Takaakira "Taka" Goto, o guitarrista principal dos japoneses Mono, já tinha avisado: “Quando a audiência é pequena, tornamo-nos mais violentos. Tentamos matá-los com o som”. Ora, quem conhece o Mercedes (que hoje mais parecia um carro japonês) sabe que as dimensões do bar são bastante reduzidas, e quem lá esteve para o concerto de bom grado admitirá que uma violenta onda sonora abalou as hostes durante cerca de uma hora. A actuação, que estava marcada para as onze da noite, começaria com cerca de duas horas e meia de atraso, o que fez com que, automaticamente, os Mono tivessem de se esforçar ainda mais para agradar a uma plateia que aguardava ansiosamente a entrada em cena. Takaakira "Taka" Goto (guitarra), Tamaki (baixo), Yasunori Takada (bateria) e Yoda (guitarra) entraram no palco mudos e quedos e da mesma forma o haveriam de deixar. Raramente olharam para o público, não trocaram nenhuma palavra entre si e muito menos para a audiência e carregaram sempre na face aquela expressão séria e sensata de quem sabe, melhor do que ninguém, aquilo que se iria passar. Em frente do palco, uma quantidade absurda de pedais e parafernália electrónica. No chão, nem sinal havia de uma set list ou algo que lhe valesse.
© Marisa Alves |
Como provisão, os Mono traziam dois discos de originais: Under the Pipal
Tree, que data de 2001 e que teve como produtor John Zorn, e o mais recente
registo, One Step More and You Die, editado em Abril de 2003. Ambos levam
a efeito aquilo que comummente se apelida de “bota acima, bota abaixo”, mas
o povo gosta e agradece. Aos primeiros acordes, é impossível não se formar nas
nossas cabeças um pequeno triângulo negro, onde em cada extremidade se avista
um nome. Mogwai no primeiro, Godspeed You Black Emperor! no segundo, e para
finalizar, Explosions in the Sky no terceiro. No centro do triângulo, pitadas
de Sonic Youth qb e um piscar de olhos ao noise rock. Por isso mesmo,
fazer uma review a um concerto de uma banda deste género sem mencionar
as expressões “parede sonora”, “explosão caótica” ou “teias de aranha formadas
pelas guitarras” revela-se uma tarefa faraónica.
Canções como “The Kidnapper Bell” ou “Halo” exploram a tensão de forma exemplar:
as canções não são profundamente construídas porque acabam rapidamente no caos,
em imensa exaltação. Ao contrário dos seus "colegas de carteira", os Mogwai,
os Mono vão directos ao assunto naquilo que é a criação de uma mancha nebulosa
de sons indiscrimináveis, onde vão sendo acrescentadas camadas e mais camadas
de um som denso e compacto. Os Mono conseguem introduzir sempre mais um pouco
de distorção onde se pensava já não caber mais, e, de repente, forma-se um som
de tal maneira cerrado que é impossível discriminar a vibração de cada instrumento.
No intervalo de cada música, o guitarrista principal tirava a voltava a colocar
a guitarra, como se de uma arma se tratasse. Ambas as guitarras, ainda em recuperação,
eram afinadas, de canção em canção, para que se pudesse iniciar outro ataque.
A baixista, sensual e voluptuosa, de sapatos cinderela vermelhos, saia
preta e blusa às flores segura um instrumento que, na verdade, possuía um braço
maior que os seus, tal era a sua magreza. Mas, e quando as canções se desenvolviam
em irascível erupção, mostrava-se tão determinada quanto o baterista que, tapado
pelas colunas, se mexia de forma intensa. Em frente, os dois guitarristas davam
o mote. Mas na verdade, as canções dos Mono não se fazem só do famigerado “vai
acima, vai abaixo”. Há também canções como “Sabbath”, responsável pela produção
de ambiências cadenciosas, taciturnas, onde a quietação substitui, por uma vez
que seja, a sequência predominante. Na realidade, a música dos japoneses não
sugere apenas destruição, miséria, o Apocalipse; faz nascer no espírito também
esperança e, de certa forma, redenção. Incrível a fidelidade que resiste no
transportar das canções do formato estúdio para o formato live, quer
no que diz respeito à similaridade de estruturas, quer na produção das sonoridades.
Em “Where I am”, predomina a doçura da junção de uma guitarra com um xilofone
(quase nem se sentiu a falta do violino que se ouve na versão original) e prepara-se
o fecho da noite, pois de seguida é apresentada “Com(?)” que, como seria de
esperar, proporciona a maior deflagração de toda a actuação, que deve ter durado
cerca de dez minutos. No fim, Takaakira "Taka" Goto serve-se do feedback para provocar uma ainda maior sensação de caos, e acaba o concerto deitado no
chão, prostrado, abraçado à guitarra, pondo assim fim à actuação.
No fim de contas, os ouvidos de todos os que assistiram ao concerto do conjunto
de Tóquio eram a testemunha presencial da grande convulsão que ali tinha acontecido.
Para quem é fã das sonoridades deixa-me-construir-aqui-qualquer-coisa-na-minha-guitarra-que-explodimos-já,
a noite de hoje terá sido de devoção total. Para quem já está farto da estratégia,
e não ficou satisfeito com a quantidade de decibéis entoados nas paredes da
"gruta" que toma sobre si a função de bar, o entupir de ouvidos assume contornos
tão dramáticos como uma viagem de avião a terras nipónicas.
andregomes@bodyspace.net