ENTREVISTAS
Lemur
O Tempo é agora
· 11 Mar 2006 · 08:00 ·
Os Lemur têm uma história curiosa, a história que a seguir se conta. Em 2004 lançaram um CD-R de estreia e em 2005 cederam dois temas para duas compilações bastante distintas no género e raio de acção: uma para a compilação da Bor Land intitulada Can Take You Anywhere You Want e outra para Animal Repetitivo – Música do Out.Fest 2005 e quando deram por si tinham sido atirados para dentro do caldeirão da música periférica portuguesa – titulo que aliás parecem não negar. O último lançamento, um EP tirado a ferros e sem titulo editado pela netlabel portuguesa Merzbau, mostra os Lemur a celebrarem aquilo que realmente importa: o momento. E porque nada nestas bandas é realmente definitivo, o próximo passo pode levar os Lemur para outro local completamente distinto. Esse próximo passo poderá muito bem ser um disco completo, algo que sirva como manifesto de intenções para o futuro. Assim se espera. Por enquanto, os Lemur, nas vozes de Vasco Furtado, João Marques, João Brandão, tratam de fazer um ponto da situação. Só para não lhes perdermos o rasto.

Como nasceram os Lemur? Foi do dia para a noite ou tinham tido todos projectos anteriores?

Vasco Furtado: Acho que foi por acaso que surgiu este projecto. Lembro-me que estava sem sítio onde enfiar toda a parafernália da bateria e como já tinha estado na sala de ensaios do João (actual local de ensaios dos Lemur) lembrei-me de propor-lhe levar as minhas cenas para lá. Ele já tocava com o Brandão e foi só juntar-me a eles. Fizemos uns quantos ensaios e como a “coisa” até soava a algo decidimos começar a trabalhar regularmente. Só mais tarde decidimos convidar o Pedro (violoncelo e teclas) para se juntar a nós.

Houve desde o início concordância em relação ao seguimento dos Lemur em termos sonoros? Os membros dos Lemur partilham influências musicais similares?


João Marques: Não houve uma concordância consciente. Simplesmente as coisas foram acontecendo. As músicas foram aparecendo. Algumas foram desenvolvidas, outras abandonadas. Continuamos à procura de música que nos agrade a todos. Partilhamos algumas influências (musicais e não só) mas também temos gostos muito específicos e diferentes.

A vossa música faz-me lembrar muitas vezes bandas como os Tristeza ou até os Gwei-Lo. Estes são nomes que constam da vossa lista de influências pessoais?


João Brandão: Não. Os Tristeza, aliás, só ouvimos há bem pouco tempo. Mas é provável que tenhamos sido influenciadas por algumas das mesmas bandas: Slint, Sonic Youth, Rodan, etc. Nos primeiros tempos, coisas como Slint ou Dianogah ou Tortoise constituíam o denominador comum entre os elementos da banda; daí que acabássemos por seguir, mais e menos, esse caminho. Hoje em dia temos mais cuidado em não cair no tipo de maneirismos que as pessoas relacionam com os Mogwai e outros. Também tem de ser dito que temos apostado sempre mais na velocidade e na dinâmica do que na ambiência e na lentidão; isso separa-nos à partida do pós-rock das cidades frias.

O que lembram dos tempos de gravação da vossa maqueta? Como sentiram o feedback resultante desse lançamento?

J.M.: A gravação foi feita em dois momentos diferentes. O “Chuck Norris” e o “Razor Lung” foram gravados num dia de primavera alguns meses depois da formação da banda. Esta sessão foi proposta por dois amigos que se estavam a iniciar nos meandros da produção. Para a maior parte de nós foi a primeira experiência em estúdio. As outras quatro músicas foram gravadas passado quase um ano e a ideia era lançar um EP em edição de autor só que como ficámos bastante insatisfeitos com a mistura final desta última sessão decidimos chamar-lhe maqueta e editá-la mesmo assim. Ficámos surpreendidos com as reacções positivas que a nossa maqueta teve, não por falsa modéstia, mas porque não estávamos à espera que o nosso som fosse digerido facilmente por outras pessoas.

O percurso discográfico dos Lemur é curioso: primeiro uma maqueta, depois o tema na compilação da Bor Land e o tema na compilação do Out.fest e agora um anunciado lançamento na netlabel Merzbau. Como aconteceram essas escolhas?

J.B.: Tirando a maqueta, foi tudo à base de convites. Como os nossos temas são de lenta maturação, até temos dificuldade em responder às propostas; daí que já tenhamos reutilizado músicas. Para a compilação do Out.fest, como não queríamos voltar a material antigo, montámos dois nacos de improviso gravados em MD. Quando vamos gravar, passamos muito mais tempo a improvisar do que a “trabalhar”. Quanto ao EP para a Merzbau, aconteceu porque o Tiago nos propôs, não só lançar qualquer coisa como ajudar a gravá-la. Basicamente, somos uns tipos reactivos.

Chegou-me aos ouvidos que esse tal lançamento pela Merzbau está a ser um rato difícil de parir. Como estão as coisas neste momento? Quantos temas fazem parte desse lançamento e qual é o título escolhido?


J.B.: Este novo lançamento - que entretanto já saiu na Merzbau - não tem título, tal como a demo lançada há dois anos. São quatro temas que mostram o nosso lado mais obtuso e "hard-core", um bocado na linha do "Chuck Norris" que foi uma das nossas primeiras músicas. Gravámos estes temas em Setembro passado; há por isso um grande intervalo entre a criação e a edição que é um bocado invulgar para um lançamento internautico. Este atraso deveu-se, entre outros factores, à insistência do amigo que nos gravou as músicas em ir misturá-las a Londres (talvez aos estúdios Abbey Road) onde ele está emigrado. As quatro faixas têm já algum tempo de rodagem e, se não são muito representativas do caminho que queremos seguir, pelo menos mostram um bocado do que somos ao vivo.

Em que condições existem os Lemur como banda? Partilham a mesma forma de olhar para a música e viver a música de bandas como os Frango, os Loosers, os CAVEIRA, os Fish & Sheep, entre outros?


J.B.: Não sei bem como é que essas bandas vêem a música e a vivem. Acho que, como elas, não estamos à espera de ganhar rios de dinheiro com a música nem em tocar para multidões. Também não vejo uma faixa nossa num anúncio de uma conta poupança nem em ring-tone. De qualquer maneira, o nosso modus operandis não passa tanto pelo improviso como os Fish & Sheep ou os últimos Loosers. Se existe de facto uma “cena free-noise” a passar-se, nós não fazemos parte dela; o que não quer dizer que não gostemos (em alguns casos muito) das novas bandas que referes. As condições em que vivemos são excelentes, já que temos o nosso próprio local de ensaios e, contra todas as expectativas, um pequeno grupo de pessoas que ainda espera o momento da grande revelação e que nos vai convidando para tocar.

Sentem que as pessoas vêem os Lemur como fazendo parte desta nova vaga de bandas da nova música portuguesa que se vai fazendo a um nível mais periférico?


V.F: Sim, compreendo que nos vejam e insiram nessa “vaga” de bandas mais distantes de um circuito comercial e que praticam um som que só tem interesse para minorias. Tenho lido alguns comentários em relação ao Lemur e outras bandas e vê-se que há por aí gente interessada em acompanhar estes projectos, que vai aos concertos e escreve sobre o que ouve e o que vê. Acho que tal não se deve tanto à forma de editar mas sim ao som que estas bandas praticam, um som mais duro, mais livre, mais “sujo”...

Desde o início, os Lemur já tocaram com bandas como os Ölga, Brainwashed by Amália, Holywater, Katabatic, Puget Sound, Bypass ou Homem Cão Velho Morto. Como foram essas experiências para vocês? Há algum concerto especial, algum momento em que tenham sentido que um concerto correu especialmente bem?

J.B.: Houve vários concertos que correram especialmente mal. Bem, bem, talvez o concerto nos Combatentes por alturas do lançamento da maqueta.

Como é para vocês arranjar datas para concertos. Entretanto surgiram festivais como o Out.fest ou o Um dia a Caixa vem abaixo, que dão espaço a bandas como vocês…

J.M.: Quando não há, inventa-se. O nosso primeiro concerto foi num festival que nós organizámos em conjunto com os Brainwashed by Amália em 2003. Desse festival surgiu uma organização “clandestina” que durante oito meses foi dando espaço a novas bandas. Essa organização está parada mas outros grupos de pessoas continuam a tomar a iniciativa, dando hipótese às bandas de mostrarem a sua música ao vivo. E felizmente os convites vão surgindo como foi o caso desses festivais e da maior parte dos nossos concertos.

No vosso site insistem em referir prontamente que os Lemur não cantam. Porquê? Os vossos familiares perguntam-vos frequentemente quem é que canta na banda?


V.F: Perguntam mais porque é que não pomos ninguém a cantar! Essa referência é uma mera brincadeira, pois até já temos em mente convidar um tenor para dar um ar mais épico à coisa.

De onde surge essa súbita e estranha vontade de abrir para o Tony Carreira, desejo esse expresso no vosso site?

J.B.: Era uma espécie de seminário de crooning de que andamos precisados.

Já agora, seguindo nesta onda de guilty pleasures, presumo que também gostassem de compor um tema para um filme do Chuck Norris ou de ver o vosso tema “Chuck Norris” por detrás de uma cena de pancadaria velha…


J.M.: Seria uma honra compor uma banda sonora para um filme do Chuck Norris. Infelizmente ele já não é o que era. Agora só faz séries de televisão e anúncios da TV-Shop.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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