Sun Ra Arkestra
B.Leza, Lisboa
2- Jun 2014
No princípio era o "cliché": a Sun Ra Arkestra mantém vivo o espírito do xamã fundador Sun Ra (Herman Poole Blount, ou Le Sony'r Ra, falecido em 1993). Não por acaso, a passagem por Portugal, para duas actuações ao vivo - no Porto (festival Serralves em Festa, ao final da tarde de 1 de Junho) e em Lisboa (clube B.Leza, noite de 2 de Junho) -, enquadrou-se numa digressão (a "Jubilee Tour") comemorativa do centenário do nascimento de Sun Ra, a 22 de Maio de 1914, em Birmingham, Alabama.

© Joana Cardoso

Mas sob as luzes e o calor do palco, os astros alinham-se no sentido de uma experiência sensorial muito para além da mera cerimónia de tributo (ou seja, a antítese daquelas velhas bandas de "rock" que se dedicam a fazer turismo em Portugal quando se tornam irrelevantes, fazendo render a nostalgia de outros tempos em que nunca se dignaram a passar pela periferia). Muito por acção e entusiasmo do nonagenário Marshall Allen (aliás, a "Jubilee Tour" também comemora o aniversário de Allen), que assume a coordenação do caos sonoro imanente das dezenas de instrumentistas que compõem a Sun Ra Arkestra.

© Joana Cardoso

É Marshall Allen quem eleva a Arkestra até ao espaço sideral da improvisação "free jazz", misturando poeiras cósmicas da "soul", linhas de baixo "funk", harmonias "bebop", partículas electrónicas e elementos de desconstrução dadaísta. É também Marshall Allen quem arranca sons incrivelmente alienígenas e "funky" a partir de um sintetizador EWI ("Electronic Wind Instrument"), uma espécie de "moog" de sopro com imensas potencialidades plásticas. Em suma, é Marshall Allen quem transporta a Arkestra e a plateia em alvoroço contido até mais próximo de Sun Ra. Da memória, do espírito de Sun Ra. Não é um tributo, é uma réplica um pouco menos intensa daquele sismo com epicentro no Alabama e repercussões cosmológicas em Saturno e outros corpos celestes.

© Joana Cardoso

Num concerto de quase duas horas, sucedem-se alguns altos e baixos, sobretudo quando na parte intermédia se introduzem longas deambulações em torno do "ragtime" e do "swing". Nesses momentos a Arkestra soa mais a uma "big band" sem chama. Mas quando menos se espera ocorrem novas transformações e o "jazz" de fusão ressurge em força e a espectacular destreza dos instrumentistas faz toda a diferença. A força espiritual suplanta a força física. E uma saída em grande estilo, com os músicos a misturarem-se com o público, em fila indiana até aos camarins. Respeito.
· 05 Jun 2014 · 22:55 ·
Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com

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