The Legendary Tiger Man
Casa da Música, Porto
16 Dez 2005

Até que ponto pode um projecto tão ancorado numa matriz blues-rock como The Legendary Tiger Man fazer um “lavar de cara”? E até que ponto pode alguém que usa os dois braços, as duas pernas e o aparelho vocal ao mesmo tempo fazer alguma alteração na instrumentação que o acompanha? São estas as questões fundamentais que se põem na nova fase do “homem tigre”, iniciada com a digressão de espírito pré-natalício que o trouxe à Casa da Música, ainda antes da edição de Masquerade, o novo registo, produzido por Mário Barreiros, com edição marcada para Fevereiro.

Começando a responder às questões lançadas, há que referir que as mudanças a nível de instrumentação representam apenas um lifting: em vez da cowbell, um dos pedais percute agora uma pad, mantendo-se o prato de choque e o bombo. Para lá da manutenção da guitarra, dos dois microfones (um deles com a função de “sujar” o som da voz) e do kazoo, há ainda a referir o desaparecimento por completo da harmónica, pelo menos neste concerto. Resultado de tudo isto: a electrónica da pad permite um ganho de flexibilidade nos sons produzidos, mas perde-se a sedução da cowbell e da harmónica, dois instrumentos muito carismáticos. Quanto às pistas lançadas sobre o som do novo álbum, elas apontam para um registo mais rock, com riffs mais incisivos e um uso mais restrito do prato de choque.

© Vanda Ribeiro

Paulo Furtado é todo ele estilo: de camisa, gravata e calças pretas e de óculos escuros, entra em palco de casaco apenas para o tirar mal se senta no seu banco. Além disso, parece com mais energia do que nunca. O alinhamento passou por uma mistura de temas antigos (como “Gonna Shoot my Woman”, “I´ll Make you Mine” e “Crawdad Hole”) com novas composições, como “Walking Downtown”, em que a pad estava programada para uma batida que soava a electroclash. As novas canções deram mesmo a ideia de que Paulo Furtado avançou umas décadas, do blues para algo mais próximo do rock & roll dos anos 50, com ritmos mais agressivos, algo que talvez seja fruto do muito tempo que o músico tem passado com os Wraygunn, ou mesmo da produção de Mário Barreiros. Apesar de tudo, foi uma canção de travo bem bluesy que foi apresentada como a sua “música favorita” do próximo disco.

Durante o concerto, que durou pouco mais de uma hora, Furtado não deixou de lado a sua verve e a forma muito provocatória como tenta retirar do público o calor necessário para a sua actuação. “Estão tão caladinhos”, exclamou, num intervalo entre duas músicas. Noutro momento, dirige-se à assistência da seguinte forma: “A próxima música é um bocadinho violenta, se sentirem mal sentados, podem extravasar, levantar-se, beijar a pessoa que está ao vosso lado… se ela deixar”. De facto, não deixou de causar estranheza o facto da sala 2 da Casa da Música se encontrar disposta com cadeiras. Algumas pessoas preferiram mesmo estar de pé, junto às paredes da sala.

© Vanda Ribeiro

O alinhamento deu a ideia de ser um pouco construído de acordo com os caprichos de Furtado. Ao trocar de guitarra num dos temas, hesita e volta atrás (“Mudei de ideias”), partindo para “Bad Luck R’n’B Machine”, um dos temas novos, uma espécie de blues acelerados até ao limite, agitadores de ancas por excelência. “Isto começa a passar o ponto de não retorno”, atirou o multi-instrumentista, naquele que estava a ser o período mais quente da actuação. “Big Black Boat”, uma “música sobre barcos”, foi a última antes do encore, num crescendo de andamento até aos limites e com o kazoo a fazer as vezes do apito de um qualquer navio a descer o Mississippi. Antes disso, já “Route 66”, “Mannish Boy” (apresentado como “um clássico, de um senhor chamado Bo Diddley”), “Naked Blues” e “Break My Bones” (em que a técnica de Paulo Furtado faz as vezes de slide guitar) tinham feito subir a temperatura ambiente.

O encore serviu para uma série de homenagens: “Foi um ano muito triste, foi o ano em que morreram as minhas maiores referências da música”, disse Tiger Man, nomeando Hasil Adkins e Paul Jones e esquecendo-se por certo de Link Wray. “Mas isto também tem o seu lado positivo, havendo menos gente há mais lugar para os novos”, gracejou, antes de uma versão de “She Said”, de Adkins, tema com batimento ferroviário e vocalizações primitivas que fechou o concerto.

· 16 Dez 2005 · 08:00 ·
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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