ENTREVISTAS
Francisca Marvão
Ela é uma Música
· 06 Nov 2019 · 17:42 ·
Artigo 13.º
Princípio da igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Lembrado no texto fundamental da nossa república democrática, este princípio, talvez por superstição relacionada com o seu número, deambula pela nossa sociedade como um zombie à espera da bala de prata que o entregue ao seu criador. Contudo, para mal de supersticiosos e oportunistas de ocasião, há quem ainda ouse lutar. Entre estes últimos está a realizadora e, agora, música Francisca Marvão. “Ela é uma Música” é a expressão desse combate, um combate-documentário que procurou fazer luz sobre um rock português escrito no feminino que muitos tendem a esquecer que existe por incúria ou simples oblívio forçado. De toda essa luz, alguma acabou por incidir sobre o espírito de Francisca levando-a a formar as Matriarca Paralítica, banda que partilhará com sete oito projectos retratados no documentário o palco do Sabotage nos dias 7 e 8 de Novembro na versão festival do “Ela é uma Música”. Foi com todos estes desafios em mãos, a somar àquele que será, talvez, o maior de todos eles - ser Mulher numa sociedade ainda profundamente patriarcal - que encontramos a comandante operacional desta bendita, e não supersticiosa, rebelião e lhe entregamos a palavra.
Princípio da igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Lembrado no texto fundamental da nossa república democrática, este princípio, talvez por superstição relacionada com o seu número, deambula pela nossa sociedade como um zombie à espera da bala de prata que o entregue ao seu criador. Contudo, para mal de supersticiosos e oportunistas de ocasião, há quem ainda ouse lutar. Entre estes últimos está a realizadora e, agora, música Francisca Marvão. “Ela é uma Música” é a expressão desse combate, um combate-documentário que procurou fazer luz sobre um rock português escrito no feminino que muitos tendem a esquecer que existe por incúria ou simples oblívio forçado. De toda essa luz, alguma acabou por incidir sobre o espírito de Francisca levando-a a formar as Matriarca Paralítica, banda que partilhará com sete oito projectos retratados no documentário o palco do Sabotage nos dias 7 e 8 de Novembro na versão festival do “Ela é uma Música”. Foi com todos estes desafios em mãos, a somar àquele que será, talvez, o maior de todos eles - ser Mulher numa sociedade ainda profundamente patriarcal - que encontramos a comandante operacional desta bendita, e não supersticiosa, rebelião e lhe entregamos a palavra.
© June Nash
Como é que surgiu a ideia deste documentário?
Surgiu na altura em que o bar Damas abriu em Lisboa. As donas, Xana e Clara, criaram a “Damachine”, uma noite dedicada, em exclusivo, às mulheres que fazem música. Foi o primeiro sítio que vi fazer questão de criar uma noite deste tipo. Foi super importante.
Sou consumidora de música, documentários e sempre me irritou o facto de as mulheres nunca terem muita visibilidade. Quando comecei a frequentar o Damas, a primeira banda rock feminina que filmei foram as Clementine. Conheci a baterista, Helena Fagundes, e discuti isto com ela. Ela concordou que era necessário e que já tinha pensado no mesmo. Apresentou-me a uma amiga, Rita Grácio, que é socióloga e cuja tese incidiu sobre as Mulheres e o Rock em Portugal e decidimos trabalhar juntas. Conclusão, a ideia original do filme é repartida pelas três. Decidimos fazer o filme por entendermos que havia uma lacuna muito grande no que toca a mostrar mulheres portuguesas que fazem rock. Eu realizei o filme e a Rita Grácio foi consultora de conteúdos.
Foi fácil chegar até às bandas que fazem parte do documentário?
Até não foi difícil. Além disso a Rita já tinha um grande trabalho de pesquisa feito e eu ia conhecendo malta que depois ia passando informação do trabalho que andava a fazer. Apesar disso, bandas rock só femininas não há quase nenhuma e mesmo algumas bandas femininas que eu filmei há uns anos já não existem.
Apesar das dificuldades, o que é que ainda move estas mulheres? A ideia de colocar o status quo da música em cheque por se tratar de um mundo ainda muito masculino está presente?
Porque é que os homens o fazem? O filme dá voz a mulheres de várias gerações, umas conhecidas nas TVs e rádios, outras completamente desconhecidas, ditas mais underground. Praticamente nenhuma vive da música. Têm outras profissões. Quantas delas estão exaustas dos outros trabalhos e mesmo assim vão ensaiar? Quase todas. Parece-me que é mesmo amor à música. É a adrenalina de estar num palco e criar conexão com o público mais a partilha que se faz durante os ensaios. Elas fazem música porque gostam e porque podem, como qualquer pessoa. Só porque são mulheres não quer dizer que têm a ideia de colocar o status quo da música em cheque. A mentalidade machista é que muitas vezes as obriga a ter que provar, mais do que os homens, que sabem tocar e depois há aquele tipo de comentários como " tu para mulher nem tocas mal". Acredito, contudo, que as coisas estejam a mudar. Lentamente, mas estão. Se bem que ainda encontras bastantes homens no soundcheck a mexerem nos amplificadores delas sem lhes pedir autorização, ou como espectadores mandam piropos e piadas de mau gosto. Tipo de situações que só revelam ignorância.
Confesso-te, espero que a digressão que estamos a fazer, seja, de certa forma, inspiradora para as miúdas que gostavam de tocar rock, mas que têm receio de seguir essa vontade devido ao preconceito.
Das histórias que compilaste (e das que eventualmente tenham ficado de fora na edição final) quais as que mais te marcaram?
Uma das coisas que mais me marcou e incomodou foi estar no palco a filmar uma banda durante o soundcheck e ouvir a quantidade de piropos e barbaridades vindas do público masculino. Foi de tal modo, que uma rapariga que também estava a ver o soundcheck teve necessidade de falar com elas sobre isso e comentar que muitas mulheres não suportariam aquela situação.
Apesar de, como dizes, elas não quererem colocar em cheque o que quer que seja, sentes que existe uma revolta contra um sistema que ainda as deixa à margem?
Eu e a grande maioria sentimos isso. E, por exemplo, também sinto que elas e outras programadoras são postas de lado. Será que é por serem mulheres? Só quem está num circuito fechado é que sabe e valoriza. E, de experiência própria, posso dizer-te que há uma ou outra rádio que tem sido impecável e que tem interesse em divulgar esta digressão que estamos a fazer, mas já tive uma resposta de uma rádio que me desiludiu.
Qual foi a resposta?
Não nos ofereceram o tempo de antena que nós achamos ser importante. Talvez porque a grande maioria das bandas não seja conhecida, mas não é do interesse das rádios divulgar bandas? E houve quem não respondesse sequer. E não estou a falar só de homens!
Sentes que as mulheres podem ser, por vezes, as suas próprias inimigas? Penso, não só neste documentário, mas também na tua própria experiência enquanto realizadora. E em relação às editoras? Existe alguma espécie de ginofobia?
De editoras não te consigo falar. Não me está a ocorrer nenhuma história e não vivi, felizmente, nenhuma situação. Penso que existam algumas mulheres que têm receio de ir para a frente, mulheres que se conformam e adaptam ao meio onde estão inseridas, mas sinto que há muitas mais com garra e com vontade de quebrar o sistema. Cada vez mais e mais.
Como é que nasce esta tournée? Já estava pensado aquando da criação do documentário?
Eu acho que não estava pensado. Acho. Sempre senti que o filme tinha de ser passado de norte a sul do país. Que o trabalho destas mulheres tinha de ser divulgado. Isso sempre. Mas acho que o que deu mesmo vontade de fazer esta tournée foi a noite da casa Independente ter sido incrível. Foi um ambiente brutal. Achámos que depois do filme as bandas tinham que sair da tela e partilhar a música e energia num palco. De certa forma, gostava que isto inspirasse mulheres a ganharem coragem para fazerem o que bem entenderem livres dos preconceitos alheios.
E como que é o país vos tem recebido?
Até agora, sinto que as pessoas com quem vou falando têm interesse de nos receber e de conhecer. Por exemplo, estive agora com o filme no Imprópria- mostra de cinema de igualdade de género- em Ponta Delgada. A sala estava cheia e as pessoas revelaram bastante interesse. Vim contente para o continente. E já tenho algumas datas marcadas para o ano que vem.
Poderá tornar-se num circuito anual?
Gostava que não se tornasse num circuito anual. Gostava que as coisas se tornassem equilibradas.
O que entendes por equilíbrio?
Gostava de ir para um festival e sentir que o programa divulgasse da mesma forma bandas masculinas e femininas, ou mistas, bem como a divulgação ser equitativa.
Qual será a vida deste documentário na pós-tournée? Para além da estreia no Indie Lisboa no passado dia 10 de Maio irás levá-lo a algum outro festival de cinema (nacional ou internacional)?
Nunca pensei neste filme como um filme de arquivo, apesar de ter havido muita pesquisa. E não te esqueças que a Rita Grácio, que colaborou comigo, fez a tese sobre as mulheres e o rock em Portugal. Espero que este documentário seja o início de alguma coisa. Uma força.
E a Francisca realizadora? Tens mais algum projecto em mãos?
Tenho vários relacionados com outros temas que me interessam. Alguns já bem estruturados, mas, como sempre, não estou a conseguir arranjar financiamento. Para não falar que agora estou mergulhada nesta digressão e, quase no final das gravações do filme, surgiu a minha banda, apesar de eu nunca ter tocado e estar a aprender.
Como é que se chamam? O que é que “tentas” tocar?
Matriarca Paralítica. Há quem goste e há quem não ache muita piada ahaha.
Tocar como instrumento ou como género musical?
As duas vertentes
Guitarra e dou uns berros. Punk rock!
E que tal a sensação? Libertadora?
Terapêutica. Não sei tocar. Estou a aprender e posso dizer que os ensaios são uma terapia e um espaço seguro. É um espaço onde podes deitar tudo cá para fora. Tudo é possível, é só quereres. Temos uma ou outra música na brincadeira, mas temos músicas de intervenção. Diz lá, "traditional" ahaha
Matriarca Paralítica, de onde surgiu este nome?
Ui. Discutimos isto na noite em que decidimos que íamos formar uma banda. Estivemos todas de acordo, mas tens que perguntar à baterista a origem. Tens que ver que nos conhecemos melhor numa noite e que na semana a seguir já estávamos a ter o primeiro ensaio. Foi tudo muito rápido.
Estamos na música. Quais são as tuas influências, o que ouves? Tem influência (aparte o doc) no teu trabalho enquanto realizadora?
Ui…pergunta difícil…influências... Claramente sou do rock, punk, post-punk, mas também ouço muito um Debussy ou um Arvo Part. Ou, em repeat, o The Marble Index da Nico. Ui, tanta coisa. Posso ouvir também uns Madredeus que me remetem à infância. Acho que ouço de tudo um pouco. Não gosto nada dessa pergunta de influências. É super complicado… É que ouço mesmo de tudo! Bom, não ouço muito reggae. Não é a minha praia…
E isso reflecte-se no teu trabalho cinematográfico? Algo do tipo Lisbon Story do Wenders em que os Madredeus têm um papel central. Partires de uma música, ou de um verso, para a criação de um filme, é nesse sentido a pergunta…
Wim Wenders ficou nos meus vinte e poucos anos. Agora chateia-me. Mas sim, a música é o mais importante para mim. Mais do que qualquer coisa na verdade. E influencia-me muito. A Música e o Som. Imagino uma cena ou um plano e o som está sempre presente. É automático!
Qual é a tua opinião sobre o cinema português, e com isto penso no ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual)…
Ahahahahah
Acho que esta resposta já te diz tudo. Acho-o um ciclo viciado.
Nunca recebeste um subsídio, aposto...
Nunca! E não foi porque não tentei várias vezes. Tentei e vou continuar a tentar, mas sem ter esperança. Acho que é mesmo para ver se tenho sorte.
Não te dás com as pessoas certas?
Não tenhas dúvidas que é por causa disso, e mais, com os HOMENS certos. Nunca tive apoio. Este filme só foi possível porque toda a gente acreditou nele e ajudou muito. Nem gosto de dizer que o filme é meu porque é de todxs.
Crowdfunding?
Ponderámos, mas não fizemos.
Que avaliação fazes sobre o trabalho do ministério e da Ministra da Cultura em relação ao Cinema?
Opá… o pessoal diz que faz isto e aquilo, mas é sempre a mesma história. Não sei até que ponto é que, realmente, valorizam o trabalho de um realizador. É do tipo “bora lá ganhar dinheiro, Portugal até tem espaços fixes para filmar e depois facilitamos isto e aquilo”…co-produções… Gostava de deixar de contar trocos e de viver da troca de favores, mas pelo menos sei que as coisas são sentidas. Nós (Portugal) ainda temos um longo caminho pela frente.
O factor dinheiro sobrepõe-se à qualidade do produto final, é isso?
Sempre!
E realizadores/as? Tens algum de eleição? Qual aquele/a que, para ti, mescla na perfeição aquelas noções de Música e Som de que falavas anteriormente?
O cliché é o Lynch. Adoro. Depois gostava que o Herzog e o Hal Hartley me adoptassem. E Godard, claro, também gosto muito da Vardas, Teresa Villaverde, Margarida Cardoso, Sally Potter…
Para finalizar, as Matriarca Paralítica vão-se ficar por estes concertos, ou a ideia é mesmo chegar à edição de um álbum?
Neste momento gostamos de estar a tocar, criar e passar a nossa energia. Vamos andando.
Fernando GonçalvesSurgiu na altura em que o bar Damas abriu em Lisboa. As donas, Xana e Clara, criaram a “Damachine”, uma noite dedicada, em exclusivo, às mulheres que fazem música. Foi o primeiro sítio que vi fazer questão de criar uma noite deste tipo. Foi super importante.
Sou consumidora de música, documentários e sempre me irritou o facto de as mulheres nunca terem muita visibilidade. Quando comecei a frequentar o Damas, a primeira banda rock feminina que filmei foram as Clementine. Conheci a baterista, Helena Fagundes, e discuti isto com ela. Ela concordou que era necessário e que já tinha pensado no mesmo. Apresentou-me a uma amiga, Rita Grácio, que é socióloga e cuja tese incidiu sobre as Mulheres e o Rock em Portugal e decidimos trabalhar juntas. Conclusão, a ideia original do filme é repartida pelas três. Decidimos fazer o filme por entendermos que havia uma lacuna muito grande no que toca a mostrar mulheres portuguesas que fazem rock. Eu realizei o filme e a Rita Grácio foi consultora de conteúdos.
Foi fácil chegar até às bandas que fazem parte do documentário?
Até não foi difícil. Além disso a Rita já tinha um grande trabalho de pesquisa feito e eu ia conhecendo malta que depois ia passando informação do trabalho que andava a fazer. Apesar disso, bandas rock só femininas não há quase nenhuma e mesmo algumas bandas femininas que eu filmei há uns anos já não existem.
Apesar das dificuldades, o que é que ainda move estas mulheres? A ideia de colocar o status quo da música em cheque por se tratar de um mundo ainda muito masculino está presente?
Porque é que os homens o fazem? O filme dá voz a mulheres de várias gerações, umas conhecidas nas TVs e rádios, outras completamente desconhecidas, ditas mais underground. Praticamente nenhuma vive da música. Têm outras profissões. Quantas delas estão exaustas dos outros trabalhos e mesmo assim vão ensaiar? Quase todas. Parece-me que é mesmo amor à música. É a adrenalina de estar num palco e criar conexão com o público mais a partilha que se faz durante os ensaios. Elas fazem música porque gostam e porque podem, como qualquer pessoa. Só porque são mulheres não quer dizer que têm a ideia de colocar o status quo da música em cheque. A mentalidade machista é que muitas vezes as obriga a ter que provar, mais do que os homens, que sabem tocar e depois há aquele tipo de comentários como " tu para mulher nem tocas mal". Acredito, contudo, que as coisas estejam a mudar. Lentamente, mas estão. Se bem que ainda encontras bastantes homens no soundcheck a mexerem nos amplificadores delas sem lhes pedir autorização, ou como espectadores mandam piropos e piadas de mau gosto. Tipo de situações que só revelam ignorância.
Confesso-te, espero que a digressão que estamos a fazer, seja, de certa forma, inspiradora para as miúdas que gostavam de tocar rock, mas que têm receio de seguir essa vontade devido ao preconceito.
Das histórias que compilaste (e das que eventualmente tenham ficado de fora na edição final) quais as que mais te marcaram?
Uma das coisas que mais me marcou e incomodou foi estar no palco a filmar uma banda durante o soundcheck e ouvir a quantidade de piropos e barbaridades vindas do público masculino. Foi de tal modo, que uma rapariga que também estava a ver o soundcheck teve necessidade de falar com elas sobre isso e comentar que muitas mulheres não suportariam aquela situação.
Apesar de, como dizes, elas não quererem colocar em cheque o que quer que seja, sentes que existe uma revolta contra um sistema que ainda as deixa à margem?
Eu e a grande maioria sentimos isso. E, por exemplo, também sinto que elas e outras programadoras são postas de lado. Será que é por serem mulheres? Só quem está num circuito fechado é que sabe e valoriza. E, de experiência própria, posso dizer-te que há uma ou outra rádio que tem sido impecável e que tem interesse em divulgar esta digressão que estamos a fazer, mas já tive uma resposta de uma rádio que me desiludiu.
Qual foi a resposta?
Não nos ofereceram o tempo de antena que nós achamos ser importante. Talvez porque a grande maioria das bandas não seja conhecida, mas não é do interesse das rádios divulgar bandas? E houve quem não respondesse sequer. E não estou a falar só de homens!
Sentes que as mulheres podem ser, por vezes, as suas próprias inimigas? Penso, não só neste documentário, mas também na tua própria experiência enquanto realizadora. E em relação às editoras? Existe alguma espécie de ginofobia?
De editoras não te consigo falar. Não me está a ocorrer nenhuma história e não vivi, felizmente, nenhuma situação. Penso que existam algumas mulheres que têm receio de ir para a frente, mulheres que se conformam e adaptam ao meio onde estão inseridas, mas sinto que há muitas mais com garra e com vontade de quebrar o sistema. Cada vez mais e mais.
Como é que nasce esta tournée? Já estava pensado aquando da criação do documentário?
Eu acho que não estava pensado. Acho. Sempre senti que o filme tinha de ser passado de norte a sul do país. Que o trabalho destas mulheres tinha de ser divulgado. Isso sempre. Mas acho que o que deu mesmo vontade de fazer esta tournée foi a noite da casa Independente ter sido incrível. Foi um ambiente brutal. Achámos que depois do filme as bandas tinham que sair da tela e partilhar a música e energia num palco. De certa forma, gostava que isto inspirasse mulheres a ganharem coragem para fazerem o que bem entenderem livres dos preconceitos alheios.
E como que é o país vos tem recebido?
Até agora, sinto que as pessoas com quem vou falando têm interesse de nos receber e de conhecer. Por exemplo, estive agora com o filme no Imprópria- mostra de cinema de igualdade de género- em Ponta Delgada. A sala estava cheia e as pessoas revelaram bastante interesse. Vim contente para o continente. E já tenho algumas datas marcadas para o ano que vem.
Poderá tornar-se num circuito anual?
Gostava que não se tornasse num circuito anual. Gostava que as coisas se tornassem equilibradas.
O que entendes por equilíbrio?
Gostava de ir para um festival e sentir que o programa divulgasse da mesma forma bandas masculinas e femininas, ou mistas, bem como a divulgação ser equitativa.
Qual será a vida deste documentário na pós-tournée? Para além da estreia no Indie Lisboa no passado dia 10 de Maio irás levá-lo a algum outro festival de cinema (nacional ou internacional)?
Nunca pensei neste filme como um filme de arquivo, apesar de ter havido muita pesquisa. E não te esqueças que a Rita Grácio, que colaborou comigo, fez a tese sobre as mulheres e o rock em Portugal. Espero que este documentário seja o início de alguma coisa. Uma força.
E a Francisca realizadora? Tens mais algum projecto em mãos?
Tenho vários relacionados com outros temas que me interessam. Alguns já bem estruturados, mas, como sempre, não estou a conseguir arranjar financiamento. Para não falar que agora estou mergulhada nesta digressão e, quase no final das gravações do filme, surgiu a minha banda, apesar de eu nunca ter tocado e estar a aprender.
Como é que se chamam? O que é que “tentas” tocar?
Matriarca Paralítica. Há quem goste e há quem não ache muita piada ahaha.
Tocar como instrumento ou como género musical?
As duas vertentes
Guitarra e dou uns berros. Punk rock!
E que tal a sensação? Libertadora?
Terapêutica. Não sei tocar. Estou a aprender e posso dizer que os ensaios são uma terapia e um espaço seguro. É um espaço onde podes deitar tudo cá para fora. Tudo é possível, é só quereres. Temos uma ou outra música na brincadeira, mas temos músicas de intervenção. Diz lá, "traditional" ahaha
© Vera Marmelo
Matriarca Paralítica, de onde surgiu este nome?
Ui. Discutimos isto na noite em que decidimos que íamos formar uma banda. Estivemos todas de acordo, mas tens que perguntar à baterista a origem. Tens que ver que nos conhecemos melhor numa noite e que na semana a seguir já estávamos a ter o primeiro ensaio. Foi tudo muito rápido.
Estamos na música. Quais são as tuas influências, o que ouves? Tem influência (aparte o doc) no teu trabalho enquanto realizadora?
Ui…pergunta difícil…influências... Claramente sou do rock, punk, post-punk, mas também ouço muito um Debussy ou um Arvo Part. Ou, em repeat, o The Marble Index da Nico. Ui, tanta coisa. Posso ouvir também uns Madredeus que me remetem à infância. Acho que ouço de tudo um pouco. Não gosto nada dessa pergunta de influências. É super complicado… É que ouço mesmo de tudo! Bom, não ouço muito reggae. Não é a minha praia…
E isso reflecte-se no teu trabalho cinematográfico? Algo do tipo Lisbon Story do Wenders em que os Madredeus têm um papel central. Partires de uma música, ou de um verso, para a criação de um filme, é nesse sentido a pergunta…
Wim Wenders ficou nos meus vinte e poucos anos. Agora chateia-me. Mas sim, a música é o mais importante para mim. Mais do que qualquer coisa na verdade. E influencia-me muito. A Música e o Som. Imagino uma cena ou um plano e o som está sempre presente. É automático!
Qual é a tua opinião sobre o cinema português, e com isto penso no ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual)…
Ahahahahah
Acho que esta resposta já te diz tudo. Acho-o um ciclo viciado.
Nunca recebeste um subsídio, aposto...
Nunca! E não foi porque não tentei várias vezes. Tentei e vou continuar a tentar, mas sem ter esperança. Acho que é mesmo para ver se tenho sorte.
Não te dás com as pessoas certas?
Não tenhas dúvidas que é por causa disso, e mais, com os HOMENS certos. Nunca tive apoio. Este filme só foi possível porque toda a gente acreditou nele e ajudou muito. Nem gosto de dizer que o filme é meu porque é de todxs.
Crowdfunding?
Ponderámos, mas não fizemos.
© Vera Marmelo
Que avaliação fazes sobre o trabalho do ministério e da Ministra da Cultura em relação ao Cinema?
Opá… o pessoal diz que faz isto e aquilo, mas é sempre a mesma história. Não sei até que ponto é que, realmente, valorizam o trabalho de um realizador. É do tipo “bora lá ganhar dinheiro, Portugal até tem espaços fixes para filmar e depois facilitamos isto e aquilo”…co-produções… Gostava de deixar de contar trocos e de viver da troca de favores, mas pelo menos sei que as coisas são sentidas. Nós (Portugal) ainda temos um longo caminho pela frente.
O factor dinheiro sobrepõe-se à qualidade do produto final, é isso?
Sempre!
E realizadores/as? Tens algum de eleição? Qual aquele/a que, para ti, mescla na perfeição aquelas noções de Música e Som de que falavas anteriormente?
O cliché é o Lynch. Adoro. Depois gostava que o Herzog e o Hal Hartley me adoptassem. E Godard, claro, também gosto muito da Vardas, Teresa Villaverde, Margarida Cardoso, Sally Potter…
Para finalizar, as Matriarca Paralítica vão-se ficar por estes concertos, ou a ideia é mesmo chegar à edição de um álbum?
Neste momento gostamos de estar a tocar, criar e passar a nossa energia. Vamos andando.
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
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