Old Jerusalem + Blind Zero
Hard Club - Vila Nova de Gaia
12 Mar 2004
Dez anos é muito tempo para um projecto musical, especialmente num país como Portugal. Esse facto, só por si, merece ser comemorado e foi o que os Blind Zero fizeram, ontem, no Hard Club. Convidaram amigos da música, da nova e da mais antiga. Um deles, Old Jerusalem - que Miguel Guedes classificou e bem como um grande escritor de canções - fez a primeira parte.

Ao contrário do habitual, Francisco Silva apareceu sozinho em palco, sem guitarrista de apoio. De "April", Francisco tocou "Always you", "Melancholy" a pedir silêncio ao público, o belíssimo "...and not a single word" e "Swan" (crescendo final impecável). Ouviram-se também algumas canções novas, uma à guitarra eléctrica, despida de adornos que não a voz e o dedilhar, a deixar água na boca para um novo registo que, como o próprio anunciou, sairá talvez este ano. Francisco estava com muito estilo e desenvolto, dançando, gesticulando, com uma presença a que não estavamos habituados. Parece estar no seu melhor momento, finalmente seguro das grandes canções que escreve e que canta maravilhosamente bem. Sem necessidade de fantasmas (Oldham, Calahan, Drake), Old Jerusalem é já uma certeza da música portuguesa.

Quando os Blind Zero subiram ao palco, percebeu-se logo que a noite já estava ganha. A assistir estava um forte contigente de fãs que sabiam as letras de cor. E os exercícios de memória. Os Blind Zero tocaram durante mais de duas horas e percorreram todos os discos. Ouvir as canções de "Trigger" hoje é tomar contacto com a evolução que a banda sofreu, mas há naqueles temas uma espécie de pureza que, para quem cresceu a ouvi-los, dá ainda um gozo enorme. E foi bom ver "Manic in Land" a fechar o primeiro encore com o guitarrista Vasco aos berros à Cobain.
Os melhores temas foram os de "A Way to Bleed Your Lover", o álbum maior da banda e o primeiro em que a identidade própria é mais reclamada. "The Downset is Tonight" trouxe Jorge Palma ao palco. Foi pena que o grande cantautor não partisse logo para os camarins pois participou no sacrilégio que foi a versão de "Bairro do Amor". "About Now" é uma rockalhada a lembrar "Trigger", mas sem masturbação guitarrística à Pearl Jam e "Toxic" e "You Owe Us Bood" são boas canções, com camadas de guitarras e bom uso dos pedais de efeitos. Um dos melhores temas da banda, "Entertainment" de "One Silent Acident", contou com Gui a introduzir dissonâncias no saxofone. Dispensavam-se contudo a projecção vídeo de propaganda anti-americana e menção ao "11 de Março e 11 de Setembro".
O momento alto da noite foi "You in your Arms", com uma curiosa caixa-geringonça luminosa nas mãos de Miguel Guedes a emitir ruídos estranhos. No final deste tema, em modo "jam" e com algum descontrolo sónico os Blind Zero abandonam o palco. "Hell around" e "Trace" fecharam depois o concerto, com banda e públicos extenuados, mas felizes.
Um bom concerto de rock, a evidenciar o crescimento positivo da banda, desde a colagem aos Pearl Jam até à linguagem mais própria de "A Way to Bleed Your Lover". Parabéns, Blind Zero.
· 12 Mar 2004 · 08:00 ·
Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
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