Festival Paredes de Coura 2005
Paredes de Coura
15-18 Ago 2005

Reportagem Miguel Arsénio e Rodrigo Nogueira
Fotografias Luís Bento

1.º DIA
Sons and Daughters

2.º DIA
The Unplayable Sofa Guitar · Mpxp · Death From Above 1979 · !!! · Kaiser Chiefs · Foo Fighters

3.º DIA
The Futurheads · Hot Hot Heat · The Arcade Fire · The Roots · Queens of the Stone Age · Pixies

4.º DIA
Complicado · The National · Woven Hand · Juliette Lewis & the Licks · Vincent Gallo · Nick Cave & The Bad Seeds

Paredes de Coura é uma terra simpática, onde as pessoas são simpáticas e as piscinas municipais estão fechadas quatro horas para almoço. Ou seja, se algum festivaleiro quiser refrescar-se entre a 11 e meia da manhã e as 3 e meia da tarde, terá de esperar que quem trabalha na piscina acabe de demolhar o bacalhau ou coisa que o valha. Seria tão mais fácil demorar apenas uma hora ou hora e meia para almoçar durante quatro dias. É um bocado assim, o festival de Paredes de Coura. Há um cartaz fabuloso (exagero não é tanto dizer tratar-se do melhor cartaz de sempre em Portugal, mas sim dizer tratar-se do melhor cartaz de sempre na Europa), se bem que com alguns verdadeiros tiros ao lado, mas não há quase nada para os festivaleiros fazerem das 9 da manhã (hora a que eram obrigados a acordar, devido ao sol e ao barulho) até às 3 e meia da tarde (hora a que começava supostamente o Jazz na Relva, e dizemos “supostamente” por nunca ter começado).
As condições não eram propriamente boas, tanto para os campistas como para os que só lá iam poucas vezes. A comida e a bebida eram caras, pagava-se 0,50 € para carregar um telemóvel (e, para além de não ficar bem carregado, tinha de se providenciar um carregador), havia muito poucas casas de banho, especialmente na área reservada aos convidados ou às pessoas importantes (vulgo VIPs), onde só existia uma única casa de banho e, para acabar (ou começar) em beleza, demorava-se demasiado tempo a entrar no recinto, com polícia a revistar toda a gente. Para além disso, os ecrãs gigantes que a organização montou à esquerda e à direita do palco só começaram a funcionar bem no terceiro dia. Nos outros a imagem estava desfocada ou estava constantemente a andar.
Mesmo assim, apesar disto e dos tiros ao lado, como os Kaiser Chiefs, os Bravery ou a insultuosa actuação de Juliette & The Licks (“Search & Destroy” dos Stooges por Juliette Lewis fez um dos momentos mais deprimentes que alguma vez vimos ao vivo), o Festival Paredes de Coura 2005 foi um excelente festival de Verão, e uma das melhores maneiras de acabar a época dos festivais portugueses. R.N.


1.º DIA

SONS AND DAUGHTERS
Mesmo antes de serem provados quaisquer novos pecados oferecidos pelo cartaz oficial, o concerto da noite da recepção permitiu aos presentes uma derradeira oportunidade para se purificarem. O concerto dos escoceses Sons and Daughters em tudo se assemelhou a um exorcismo. Sim, porque a frenética front girl Adele Bethel parece ter o diabo no corpo e, à boa maneira do Padre Merrin, os seus irmãos tudo fazem para libertá-la do ente maligno: benzem-na com refrães contagiosamente criminosos, invocam a essência do hillbilly pelo atalho glam, ensaiam de forma convicta qualquer coisa entre a Glasgow protestante e o Mississipi. Entre um e outro delírio gospel, houve tempo para homenagear o homem de negro com o requisitado “Johnny Cash” e invocar os Stranglers com uma versão de “Nice n’ Sleazy”. O recente The Repulsion Box (título esse que faz ainda mais sentido após o concerto) está aí para deslumbrar os apreciadores de rock filtrado pelo fundo de uma garrafa de tequila. Em palco, os Sons and Daughters honram o impacto do que amanharam em estúdio. Só falta mesmo um incesto bem promovido para os Sons and Daughters serem grandes. M.A.

Sons and Daughters

2.º DIA

THE UNPLAYABLE SOFA GUITAR
Ou como dar início às hostilidades oficiais da forma menos hostil possível. Tal como se suspeitava, os Unplayable Sofa Guitar revelaram-se ideais à hora do chá do primeiro dia de festival. Por cá, poucos serão os cenários tão propícios ao desdobramento estival da country do supercolectivo (elimine-se qualquer pretensiosismo a “super”) que representou dignamente o diminuto contingente português em Coura. Os USG aproveitaram a margem de aceitação de um público embriagado pelo odor a hortelã, para confirmarem Rocky Grounds, Big Sky como disco passível de ser transposto para um palco sem que aquele seu fulgor cândido saia lesado com isso. Pertence aos instrumentais e interlúdios dos USG dispersarem-se pelo ar como quem se evade do solo rochoso. O céu de Coura tornou-se ainda maior, para no fim da prestação ser gentilmente abatido pela infalível murder ballad “Dad’s Guns”. M.A.

The Unplayable Sofa Guitar

MXPX
O Bodyspace não assistiu ao concerto dos Mxpx, pop punk de Washington ou assim. Decidimos fazer como Dave Grohl. Dave Grohl, durante o concerto de Foo Fighters, fartou-se de dizer que os Mxpx rockavam. Curosiamente, durante o concerto de Mxpx, Dave Grohl foi visto a sair do recinto numa camioneta da câmara municipal. As fãs tentaram apalpar a camioneta (espectáculo deprimente) e nós, como Grohl, decidimos partir para outra. Isso e à porta da sala de imprensa do festival estava afixada uma famosa citação de Hunter S. Thompson, o deus do jornalismo irresponsável. R.N.

DEATH FROM ABOVE 1979
O elefante com cio desceu ao anfiteatro natural de Coura. Por lá ditou a morte - por cirrose de fuzz - a todos os que nasceram para lá do ano (por arredondamento e tendo Love Gun dos Kiss como ponto de referência) em que o cock rock semeou o pânico nos lares orientados por dois neurónios – estrutura familiar comum na era Reagan. O imediatismo rubro de uma prestação ao vivo permite à dupla canadiana exibir a sua virilidade robótica em toda a sua glória: o ruído cultivado pela lei marcial, rostos cobertos de pêlos faciais, um galopante “Going Steady” a servir de manifesto aos que triunfaram – entre quatro paredes de uma garagem - sobre a predominância sexual dos craques dos desportos universitários (enquanto uns aqueciam o rabo no banco, alguém aquecia os dedos na clandestinidade). Na sua essência, os DFA 1979 (processa-me, James Murphy) serão um intimidante vibrador adaptado a caixinha de música. A todos os que terminaram o concerto com a sensibilidade auditiva mutilada pela metade, resta apenas uma opção: culpar o Canadá. M.A.

!!!
Os !!! abriram as hostes no palco principal. Sete pessoas em palco em delírio orgásmico, uma secção rítmica funk e disco, por vezes com um baterista e dois percussionistas, uma secção de metais esporádica, um vocalista (por vezes dois) e litros de suor. Metade da banda é constituída por hippies de São Francisco, e a música que fazem é feita única e exclusivamente para um propósito: abanar o fazedor-de-dinheiro. É impossível ouvir aqueles baixos groovy sensuais e não começar a pouco e pouco a abanar as ancas ou a saltar enquanto as duas guitarras pós-punk, carinhosamente maltratadas e metálicas (não do “métal”) se sobrepõem ao resto. Há um momento inenarrável em que o baterista passa a cantar (tem um falsete invejável e canta mil vezes melhor do que Nic Offer) e vem para a frente do palco, passando-se totalmente. Há que dizer que envergava uma T-shirt dividida em dois a dizer "Philadelphia" e uma barba invejável e andou de um lado para o outro, saltando para aqui e para ali, roubando quase o espectáculo ao outro vocalista.
Nic Offer vai dançando, abrindo as pernas, mexendo os braços, vestido com uns calções minúsculos e uma T-shirt, peças com ar de nunca terem sido lavadas. O público pede: "turururururutururururu", "Me & Giuliani Down By The Schoolyard", um portentoso single cheio de ideias e paletas musicais, algo como um showcase das capacidades da banda. Começa com o ataque das guitarras, como se estivessem a ser espancadas, mas logo descamba para um baixo sensual que serve as ancas e pouco depois começa a voz. Tem várias partes que vão mudando, incluíndo um clímax de guitarras a la Sonic Youth que parece uma viagem de metro ou de comboio. E depois tudo se mistura e vem o “turururururutururururu” que toda a gente canta.
Era esse o problema de Louden Up Now (uma festa do início ao fim): nada estava ao nível daquele magnífico single. E ao vivo é a mesma coisa. Nada, mas nada, chega aos calcanhares daquilo. Enquanto isso, temos a única banda a usar cowbell no festival inteiro (vergonhoso), aqueles baixos, aquelas guitarras, aquelas baterias (por vezes duas, sabemos lá) e o segundo melhor concerto do festival (os Arcade Fire viriam no dia seguinte). R.N.

!!!

KAISER CHIEFS
O nome já é conhecido. Abriram os U2, tocaram na Fnac do Chiado, vieram trazer as suas palhaçadas para Paredes de Coura. Têm dois ou três singles inofensivamente interessantes, mas não passam disso. Uma melodia aqui ou ali, tanto de voz como de guitarra ou de teclado, muitos "nananana", inspirações de Beach Boys, Blur ou algum pós-punk, letras inconsequentes. Ao vivo esforçam-se demasiado para dar um "g'anda espectáculo", o tipo atira-se para o chão e torce o pé ou o caraças.
Os Kaiser Chiefs têm os sucessos, os singles, os "nanana" e alguns fãs. São competentes, nada mais. O vocalista parece louco (no modo controlado, é claro), grita muito (mas um grito politicamente correcto), há sintetizadores e há competência. Inofensivos.
Ofensivos são os Bravery, que parecem uma cópia de todas as bandas do mundo. O vocalista parece Morrissey mas canta como Julian Casablancas, o baixista é dos Clash, o guitarrista dos Stones, o teclista dos Loto e o baterista dos Nine Inch Nails. A música chega a ser ofensiva, cheia de melodias que são verdadeiros lugares-comuns e letras que não fazem sentido nenhum. O público aplaude "Honest Mistake", com uma introdução que é um pastiche manhoso de "Blue Monday" dos New Order. R.N.

Kaiser Chiefs

FOO FIGHTERS
Ao quinto disco (o duplo In Your Honor), os Foo Fighters optaram por uma separação ecológica de registos: um disco dedicado ao material eléctrico e outro reservado às composições acústicas. Dave Grohl parece (demasiado) empenhado em provar que a sua banda é capaz de ser assumidamente “rockeira” sem que isso o impeça de demonstrar o seu talento para a escrita de canções (e tem-no, mas desequilibradamente distribuído). Os Foo Fighters de hoje são uma banda colada a extremos traiçoeiros. Talvez por isso, “In Your Honor” – que deu início ao concerto em Coura – fosse servido a um volume que terá feito tremer os ovos moles de Aveiro. Electrizante, de facto, mas nem por isso imune a suspeitas. A estranheza surge quando, em fase tardia do concerto, Dave Grohl arrisca sozinho um dispensável “Tired of You” e o eternamente evocativo “Everlong” - entoado por um vulto em palco e por todos os saudoso na relva. Perdoa-se aos Foo Fighters estas mudanças bruscas porque, afinal, Dave Grohl consegue ser tão simpático em palco quanto a banda que fundou após a extinção forçada dos Nirvana. Os Foo Fighters dão-se até ao luxo de percorrer um alinhamento composto quase exclusivamente por sucessos (excepção feita a “Up in Arms” e às novidades), contribuindo assim mais um pouco para a saturação de “Learn to Fly” e “Monkey Wrench” (a que se juntam variantes de pequenas jams que já conhecíamos do concerto do Rock in Rio lisboeta). De resto, são eficazes, apreciáveis e – claro está – abundantemente simpáticos.
Ficheiro Secreto: apesar de ter sido completamente excluído do alinhamento, o primeiro álbum homónimo – tematicamente inspirado em actividade extraterrestre e num ódio (codificado) por Courtney Love (redudância) - fez questão de marcar presença sob a forma de fenómenos estranhos verificados no céu durante a actuação dos Foo Fighters. A certa altura de “Learn to Fly” e à esquerda do público, qualquer coisa imensamente luminosa rasgou o manto de estrelas deixando um longo rasto. Depois e, desta vez, à direita do público, uma pequena luz oscilou vagarosamente até se perder além das árvores. Era consensual entre os presentes que, por uma noite apenas, Paredes de Coura passara a ser Roswell. O Bodyspace aguarda esclarecimentos de astrólogos ou da Comissão de Festas de Paredes de Coura. M.A.

Foo Fighters

3.º DIA

THE FUTUREHEADS
Nem sequer é o maldito artigo “the” que me faz suspeitar das intenções dos Futureheads. Há trabalho demonstrado. Os rapazes de Sunderland têm vindo a manter firme um conceito gráfico transversal a todos os seus lançamentos e não será nenhum disparate afirmar o primeiro álbum homónimo do ano passado como proposta apreciável dentro do género (ainda assim, ficou à sombra do também homónimo e muito abalado Franz Ferdinand). Contudo, há também uma grande dose de oportunismo perceptível a todos estes cultivadores de retro à espera de um lugar habitável na escala que tem os Franz Ferdinand como pontífice. Apesar de nunca ter ido além da fronteira do suportável, o concerto de Coura frisou ainda mais os maneirismos que fazem dos Futureheads uma gota no oceano de contendores: o nome da banda estampado em pano de fundo, a matemática da pose, o tom descontraído de músicas sobre noites de copos e lamentos angustiados de quem não tem mais que duas libras em Camden Town. Alguém dizia que eram os Tet Vocal do festival. Ainda que muito mais profanas no seu conteúdo, aquelas harmonias levam-me a concordar com a apreciação. M.A.

HOT HOT HEAT
Hot Hot Heat são mais ou menos. Têm canções simpáticas, cheias de refrães cantaroláveis, voltaram há pouco tempo com Elevator e, não sendo assim tão interessantes, não fazem mal a ninguém. Mas ao vivo falta-lhes qualquer coisa, a voz do vocalista (que é branco mas tem um afro, coisa que não víamos desde os At The Drive-In) não é nada boa e aí notam-se as falhas. Talvez fossem melhores no tempo de Make Up The Breakdown, hoje em dia são apenas competentes. R.N.

THE ARCADE FIRE
“Us kids know”. Nós, que somos putos, sabemos. Todos nós, os que são, os que foram, todos nós sabemos o que é ser puto. O que é ser adolescente, o que é aquela rapariga não olhar para nós, o que é os nossos pais não nos deixarem estar fora de casa até tarde, essas milhentas birras estúpidas das quais um dia riremos. Os Arcade Fire também sabem, e não querem esquecer. Arcade Fire é a adolescência catártica, com a cena da morte e o caraças que todos insistem em repetir até à puta da exaustão, só porque o único disco que têm se chama Funeral e foi gravado depois da morte de não sei quantos familiares dos membros da banda. Acontece que isso já foi há muito tempo e eles continuam (supomos) com a mesma pica de sempre, em palco, a divertirem-se tanto quanto divertem a malta. Há uma tela pintada à mão a dizer "Arcade Fire" no fundo do palco. É como se tudo fosse feito à mão, como se as canções, se as emoções, se as sensações que os Arcade Fire transpiram fossem feitas à mão, de forma tosca. Cada um dos membros está vestido de forma quasi-respeitável, com gravatas, com camisas, sabe-se lá mais o quê, e vão todos trocando de instrumento num desfile de êxitos que ainda não foram êxitos mas toda a gente vê como tal. Confirma-se: Funeral é um daqueles discos, um disco memorável do princípio ao fim, em que muito dificilmente conseguimos distinguir as melhores canções das piores (quando pensamos que conseguimos encontrar as piores, elas tornam-se subjectivamente as melhores). Muito já foi dito e escrito sobre o raio do disco. Deve ser tudo verdade, menos as partes más. Começam com “Wake Up”, um daqueles hinos brutais, onde começamos com uma guitarra, vem a batida (pum-pah; pum-pum-pah) e logo depois surge o raio do coro que é cantado em uníssono por toda a gente. É indescritível e é preciso viver-se, não há outra forma de encarar. É um grito de revolta, mesmo que seja só contra o frio canadiano (e o Canadá é mesmo, mesmo frio).
Os Arcade Fire são a adolescência que teima em nunca acabar (eles esbracejam e batem-se uns aos outros em palco, percutindo capacetes de mota e outras coisas). Uma puta duma epifania, uma puta duma experiência que nem a voz que se ouvia mal no princípio ou a colagem Björk da vocalista puderam estragar. Os putos sabem. Podemos ser putos para sempre? Não, mas com Funeral e ao vivo (experiência sublime, inesquecível, catártica, indescritível e todos os outros adjectivos catitas que não fomos buscar ao dicionário por sermos preguiçosos) pensamos que sim. R.N.

The Arcade Fire

THE ROOTS
Por força de calendarização errónea, os Roots surgiram em Coura na condição de deslocados (um pouco como acontecera com os Arrested Development o ano passado). A respeitabilidade do colectivo da Filadélfia reclamava por lugar como cabeça de cartaz em noite dedicada ao hip-hop. Isto se acreditarmos que os Roots seriam capazes de algo mais convincente que o concerto atípico a que Coura assistiu. Ficou a ideia enganadora de que o tempo dos Roots já era e a flagrante sensação de que dependem demasiado dos colaboradores que convidam para os seus discos. E é exactamente por isso que, na ausência do boémio Cody ChesnuTT, “The Seed” surge irreconhecível entre a avalanche de composições submetidas à lei orgânica imposta pela base exclusivamente instrumental de palco. Na ausência do entretanto evadido Rahzel, preenchem-se lacunas com jams que à medida que exibem virtuosismo vão fazendo ruir a paciência. M.A.

The Roots

QUEENS OF THE STONE AGE
Anda perdido pelas prateleiras dos clubes de vídeo um pequeno marco do cinema independente intitulado Freeway – Sem saída. O filme que revelou Reese Witherspoon ao mundo transpõe para a velocidade da auto-estrada do título a imortal história do Capuchinho Vermelho. Além disso e após alguns cortes no seu conteúdo explícito, Freeway obteve a infame classificação R. O espectáculo conduzido pelos Queens of the Stone Age na presente digressão serve de banda sonora alternativa a essa obscuridade por resgatar ao circuito vídeo. A noite de Coura ganha inevitáveis contornos de fábula assim que Josh Homme e restante matilha nos abandonam na floresta ao som da fulgurante entrada com “Someone’s in the Wolf” (muito provavelmente a melhor faixa de Lullabies to Paralyze). Na boca do lobo, há que optar por ser devorado pelo imenso talento de Homme (para a escrita de canções e edificação de universos paralelos) ou perder o tempo a tentar encontrar explicações para uma separação que, afinal, até foi favorável à renovação criativa dos QOTSA. Compreende-se que muitos entendam como clássica a formação de Songs for the Deaf, mas os QOTSA sempre foram Josh (o próprio referiu-se ao primeiro álbum homónimo como “o meu primeiro disco”) e os que seleccionava para contribuírem para os seus discos. É certo que “A Song for the Dead” nunca será tão soturnamente suicida sem a voz de Mark Lanegan, mas não será menos verdade que “If Only” e “Avon” (a representarem o primeiro disco em Coura) dependem apenas da inspiração de Josh Homme. Acontece que o membro basilar estava em noite inspirada e os QOTSA voltaram a dar por confirmadas as potencialidades que deles fazem uma das maiores bandas rock do planeta. O resto são histórias da carochinha. M.A.

Queens of the Stone Age

PIXIES
Se, se, se. Se tivéssemos bebido mais cerveja, se estivéssemos mais animados, se não tivéssemos visto o início dos Pixies cá à frente junto dos jovens arruaceiros e da poeira e, especialmente, se não tivéssemos visto os Pixies reunidos já no ano passado, este concerto de Paredes de Coura teria sido, sabemos lá, uma epifania ou assim. O problema é mesmo assim: como são uma banda que voltou a reunir-se, de um ano para o outro pouco ou nada mudou, a banda continua a mesma, as canções as mesmas. Claro, podemos argumentar, que as canções são brutais e não há ninguém que as toque assim. E é totalmente verdade, não vamos dar-nos ao trabalho de contra-argumentar.
Kim Deal e Charles Thompson discutiram em jeito de brincadeira, talvez para gozar com os velhos tempos em que não se suportavam mutuamente, Charles mudou a pergunta "Mary ain't you tired of this huh?" de "Hey" para "Baby ain't you tired of this huh?", talvez por se ter divorciado no ano passado.
Após um início algo morno, com uma versão mais lenta de "Wave of Mutilation", os Pixies entregaram-se ao Minho, muito mais comunicativos e divertidos do que no Super Bock Super Rock. O desfile de êxitos foi tal (mas talvez um pouco menos bem calculado, já que crowd-pleasers como "Where Is My Mind?" ficaram logo no início) que era impossível não nos divertirmos. Mas, quando aquilo já está visto, já está visto. O que não impede que nos divertamos, obviamente, mas mesmo assim, há várias hipóteses: os Pixies continuam a engordar (e engordaram em pouco mais de um ano) e a ficar ricos à custa desta brincadeira revivalista de outros tempos; os Pixies lançam um disco novo e têm novos temas (nem tocaram "Bam Thwok") e estes são tão bons quanto os antigos; os Pixies lançam um disco novo e têm novos temas e são todos sofríveis; os Pixies desaparecem do mapa, Dave Lovering volta à magia, Kim Deal volta a ser dona de casa, e Joey Santiago e Charles Thompson (como gosta de ser chamado agora Black Francis) voltam à música.
Tinham uma produção brutal, fruto (provavelmente) dos milhares exigidos pelo cachet, quase como numa superbanda (não confundir, obviamente, com supergrupo). Há decoração em palco, que não serve para nada, e há para aí 25 mil pessoas em delírio (talvez, mas apenas aquelas que não os viram no ano passado), que sabem todas as letras e tudo. Por aqui, lembrámo-nos, após o princípio morno, de que eram os Pixies que estavam em palco e decidimos esquecer o facto de já termos visto aquilo e divertir-nos. Funcionou. R.N.

Pixies

4.º DIA

COMPLICADO
Muito sorrateiramente e à sombra do palco secundário, eis que Complicado (Miguel Gomes, aqui acompanhado por dois outros músicos) proporcionou a mais agradável surpresa do festival aos que optaram pelo “songwriting” ao Jazz na Relva (ou aos que souberam conjugar as duas ofertas). Remodelado às exigências de um palco, Haunted - o cativante debute que é bilhete sem retorno – dá a conhecer novas divisões da casa emocionalmente arquitectada em disco. O carácter introspectivo do conceito Complicado é invertido ao ponto de, em determinados momentos mais enérgicos, quase parecer que estamos a assistir ao concerto de um “power trio”. O aparato cénico é nulo para que nada interfira com a essência de “300 000 whores” ou da preciosa “Sweet Monkey of Mine”. O fim de tarde ideal. M.A.

THE NATIONAL
Um mini-hype gerou-se na imprensa à volta de Alligator, o último disco dos brooklynianos The National. Canções simples, bonitas, só algumas delas mesmo, mesmo, mesmo, mesmo boas (as outras só mesmo, mesmo, mesmo boas) fizeram, então, o alinhamento deste curto e algo morno concerto. Não são, de todo, uma banda para abrir as hostes do palco principal dum festival. São, isso sim, uma boa banda, que até conseguiu arranjar alguns adeptos, com baterias que davam para bater o pé (a bateria é aqui o elemento principal) e melodias de guitarra belíssimas. Pecaram tanto por não terem trazido nem teclas nem banjo (partes importantes de Alligator) como por terem tocado demasiado cedo. Ainda assim, é sempre óptimo ouvir ao vivo o fogo de “Lit Up” ou de “Abel”, que satisfizeram os rockeiros que os viam. Fica-se com a sensação de que a banda conseguiria incendiar quem quisesse (ouça-se o refrão de “Mr. November”, até tem palavrões e tudo) mas não está minimamente interessada em fazê-lo. Não que haja algo de mal com isso, até pelo contrário. R.N.

The National

WOVEN HAND
Supostamente os Woven Hand abririam o palco secundário no último dia do festival. Mas não, os Killing Joke foram cancelados, Woven Hand passaram para o palco principal e Complicado, o projecto ‘tuga, passou para o palco secundário, o que fez com que tudo se atrasasse mais ou menos uma hora (depois compensou, mais ou menos, no fim, com Nick Cave). São o projecto do ex-16 Horsepower David Eugene Edwards, e fazem-se de canções folk com distorção a rodos e uma carga pesada que não é assim tão eficiente. Há, contudo, bons momentos, especialmente o último tema com cavaquinho ou bandolim ou lá o que era. R.N.

Woven Hand

JULIETTE LEWIS & THE LICKS
Alguém dizia na rádio que, entre o início e conclusão do espectáculo de Juliette Lewis and the Licks, teriam sido adicionadas cerca de dez novas posições ao Kamasutra. Se Coura não vai ao Badabing! (o clube de “strip” d’Os Sopranos), o Badabing! vem até Coura. E assim foi. Ali estava - presa num fato branco onde não cabia sequer mais um alfinete - aquela que um dia serviu de ninfeta a Martin Scorcese e que mais tarde viria a definir um padrão de rebeldia sexy sob as instruções de Oliver Stone. Aos talentos vocais que já lhe conhecíamos de pontuais demonstrações em cinema, junta-se em palco um generoso dispositivo de posições provocantes e uma banda que parece clonada a partir dos Puddle of Mudd. Juliette Lewis cumpre exemplarmente o que lhe compete: fazer do rock uma celebração da livre sexualidade (ou vice-versa). Pena que essa missão seja sabotada por uma inenarrável sucessão de faixas distinguíveis apenas através de uma leitura atenta da linguagem corporal exibida pela musa da geração “grunge”. Ao espectáculo de Coura faltou uma edição mais apurada (tal como já tinha faltado a Estranhos Prazeres - o filme que suscitou curiosidade pelos dotes musicais da menina). Tivesse durado apenas 15 minutos e ninguém se aborreceria muito com isso. Após uma versão espalhafatosa do clássico “Search and Destroy” dos Stooges, Juliette Lewis surpreende tudo e todos com um novo conceito de entrega ao público: com um pouco espontâneo stage dive entregou o seu corpo às mãos alarves dos que não se rogaram perante a oportunidade. Não será difícil adivinhar quem apreciou mais a passagem de Juliette Lewis pelo área minhota. Afinal, foram esses que tiveram o contacto mais próximo com a real substância do concerto. A Paris Hilton irá lançar um disco em breve. Ficamos à espera. M.A.

VINCENT GALLO
A missa do Gallo desfez algumas dúvidas e semeou outras tantas motivadas por paradoxos. Vincent Gallo é autor de culto por excelência: filma, escreve, toca, canta, pinta, cultiva-se narcisicamente. Ainda que constantemente sujeito a uma sufocante crucificação mediática que o torna numa figura maldita, o realizador de Buffalo 66 deita por terra todos os preconceitos com uma desarmante demonstração de afecto perante um país que o encontra pela primeira vez num palco. Sim, porque o público presente em Paredes de Coura foi presenteado com muito mais que um rotineiro concerto. Gallo dispôs-se a partilhar de um momento de intimidade familiar, já que trazia consigo uma encantadora Therese (grávida de alguns meses) que apresentou como sua esposa. Os paradoxos surgiriam naturalmente. Comentários tipicamente sexistas intercalados com a ternura de canções repartidas entre a voz masculina de Gallo e a feminina de Therese (como que uns Belle & Sebastian sob o efeito de Xanax). A confissão da simpatia pelo partido comunista – que, de resto, lhe valeu a amizade com a realizadora Teresa Villaverde -, quando Gallo é um apoiante assumido da administração Bush. O artista nova-iorquino nem sequer é incrivelmente dotado com uma guitarra nas mãos, mas estava surpreendentemente bem disposto e a noite acabou por se revelar inesquecível para todos os convertidos. A sinceridade da imperfeição pode também ser memorável. Em certa altura de “Yes, I’m Lonely”, Gallo repete várias vezes a frase “It could be so nice”. Certamente que o seria ainda mais numa Aula Magna ou Santiago Alquimista. M.A.

NICK CAVE & THE BAD SEEDS
Nick Cave é um entertainer. Pode estar a cantar murder ballads ou o que quer que seja, mas está a dançar, a cantar, a entreter-nos. Os seus Bad Seeds são muitos, e, obviamente, nota-se um bocado a falta de Blixa Bargeld, o guitarrista-que-odeia-guitarras-e-usa-chapéu que saiu da banda, mas, ainda assim, um concerto de Nick Cave nunca pode ser mau. Há toda uma revisitação de canções clássicas com algumas canções novas pelo meio, há um público extremamente receptivo e conhecedor da obra do homem (curiosamente, é constituído, entre muitos outros, pelos grupos idiotas e desrespeitadores de pessoas que assobiaram durante a actuação de Vincent Gallo, tendo soltado pérolas como: “Este tipo estragou o festival. Queremos o Nick Cave, prò caralho!”) e há, especialmente, um óptimo concerto a fechar o festival. R.N.

Foram quatro dias de música, de pó, de poeira, de não conseguirmos dormir nas tendas por causa do barulho e, posteriormente, do sol, de não haver nada para fazer até começarem os concertos, de esperar horas pelo Jazz na Relva que acabava por sobrepor-se aos concertos do palco secundário, de copos, de amigos, de amigas, de (outra vez) muita e boa música. Recordaremos bem: 1) Os !!! (pã-pã-pã, chkchkchk, mã-mã-mã, tá-tá-tá) e os calções de Nic Offer; 2) Dois dos Arcade Fire a baterem nos capacetes um do outro com baquetas e depois, no fim, a porem capas em cima de Régine, que tinha feito 2 anos de casada com Win Butler no dia anterior; 3) Estarmos deitados no chão a ouvir o Vincent Gallo e a mandarmos calar os idiotas que faziam barulho com palavrões agressivos (funcionou na perfeição). Só não recordaremos quatro dias de cowbell. Que tenhamos visto, só nos !!! é que esse magnífico instrumento tinha relevância. Agradecemos-lhes os momentos mágicos protagonizados pelos seus três tipos diferentes de cowbell. E as nossas ancas também. "If you got hips, shake 'em, if you got fears forsake 'em" (!!!). R.N.

· 15 Ago 2005 · 08:00 ·

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