todos os seus defeitos - criaria um ambiente mais intimista para este tipo de espectáculo. Mas se alguém esgota praticamente uma Aula Magna, o que é que se há de fazer? Ainda por cima sendo esta a segunda vez no mesmo ano que Lhasa mete os pés - que por acaso nem estavam descalços - em Portugal. É obra. A par de Kimmo Pohjonen, o acordeonista demoníaco finlandês, é uma das artistas preferidas da promotora Sons em Trânsito, que tem trazido várias vezes - e bem - estes artistas cá à terra. Porque cada espectáculo seu é diferente, com uma música que está sempre a evoluir. A música de Lhasa juntou velhos, novos, o que quer que fosse. Três homens de negócios - fato, gravata e telemóvel catita - conversavam sobre os tempos e os amores de juventude ou óperas no Pavilhão Atlântico e eis que entra Lhasa de Sela acompanhada pela sua banda. Um guitarrista, um baterista/percussionista, um teclista euma violoncelista era a formação. Bons músicos quase todos também percussionistas, e ao que parece, desde a última aparição em Lisboa, a violoncelista aprendeu a tocar cavaquinho, apareceu um baterista/percussionista e o tema "Meu Amor", popularizado por Amália Rodrigues, entrou na setlist regular dos concertos.
© Luís Bento
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A voz de Lhasa, por muito boa que seja, demorou uns tempos a aquecer. No princípio não estava no ponto, havendo até algumas falhas aqui e ali. Também a sua voz não é das melhores para perceber o que diz - um pouco como Amália Rodrigues. O que interessa ali não é a letra, é a emoção. Por isso é que não faz diferença cantar em espanhol, francês, inglês ou português.
Uma característica interessante em Lhasa é que esta se esforça por agradar o seu público. Se é onde quer que esteja ou só em Portugal é que não dá para perceber. Lendo de uma folha de papel, num português rudimentar, mas ainda assim muito simpático, vai contando as suas histórias. Do seu pai, que diz ser um filósofo, de sentimentos de culpa da infância, das suas letras...tudo contado com uma graça que dela emana, isto é, a maior graça que se pode ter quando está a ler-se algo numa língua estrangeira que não se domina. Isto para além de "Meu Amor, Meu Amor", de Amália Rodrigues, que o seu guitarrista americano interpreta na sua melhor emulação de uma guitarra portuguesa tocada por um mestre português. Uma mexicana-libanesa-francesa-o-que-quer-que-seja a cantar um fado português com a ajuda de um guitarrista americano ilustra justamente aquilo que é a música de Lhasa. Tem um pouco de tudo. Música francesa, mexicana, um pouco de rock, um pouco de jazz, entre muitas outras coisas.
O guitarrista traz o rock, o country e o jazz, as americanadas com a sua Fender Telecaster, a sua guitarra acústica ou a steel guitar. É um bom guitarrista, mas também dá uns toques no trompete. O baterista, que é mais um percussionista, também é um bom músico, mas a estrela do espectáculo é mesmo a violoncelista. Tem uma graciosidade fora do normal, também canta em dueto com Lhasa, e até pega no cavaquinho. Também dá os seus toques na percussão, como o resto da banda.
Há momentos em que o espectáculo se transforma numa festa, há momentos comoventes, intimistas, apenas com a voz de Lhasa e do seu pianista. É um espectáculo variado, profissional, belo.
Lhasa é uma verdadeira artista. De passado nómada, não pode ser categorizada num só sítio, não é uma só coisa. É muitas coisas ao mesmo tempo. Muita música ao mesmo tempo, uma misturada das boas. Portugal gosta, e esta parece gostar de Portugal. Mesmo que se transforme numa artista que quase "vive" cá, como os Tindersticks - banda com a qual já gravou um tema, bem belo, por sinal, "Sometimes it hurts" - ou os Lamb, ou coisa que o valha, não importa. Se continuar assim, mesmo mantendo o mesmo disco, a mudar coisas na sua banda, a evoluir, não há mal nenhum. Pouco menos de duas horas, dois encores inclusos, duas ou três vezes por ano não fazem mal a ninguém, só fazem bem. Porque Lhasa de Sela faz bem. Aquilo que faz, faz muito bem.
rodrigo.nogueira@bodyspace.net