ENTREVISTAS
Nadine Khouri
Coleccionadora de mundos
· 03 Fev 2017 · 12:12 ·
Vive em Londres e as suas raízes alimentam-se na terra libanesa mas a sua música deambula, qual mito do "judeu errante", pela spoken-word e pelo dream-pop colecionando mundos, colecionando inspirações, colecionando canções que, agora, juntou sob a capa The Salted Air. Este, outrora Lost Continents, fugiu da depressão e sorriu quando o produtor John Parish (PJ Harvey) se deixou cativar pelo canto da sereia Khouri, um canto que traz preso na voz os silêncios de Low e a paixão Mazzy Star.

Nessa mesa recheada que Nadine nos foi preparando ao longo desta entrevista, houve lugar para Virginia Woolf e seus camaradas noruegueses, para filmes franceses (quase tão antigos como Woolf) e Amália, Rodrigues de sobrenome. Talvez Amália lhe passe pela mente, qual filme sem diálogos, como lhe passou o tema que dá nome ao álbum e que não conseguiu deixar de revisitar durante todo um Verão até lhe encontrar letra que o servisse. Isso não sabemos. Se a música é, em si mesma, uma resposta, a de Nadine far-se-á ouvir em três palcos deste país. A 16 de Fevereiro no Maus Hábitos (Porto), 17 no CCC de Caldas da Rainha e a 18 no Auditório Municipal de Sabugal. Lá, como em tantos outros momentos da sua vida, Khouri estará a coleccionar mundos, não para só para si, mas para todos. Eis Nadine Khouri.
© Steve Gullick
O que é que esperas desta tournée pelo nosso país?

Esta é a segunda vez que visito Portugal. Na primeira ocasião não tinha ideia daquilo que me aguardava mas acabei por me apaixonar pelo lugar – foi difícil ir embora.

Conheces alguma coisa de música portuguesa?

Um pouco, adoro fado. Obviamente Amália Rodrigues, mas também outros fadistas. Ouvi, recentemente, Lula Pena e fiquei encantada com a sua fantástica voz. Também adoro Dead Combo. No fundo, adoro descobrir música nova.

Nasceste em Beirute mas, actualmente, vives em Londres. Em que medida, estas duas culturas tão diversas, são combinadas e redefinidas dentro da tua música?

Se Beirute existe, de todo, na minha música, será sobretudo a um nível subconsciente, no imaginário e na memória. Musicalmente falando, deito âncora nas bandas que ouvia enquanto adolescente em Londres… Fui influenciada por um sem número de coisas. Vivi quase cinco anos nos Estados Unidos da América e isso acabou por ter um enorme impacto em mim. Muito daquilo que é The Salted Air foi-me inspirado por escritores noruegueses e filmes antigos franceses, por isso não penso que a minha música se consiga definir apenas por esses dois mundos.

© Steve Gullick

Como é que John Parish apareceu na tua vida e quão importante foi teres gravado com ele?

Bom, como toda a gente, ele começa por aparecer em muitos dos álbuns que mais apreciava. As atmosferas que ele criava absolutamente cativantes, quer fosse com a PJ Harvey, no seu próprio trabalho ou em parceria com outros músicos. Conheci-o, de forma muito breve, há alguns anos em Londres e acabei por gravar umas vocalizações para uma faixa sua intitulada “Baby’s Coming”. Por isso, foi um verdadeiro privilégio poder contar com ele neste disco.

Como é que foi criar este The Salted Air? Onde é que foste buscar inspiração?

O tema “The Salted Air” foi a primeira música a ser escrita para este álbum (ainda que, na altura, não soubesse que viria a ser o caso). Não tinha a certeza que, naquele ponto, lhe daria continuidade, mas aquela melodia entranhou-se na minha cabeça durante todo o Verão, não a conseguia deixar de cantar. Penso que esse foi o ponto em que o álbum nasceu, verdadeiramente, para mim em termos de saber o que iria fazer depois – a tentativa de capturar um sentimento ou atmosfera intangível em detrimento de uma história mais literal. Escrevi muitas outras canções depois disso, umas mais “dentro” do projecto do que outras, enquanto a minha inspiração ganhava forma através de livros, filmes, pessoas, perdas, pequenas epifanias, recomeços ou discos.

O disco era para se chamar Lost Continents. Porque razão decidiste alterá-lo?

O título Lost Continents nasceu de uma linha numa canção que acabou por não fazer parte do álbum. De certo modo, o disco versa sobre regressar a algo previamente perdido e, passado algum tempo, senti que esse título poderia, potencialmente, ter uma conotação mais depressiva ou errónea. The Salted Air pareceu-me mais apropriado, mais abrangente, mais feliz e, acima de tudo, o melhor título para carregar estas canções.

Spoken-word e dream pop. Como é que estes dois convivem? Porque o enfase na spoken-word?

Haha, não tenho ideia, consegues-me explicar?! Adoro os dois. Por vezes, gosto tanto de canções “ditas” como de canções “cantadas”.

© Steve Gullick

Virginia Woolf é a referência no que toca ao single “Broken Star”. É mais do que uma homenagem?

Sim. A inspiração primeira para esta canção surgiu de “Solid Objects”, um pequeno conto de Virginia Woolf que versa sobre um coleccionador. Ao longo da estória o coleccionador continua igual a si próprio, enquanto na canção ele rebenta com as grilhetas que o prendem á sua rotina. Carreguei a música durante muito tempo mas não conseguia encontrar a letra que a servisse. Gostei desta ideia de um homem percorrendo, obsessivamente, as ruas de Londres procurando e recolhendo objectos descartados pelos seus antigos proprietários.

Com isto podemos dizer que a Literatura adquire um papel fulcral na tua criação musical?

Claro. Obviamente. Adoro a musicalidade das palavras, as estórias que elas contam e a imagética que produzem… As canções aparecem na minha mente como filmes – algo visual – e o meu trabalho acaba por ser passa-los, o melhor que sei, para a realidade palpável de uma música.

Shoe-gaze, Mazzy Star e Low, entre outros artistas e géneros, são tidos como algumas das tuas maiores influências. Quando e porquê estes “sintomas de inspiração” surgiram na tua vida e de que forma eles se disseminam pela tua música?

Mazzy Star surgiu-me ainda enquanto adolescente. Ouvi-a e apaixonei-me por eles poucos segundos depois de ouvir a voz de Hope Sandoval. Uma década mais tarde encontrei Low – adorei o seu minimalismo, a experimentação, as harmonias – a sua reverência para com o silêncio – permitindo que as canções tomassem o seu tempo, se o quisessem, para deixarem espaço à sua volta. Penso que a música do John Parish e dos Low possuem essa qualidade: o som do instrumento, por si mesmo, parece adquirir uma vida própria convertendo-se num importante veículo de transmissão do seu trabalho.

Até onde pretendes levar este novo album e, como um todo, a tua carreira?

Quero levá-lo a viajar e dá-lo a conhecer ao maior número de pessoas possível. Quanto àminha carreira não sei, mas gostava de fazer um outro disco, uma vez que este já está finalizado!
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
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