ENTREVISTAS
Es
Amor cósmico
· 27 Mar 2006 · 09:00 ·
Sami Sänpäkkilä é o senhor por trás da editora que tem protagonizado o renascimento da psicadelia finlandesa para a geração pós-milenar, da Internet e das novas formas de distribuição de música. Seja na Fonal, que lançou discos tão únicos como Palaa Aurinkoon de Islaja, Yhä Hämärää dos Paavoharju e Lumottu Karkkipurkki dos Kemialliset Ystävät, nos Es - ouçam o soberbo Sateenkaarisuudelma, editado no ano passado -, projecto solitário baseado em loops (ambient cósmico?) ou nos Kiila (folk contaminada por pop alucinada), Sami é um dos rostos de uma cena vibrante e genuína. Es, Islaja e Kiila actuam em Portugal pela primeira vez quarta e quinta-feira, em Famalicão e Lisboa.

Porque é que criaste a Fonal?

Comecei a Fonal em 1995 para editar a minha própria música e as bandas em que tocava.

Quais são os teus objectivos com a editora?

Não tenho nenhum plano ou estratégia particular por trás da Fonal. Quero lançar boa música, conhecer pessoas porreiras, falar, viajar e tocar. Ter uma editora é apenas uma forma para atingir estas coisas.

Geres a editora sozinho. Como é que é um dia típico de trabalho teu?

Bem, no último meio ano tem sido muito agitado. Geralmente acordo por volta das 10 da manhã, faço o pequeno-almoço, abro o meu computador e vejo o e-mail, tomo conta das encomendas, distribuição e concertos. Ouço alguma música e por vezes actualizo o website. São as coisas que faço todos os dias.

A Fonal tem já mais de 40 discos. Como é que vês a evolução da cena musical finlandesa desde que criaste a editora, em 1995?

Cresceu comigo. A forma como o meu gosto evoluiu é a forma como a Fonal também evoluiu. E tenho muito orgulho porque algumas bandas que estão na Fonal desde o início evoluíram ao mesmo tempo que a editora. Como os Kemialliset Ystävät, Kiila e Es. Não analiso a evolução. Fico mais contente ao estar maravilhosamente inconsciente dos erros ou dos caminhos certos que segui. Acredito que se aprende com os erros mesmo que não analisemos os acontecimentos.

Sateenkaarisuudelma é um álbum fabuloso. Como é que o compuseste?

Todas as canções são narrativas. Primeiro há uma história e depois faço a música para a história ou tento criar o ambiente para um determinado momento da história. Depois disso é só uma questão de gravar. Nunca fui capaz de improvisar ou gravar coisas e trabalhar nelas para fazer canções. Tenho mesmo que ter uma ideia - mal a tenha torna-se fácil chegar lá. Mesmo que apenas toque uma nota durante 10 minutos há sempre uma estrutura na minha cabeça. Tenho que ter sempre um guia.

Como é que nasceu Es?

Es começou quando fiz som para uma exposição fotográfica minha. A exposição nunca chegou a acontecer mas a música foi lançada pela (K-RAA-K)3 Records em 1999 [no álbum Flick].

E os Kiila?

Os Kiila foram formados por mim e Niko-Matti Ahti em 1993, acho eu. Estávamos no mesmo liceu e começamos a tocar juntos. Fazemos música juntos desde então.

Qual é a tua opinião sobre a música finlandesa?

Estou cercado por ela. Adoro o que aqui se passa. Adoro todos os que fazem música. É [uma realidade] muito viva neste momento.

Es, Kiila, Islaja, Kiila, Kemialliset Ystävät, Avarus e muitos outros artistas parecem ter algumas coisas em comum: cruzam diferentes músicas - como música tradicional finlandesa, drone, electrónica caseira -, partilham membros e têm uma postura do it yourself. Trata-se de uma cena, como alguns media têm escrito?

Uma pessoa que está tão envolvida não pode fazer um juízo se é uma cena ou não. Há muitas pessoas com interesses semelhantes (gostamos principalmente de sair juntos e tocar música, por exemplo). Não há competição e toda a gente está disposta a ajudar o outro.
O facto de serem um país pequeno deve ajudar a criar esse sentido de comunidade.


Sim, acredito nisso. É muito mais fácil encontrarmo-nos quando não vivemos a seis horas de distância.

Sentem-se ligados a outros artistas da moderna psicadelia como a chamada New Weird America - projectos como Pelt, Six Organs of Admittance ou Fursaxa?

Não posso dizer que me sinta ligado a eles, com excepção da Tara [Burke, Fursaxa] que é uma cara amiga. Mas gosto muito da música desses artistas.

O advento da Internet e dos CD-R ajudou a cena a crescer?

Encontrei a maior parte dos meus amigos através de outras pessoas mais do que pela Internet ou via CD-rs. Mas a Internet tem sido uma vantagem muito grande em espalhar a mensagem.

No artigo da “Wire” sobre a música finlandesa, o escritor e músico Keijo Virtanen compara o período actual aos anos 60 e 70 em termos de “abertura à mistura de estilos, instrumentos e pessoas”. Concordas?

Concordo. É seguro dizer que as pessoas estão muito abertas à experimentação. Mas acredito que sempre houve gente a fazer coisas fabulosas na Finlândia. Agora, com toda a cobertura mediática, houve mais artistas a vir à superfície e a receber atenção. Isto aconteceu também com as coisas dos anos 60 e 70 - começaram a receber mais e mais atenção que não receberam no seu tempo. Penso eu, não tenho bem a certeza.

Sentes-te a continuar algum tipo de tradição finlandesa?

Sim. Faço música nova e ao mesmo tempo sinto que o que faço tem algo a que posso chamar finlandês.

É normal ler referências à música da Finlândia como sendo campestre e adequada a paisagens rurais. Mas a maior parte das bandas vivem nas cidades. Qual é a importância da beleza natural finlandesa na tua música?

Vivo na segunda maior cidade finlandesa [Tampere]. Mas fica apenas a cinco minutos do centro e outros cinco da floresta se for a pé. A natureza e a possibilidade de fugir do cimento e dos edifícios dá-me segurança, calma e a possibilidade de sentir que não estou preso na cultura que nós, ocidentais, criamos. Ir à floresta faz-te sentir que não é o fim do mundo não conseguires comprar o novo pedal que andas a desejar.

Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com

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