Foda-se. Foda-se. Foda-se. É a única expressão aplicável. Temos dois tipos nórdicos em palco, vestidos de uma maneira ridÃcula e com cortes de cabelo ridÃculos. Se os vÃssemos na rua, gozarÃamos com eles. Mas, como não estamos a vê-los na rua e até pagámos, ficamos boquiabertos. A conseguir dizer qualquer coisa, dirÃamos apenas "Foda-se!". Não há outras expressões passÃveis de serem aplicadas a este momento.
Kimmo Pohjonen é finlandês e explora o acordeão até ao tutano. Já foi dito mil vezes. Teve milhares de projectos, música para dança contemporânea, projectos pop/rock, colaborações com conjuntos com o Kronos Quartet, etc. É um acordeonista de excepção, mas não é apenas disso. Chamar àquilo que ele faz com o acordeão "tocar acordeão" é, como se diz em inglês, um understatement (utilizar palavras inglesa ajuda a internacionalização). Arranha, esfola, mata, espanca, maltrata, acarinha, acaricia, dá festinhas, faz tudo com o acordeão.
Kimmo Pohjonen Kluster é o projecto que partilha com Samuli Kosminen, percussionista, conhecido como membro do grupo islandês Múm. Ou seja, temos do lado direito do palco (esquerdo para quem está a ver) um tipo manÃaco a "tocar acordeão" e a dar gritos, ou mesmo a cantar, e do lado esquerdo do palco (direito para quem está a ver) um tipo manÃaco com um pad e outras maquinetas a tocar percussão e a fazer loops daquilo que Kimmo toca.
© Luís Bento
|
Não é world music, não passa de dois tipos em palco, mas parece a banda sonora do apocalipse. Ora são momentos de uma beleza intimista, ora momentos de pura destruição satânica. Vai andando, andando, podia vir um furacão que a sua força nunca se equipararia à do espectáculo Kluster. E, de repente, o finlandês do corte de cabelo ridÃculo põe o acordeão no chão e começa a fazer barulhos com a boca. Parece um bebé, a acordar, a esconder-se. A isto, tomem notas, chama-se performance. Fica nisto durante uns tempos. Lá volta a pegar no acordeão e pronto. Não há palavras para descrever. É um lugar-comum, sim, mas desta vez não há mesmo.
O público, constituÃdo em parte por gente que não sabia aquilo que ia ver, que ia à procura da "cultura" ou coisa que o valha, batia palmas quando não era para bater. Por coincidência, estas ficaram num sample usado como loop, para base de um tema.
Mais ou menos uma hora e qualquer coisa depois do inÃcio, Kimmo e Samuli despedem-se. Não sem voltar duas vezes, após ovações em pé de muito do público.
Há quem peça para pararmos de chamar a Kimmo Pohjonen "Diabo". Quem esteve lá, no Fórum Lisboa, percebe que não há outra designação para o homem. Ele é a encarnação do Diabo, mas nós gostamos.
rodrigo.nogueira@bodyspace.net