Para começar, há algum motivo especial para a mudança de Shrimp para Camarão? Que efeitos podem ter a "nacionalização" do nome?
A mudança está relacionada também com a mudança de editora e no fundo com alguma mudança na própria música. Em relação aos "efeitos" penso que há uma espécie de "começar de novo" que pode ser saudável e quanto à "internacionalização" do nome não há nada a temer: Camarão diz-se bem em todas as linguas!
Sabe-se que és um ávido coleccionador de discos… Assim de repente, e entre melómanos, quais são os discos da tua colecção que mais te orgulhas de possuir? Há alguns com estórias especiais?
Não sou assim tão ávido. De qualquer modo e sem referir nomes, orgulho-me muito da minha colecção de techno de Detroit (que não é grande mas tem aquilo de que mais gosto) e de alguns discos de jazz. Ok, refiro um nome: orgulho-me muito de ter o maxi Zimpó dos Mler if Dada, música com a qual ganharam o concurso do Rock Rendez-Vous.
The Remixes. Podes falar acerca do tÃtulo do teu último disco e do seu significado?
The Remixes refere-se ao modo como as músicas do meu último disco foram criadas. O método de trabalho foi o mesmo que uso quando remisturo uma música, mas aqui com a diferença de que em vez de remisturar uma música para fazer outra, parti de várias para fazer uma. No fundo, peguei na minha colecção de discos e "remisturei-a" criando um disco novo que poderá de alguma forma ser o retrato da minha colecção.
Como foram os tempos de concepção de Remixes? Quanto teve de avanços, quando teve de recuos?
O disco começou a ser feito logo em 2002. Depois do disco Electric Sul, estive uns tempos de "quarentena" sem fazer música. Nesses meses, peguei pacientemente na minha colecção de discos e fui samplando algumas partes, construindo uma base de sons que mais tarde iria ser a matéria-prima do The Remixes. No inicio de 2003, alguns alunos meus, sabendo que eu fazia música, pediram-me uns "beats" para rimarem por cima. Fiz 4 músicas a partir dessa base de sons. O Nuno Rosa ouviu e aconselhou-me a mostrar as músicas ao Rui Miguel Abreu da Loop. Não o fiz logo e preferi então fazer mais músicas. Fui trabalhando em várias músicas (por volta de 30 ou mais) ao longo de 2003. Naturalmente que destas 30, ouve um conjunto que se começou a destacar. Apresentei então este conjunto de músicas ao Rui, que de imediato me convidou para as editar na Loop. 2004 foi um ano de definição do álbum onde começaram a entrar também os músicos convidados. A fase das misturas foi já no fim de 2004 e inicio de 2005. E o álbum saiu então em Maio de 2005.
Nos trabalhos anteriores (Kami'Khazz e Nylon) sentia-se mais uma direcção mais electrónica. Em The Remixes consegues um trabalho mais orgânico. Foi uma preocupação tua à medida que “The Remixes†se foi desenhando?
Foi simplesmente o resultado de um método de trabalho.
Este último disco conta com a participação de gente como André Fernandes, Francisco Rebelo, Melo D, Kalaf, Marta Hugon ou Joana Ruival. Como se foi fazendo a adequação de cada músico/vocalista aos seus respectivos temas?
Sempre com sessões de improviso numa espécie de "work in progress". As músicas foram apresentadas com as bases já definidas e os músicos iam improvisando por cima dessas bases. Era sempre tudo gravado, e depois eu fazia uma escolha das partes que me pareciam melhores. Voltávamos então a encontrarmo-nos e discutiamos as minhas escolhas. Voltávamos a gravar tendo em conta aquilo que eu tinha escolhido em conjunto com as novas sugestões dos músicos. E assim sucessivamente até chegar a um produto final.
Tens igualmente um projecto à parte disto tudo com a Marta Hugon. O que nos podes contar acerca disso?
Posso contar que é um conjunto de canções belÃssimas e intemporais. Estamos numa fase de discussão de produção . Apenas posso adiantar que provavelmente vai ter um som mais acústico.
© Luis Carvalhal |
Alice Coltrane, Balanescu Quartet, Fela Kuti, Deodato, Les Rita Mitsouko, Inner Life, Marc Moulin, Né Ladeiras, Phlip Glass, Stevie Wonder, Salsoul Orchestra ou Underground Resistance. Como é fazer música sob a influência de um legado destes?
É um exercÃcio de liberdade criativa.
No press release que acompanha The Remixes pode-se ler que “o resultado é uma vigorosa viagem ao futuro definida precisamente por coordenadas arrancadas ao passadoâ€. Como se gere estas viagens ao futuro e ao passado?
Da mesma forma que qualquer artista gere a sua visão criativa do mundo. Há sempre um passado que nos acompanha e que acaba por nos definir, e ao mesmo tempo acaba por traçar o nosso destino. Há no próprio acto de criação (pelo menos comigo) o desejo de criar algo de novo , não querendo com isso dizer algo de estranho. É natural que o nosso percurso de vida, e mais especÃficamente neste caso, a música que ouvimos durante a nossa vida, defina pontos de partida, que poderão , no desenvolver do processo criativo , chegar mesmo a desaparecer tranformando-se então nesse "algo de novo".
Enquanto que Electric Sul foi editado pela Nylon, este Remixes surge então na Loop Recordings. Achas que, tendo em conta o panorama nacional, seria possÃvel “The Remixes†ter um outro selo que não o da Loop?
Sinceramente não sei, mas acho que este disco encaixa perfeitamente nos propósitos da editora, e sinto um grande orgulho em ter sido editado pela Loop.
Tens dado alguns concertos pelo paÃs… de que forma se faz a transição da tua música do disco para os concertos ao vivo? Que papel tem o produtor DK?
Nos concertos que temos vindo a dar , curiosamente, pegamos no conceito original do disco (o das remisturas) para criar músicas novas. Há uma séria de bases que eu e o DK preparamos, em que recorremos a sons do The Remixes e voltamos a fazer uma remistura. Estas bases são depois tocadas ao vivo e de forma muito improvisada. Também estas músicas dos nossos concertos são um "work in progress". Desde Setembro de 2005 que iniciámos os concertos e é interessante verificar que no próximo concerto que dermos as músicas já vão ser muito diferentes em comparação com o primeiro concerto. Como é evidente, daqui irão surgir um conjunto de músicas novas. O DK assume um papel, nestes concertos, exactamente igual ao meu.
Lado a lado com a música, és igualmente um artista plástico. A capa de Remixes é mesmo da autoria. Que espaço têm as artes plásticas na tua vida e de que forma as relacionas com o teu trabalho na música?
Profissionalmente as artes plásticas têm sido (para já) postas num segundo plano comparativamente com a música. Pessoalmente, ocupam o mesmo espaço que a música no plano da criação. Parece-me que o meu trabalho nas artes plásticas está cada vez mais relacionado com a música, no sentido em que os métodos de trabalho são iguais. Isto é ainda mais evidente tendo em conta que hoje em dia , com as novas tecnologias, o processo de fazer música é muito visual. Para mim é quase impossÃvel separar a música do visual e vice-versa. O meu trabalho nas artes plásticas recorre muito, também , à noção de "remistura" como ferramenta de aperfeiçoamento e procura de uma certa utopia. Talvez por, desde novo, gostar muito de ficção cientÃfica, em ambos os campos parece sempre haver uma busca e uma procura de uma ideia de futuro.
andregomes@bodyspace.net