ETC.
LIVRO
Rough Trade: Labels Unlimited
Rob Young
· 30 Out 2006 · 08:00 ·
Rough Trade: Labels Unlimited
Rob Young
2006
Black Dog Publishing
Rough Trade: Labels Unlimited
Rob Young
2006
Black Dog Publishing
Célebre editora londrina responsável pelos lançamentos dos The Smiths é objecto da curiosidade de Rob Young
Uma observação atenta aos novos títulos consagrados à secção musical, no que toca a livros, não deixará escapar um recém-chegado volume dedicado a uma das mais relevantes editoras discográficas estabelecidas em terras de Sua Majestade. Depois da Black Dog ter publicado um estudo acerca da editora Warp, é a vez da Rough Trade continuar a alimentar a colecção “labels unlimited”. Rob Young é mais uma vez o chefe de cerimónias, exímio na busca de pormenores, perspicaz na selecção criteriosa das imagens, eficaz na preparação de um manual que enche a vista. Mais, ele sabe o quanto a Rough Trade pode oferecer em termos de conteúdo e como o fazer render. Entre o sucesso e o colapso, eis o percurso de uma das editoras que mais contribuiu para assegurar a representatividade do sector independente da indústria discográfica.

No início, atenções viradas para a Londres de finais da década de 70, na qual a Rough Trade aspirou estabelecer-se. O período correspondia ao aparecimento de uma nova vaga de atitudes e sonoridades ainda afectos ao punk, mas com uma roupagem distinta. Ouvem-se instrumentações estranhas ao movimento, caso dos sintetizadores; a mentalidade “Do It Yourself” deixa de presidir: bandas como os The Clash e Siouxsie and the Banshees assinam por multinacionais. O espaço deixado à recém-chegada Rough Trade será ocupado pelos novos admiradores da cultura DIY. Numa primeira fase, não nos encontramos ainda no plano da edição e lançamento de discos. A Rough Trade abre as suas portas com o intuito de se revelar uma eclética loja de música e um atractivo local de convívio para melómanos. O responsável pelo projecto é Geoff Travis, um jovem a quem muitos reconheciam “bom ouvido”. Financeiramente ajudado pelo pai, Travis empenhou-se na busca de raridades e incentivou músicos a deixarem, inclusivé, os seus discos manufacturados para venda. Em pouco tempo, a Rough Trade assume-se como distribuidora. Depois da venda de discos, a distribuição passa a constituir o segundo pilar da actividade da casa.

Muito bem precedido deste percurso, surge-nos então a nova fase da Rough Trade, a edição de discos. Rob Young apresenta-nos situações que favoreceram este passo, em que a proximidade de alguns músicos à loja de discos se fazia notar. Entre fotografias dos primeiros funcionários do estabelecimento, disponibilizadas no livro, encontramos a saudosa Ana da Silva, a madeirense que partiu para Londres para estudar arte e acabou por liderar uma das mais relevantes formações femininas do pós-punk, as The Raincoats. Ana da Silva ficou efectivamente ligada à casa , não só por trabalhar na loja de discos, mas também por ver os lançamentos da sua banda ficarem a cargo da editora. Aqui entramos directamente no domínio das contratações certeiras que ditaram o bom nome da Rough Trade e que pormenorizadamente são apresentadas aqui. Partindo da primeira experiência, o lançamento de estreia dos franceses Metal Urbain, vão desfilando nomes incontornáveis: Cabaret Voltaire, Scritti Politti, The Fall, The Go-Betweens... A Rough Trade evoluia.

O ano de 1983 revela-se, finalmente, de uma importância indiscutível para a projecção da editora. Uns desconhecidos Johnny Marr e Andy Rourke deixam nas mãos de Geoff Travis as inesquecíveis Hand in Glove e Handsome Devil. Travis, que sempre procurara na música a vertente inspiradora e nuances criativas, tinha já por esta altura cedido à busca de sucesso comercial. Com os The Smiths, Geoff Travis pensou colocar a editora precisamente no trilho das edições que o inspiravam e almejou simultaneamente garantir uma base de seguidores e reconhecimento do público. Ao mesmo tempo, os The Smiths constituíam a primeira grande contratação a longo prazo e o maior compromisso da Rough Trade até então. São revelados dados factuais relativos à relação entre a banda e a editora e algumas pistas quanto ao entendimento dos Smiths e seu modus operandi relativamente a rotinas de trabalho. Ficamos a conhecer um pouco da relação conturbada que uniu a banda de Morrissey à editora, marcada pelo desconforto de algumas acusações. Revelações para conferir na secção que o livro reserva à extinta formação de Manchester.

A história prossegue com outros protagonistas. Envereda por anos mais negros, expõe situações que conduziram à ruína do projecto inicial, idealizado por Geoff Travis ainda na era punk. Consumiam-se os últimos cartuchos dos anos 80, com nova década à espreita. Apesar do colapso financeiro de que foi vítima a Rough Trade, Travis manteve-se sempre próximo da indústria discográfica, uma perseverança que lhe valeu a recuperação da editora e o seu relançamento em meados da década de 90. Até aos dias de hoje, o seu novo fôlego vem sendo mantido por escolhas acreditadas, mais ou menos pejadas de garantias para a casa, casos dos premiados Antony and the Johnsons, dos aclamados Arcade Fire ou dos polémicos Babyshambles. Chegados às últimas páginas, confirmamos a recuperação evidente materializada num catálogo recheado, que exaustivamente nos é desvendado. Mais uma vez, Rob Young disponibiliza material precioso para ávidos melómanos. Se equipararmos este novo volume da colecção “labels unlimited” ao delicado segundo lançamento de um músico, depositar-lhe-íamos certamente a menção “superado”.
Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net
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