ENTREVISTAS
Surma
O som da liberdade
· 29 Nov 2017 · 15:04 ·
Com um single apenas, Débora Umbelino construiu o seu universo, moldando-o ao longo de inúmeros concertos. Juntou ao seu repertório mais algumas canções e deu mais uma série de concertos. Gerou um burburinho incapaz de ser escondido - e es expectativas foram-se avolumando. E de repente, nasceu o seu disco de estreia. Antwerpen, dedicado à cidade que muito a inspirou, é a partir de agora o cartão de visita de Surma, um conjunto de canções pop cheias de fantasistas e liberdade.

Esta parece ser a palavra mais importante do seu discurso: liberdade. Liberdade de criar, liberdade de movimento, liberdade sem mais. Em entrevista ao Bodyspace, Débora Umbelino fala-nos de como foi chegar a este disco, do processo de estar em estúdio, da sua família musical, influências e expectativas para o futuro.
© Hugo Domigues
Chegaste finalmente ao teu disco de estreia, depois de muitos muitos concertos. Não sei quanto a ti, mas parece-me que o percurso até chegar aqui foi longo e suado. Sentes isso?

[risos] Sim, sinto muito isso! Não acredito nisto tudo que se tem passado. Tem sido uma jornada incrível e com muito trabalho árduo! Nunca pensei ter tanto apoio de pessoas tão incríveis e tão seguidoras do teu trabalho! Costumo dizer que sou a miúda mais sortuda por estar rodeada de pessoas tão magníficas. Sempre esteve em cima da mesa o lançamento de um EP, o Hugo Ferreira é que achou por bem ser um longa-duração devido a estar já há dois anos a tocar quase todos os dias as mesmas músicas e já era altura de mostrar uma cara lavada de Surma.

Fizeste tudo isto com apenas um single. Achas que isto é sinal dos tempos?

Talvez seja, talvez a indústria e a maneira das pessoas pensar está a mudar. Não sei bem explicar todo o processo que Surma teve até hoje! Está a ser mesmo uma viagem intensiva e incrível. É muito bom ver que as pessoas estão a teu lado apenas com um singe e te dão ainda mais garra para fazer mais coisas.

O que é que mudou tudo para ti? Foi aquele concerto no Super Bock Super Rock?

Toda a estrada que tive e todas as experiências que passei fizeram com que fosse mudando de dia para dia. Todos os concertos e todos os momentos que tive ajudaram imenso a chegar a muitas pessoas e a vários sítios. A “estrada” foi das maiores responsáveis por este crescimento. E, claro que festivais como o SBSR, o Milhões, Bons Sons, te ajudam imenso a elevar o teu nome para outro público.

Fala-nos do disco. De como foi chegar até ele...

Foi um processo muito natural e muito genuíno! Foi produzido juntamente com a Casota Collective (três elementos dos First Breath After Coma) e foi uma experiência inacreditável! Começámos a gravar em Outubro de 2016 com umas bases que tinha ainda muito pouco definidas do que iria ser o álbum que tinha em mente. Queria um álbum muito experimental e muito terra à terra com elementos que usamos no nosso dia-a-dia. Temos, por exemplo, um papel embrulhado na mão a servir de percussão, um caderno a fazer de tarola, batidas numa mesa de madeira, e todos os sons do álbum foram feitos no momento e no que tínhamos à mão para os fazer. Não mudava nada daquilo que fizemos, este álbum tanto é meu como é deles. Foi um processo muito colectivo de todos. Foi um processo um pouco longo, devido aos concertos que tinha na altura e ser difícil conciliar com as gravações. Algumas das músicas foram feitas na estrada, no outro dia agarrava as bases, mostrava à Casota e trabalhávamos essa mesma ideia durante duas semanas ou até um mês. Agarrámos mesmo cada música como se fosse um bebé!

Tinhas alguma experiência de estúdio? Era um bicho que te assustava de alguma forma?

Já tive várias experiências de estúdio e posso dizer que não foi das melhores experiências que tive até hoje. Com a Casota Collective mudou tudo completamente. Sempre foi assim que sonhei gravar um álbum, com pessoal amigo, num estúdio caseiro, estar lá de manhã à noite a dar ideias e a falarmos sinceramente uns com os outros, senti-me totalmente em casa e é assim que um estúdio deve ser. Nunca fui muito fã daqueles estúdios enormes com um nome incrível em que se grava com uma qualidade HD, sou totalmente o oposto! Gosto de estar num sítio em que me sinta em casa, em que a gravação seja como tu queres e que pretendas. A Casota permitiu tudo isso.

© Hugo Domigues

Em relação ao design do disco, da capa. Como é que chegaste até ele? De que forma te envolveste nesse processo?

Desde o início que queria ter colagens analógicas no álbum, mas o Hugo acabou por dar uma ideia de um busto da minha cara. E achei incrível. Fomos a casa do Sal Nunkachov fazer o molde para a cara e acabou por dar este resultado. Como me estava a dar muito mal com toda aquela massa na cara e a respirar por duas palhinhas durante dois minutos acabei por rasgar a cara e por ficar este molde só da boca. Achámos que era “aquela”. Como queria ter colagens analógicas e um álbum muito limpo sem nada de lettering decidi então pôr as polaroids com o nome das músicas em que as pessoas podem dar a sua própria interpretação a cada tema.

Porquê Antwerpen?

O primeiro single “Maasai” foi gravado em Doel (Bélgica) em que ficámos a dormir durante dois dias em Antuérpia. Toda a energia que a cidade me transmitiu foi única. Só indo lá é que se sente tudo aquilo! A rotina que eles têm, todos os monumentos, a cidade à noite, foi uma experiência única. Quis dar uma homenagem à cidade que me inspirou, mesmo muito, para este álbum mas também quis que “Antwerpen” fosse um elo intermediário entre a fase “velha” de Surma com a nova fase.

Passa-te pela cabeça que Surma deixe de ser uma one woman band? É algo que está nos teus planos?

Não está nos meus planos que Surma deixe de ser uma one woman band. Criei este projecto mesmo para ter a liberdade criativa que quisesse. Mas… Talvez haja umas colaborações ao vivo daqui a uns tempos.

Das vezes que te vi em palco senti que te sentias muito agradecida por estar ali, e por teres a possibilidade de dedicar a tua vida à música. Estou certo?

Exactamente, sinto-me uma sortuda por poder fazer isto a minha vida e por ter um apoio fantástico dos meus pais, da Omnichord Records e das pessoas que me têm apoiado desde o inicio. Não sei mesmo como agradecer por tudo aquilo que têm feito por mim e por toda a jornada que se tem passado. Sem eles nada disto seria possível.

O que é que fazes quando não estás a fazer música?

Viajar e fotografar.

Apresentaste a tua música em vários países ao longo destes últimos tempos. Como foram essas experiências?

Foram experiências incríveis. Tocar lá fora é sempre muito gratificante para mim e sinto-me muito feliz por ir mostrar o meu trabalho a públicos que não sabes como vão reagir à tua musica e ao teu trabalho. Tenho tido muita sorte quando vou lá fora. As pessoas focam-se mesmo naquilo que se está a passar e vão por curiosidade e para descobrir o que há de novo em Portugal! Tenho tido reacções muito boas quando vou lá fora.

© Hugo Domigues

A Omnichord é uma verdadeira família?

É uma verdadeira família. Sem a Omnichord não estávamos aqui a esta hora. O Hugo Ferreira tem feito um trabalho magnifico com todas as bandas e com toda a internacionalização das mesmas. Não sei mesmo como é que ele consegue conciliar tanta coisa junta. Há uma união muito grande entre todos na editora, somos todos irmãos uns dos outros e tentamos ajudar sempre no que for preciso. O Hugo é o nosso segundo pai. Somos mesmo muito ligados e inspiramo-nos muito na música de cada um de nós! O que é incrível.

O que é que te inspira musicalmente nos dias que correm?

Muita coisa, costumo ouvir variados géneros ao mesmo tempo. Mas umas das minhas maiores influências e obsessões é St.Vincent e Nanome.

És uma daquelas pessoas que insistem em estar permanentemente actualizadas em relação a novos lançamentos? Ou preferes ir ao passado?

Estou sempre à procura de coisas novas. Mas adoro misturar as duas vertentes. As minhas roots é o jazz e o country dos 50s. Misturar essa vertente com a actual é uma experiência incrível.

Qual foi o último disco que te tirou do sério?

Masseduction, da St.Vincent.

E qual foi a última coisa que te tirou do sério?

Os incêndios que se passaram por cá.

E agora segue-se o South By Southwest. Como é que estás a digerir isto tudo?

Não acredito que vou à América tocar. [risos] Foi das melhores notícias que recebi até hoje, nem quis acreditar assim que soube! Foi mesmo incrível saber que vou a um dos festivais que mais admiro e em que conheci maioritariamente as minhas maiores influências. Já tinha sonhado ir lá em modo turista, nunca na vida em ir lá como artista! Sinto-me muito feliz e com um sentimento muito gratificante de poder representar Portugal nos USA!
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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