ENTREVISTAS
Graveola e o Lixo Polifônico
As cores da polifonia
· 24 Jun 2016 · 14:39 ·
Graveola e o Lixo Polifônico já são conhecidos por cá, o que muito agradecemos. Lançaram há pouquíssimo tempo o “Camaleão Borboleta”, o sexto álbum dos mineiros. A panóplia de ritmos certamente bateu recordes neste trabalho, com influências infinitas, dentre as quais as principais vêm dos seus próprios corações. Conversámos com o Luiz Gabriel Lopes, que também estará cá com o TiãoDuá. Ele contou-nos um bocado mais do processo de concepção deste disco, que é marcado pela mutação dos animais nada simplórios que são o camaleão e a borboleta. O resultado não poderia ser diferente de magnífico.

Os Graveola, que esbanjam brasilidade desde a fruta do nome, preparam-se para uma tour em junho e julho, na Europa. Passarão por Berlim e Paris. E claro, têm alguns concertos em Portugal. Dois em Lisboa (dia 30 de Junho, no Renovar a Mouraria, dia 16 de julho, no Festival do Intendente), um no Porto (Café au Lait, a 20 de Julho ) e em Sines, (22 de Julho, no FMM Sines).
© Vânia Cardoso
Camaleão Borboleta, o sexto disco de vocês, nos deu a sua graça no dia 11 de junho. Já agora, o que levou a esta junção de nomes nada comuns para o título?

É uma expressão presente na canção "talismã", e se refere à força vital das transformações e metamorfoses, com dois símbolos fortes, animais de poder. o camaleão e sua mágica de mimetizar-se aos ambientes, a borboleta e sua longa (e poética) caminhada da lagarta, ao casulo, ao vôo. acho que tem a ver com a nossa própria experiência de mundo, chegar aos 11 anos de estrada no circuito da música independente nos exigiu todo o tempo grande resiliência e capacidade de reinvenção... e felizmente é algo que ainda pulsa na maneira como procuramos fazer e viver nossa música.

É impressionante a coloração dos arranjos do Camaleão. Houve algo de diferente no processo de produção deste novo trabalho?

O repertório é um amálgama de canções de épocas distintas, há temas bem recentes, outros foram resgatados do fundo do baú... a banda trabalhou com sua habitual liberdade de experimentação nos arranjos, amadurecendo o som na estrada, filtrando e lapidando em conjunto as ideias que iam surgindo. entretanto a presença do produtor Chico Neves foi sem dúvida um traço distintivo de grande valor para esse trabalho, especialmente no que diz respeito à "coloração", como você diz. Chico é um ourives dos sons, mestre das artes do estúdio, obcecado por detalhes. sempre muito atento à qualidade timbrística de cada instrumento, mas mirando na resultante sonora do todo. aliás, ele é quem precisamente mais nos ensinou a ouvir o todo, observá-lo de longe, como um quadro impressionista, em que as cores justapostas se somam e formam outras tonalidades. de fato ele contribuiu decisivamente para a "pintura do quadro". também gosto muito do resultado!

© Vânia Cardoso

Qual foi a maior inspiração para esta nova abundância de cores nos Graveola E O Lixo Polifônico?

Acho que é algo que consta em diversas gavetas da nossa memória afetiva musical. o tropicalismo, o Clube da Esquina, o jazz, o Zé do Poço, os Beatles, a riquíssima nuvem de produção musical autoral que hoje existe em belo horizonte, bem como no Brasil todo, tudo nos alimenta, nos faz vibrar, contribui de alguma forma para essa paleta de cores.

Há algumas músicas neste novo disco que já estavam noutros, como "Lembrete" e "Maquinário". Algum motivo especial? Para além das músicas em si, claro.

Sentíamos que essas canções ainda não tinham recebido o devido tratamento, em termos de arranjo, gravação, produção. sentíamos também que compunham bem o mosaico do repertório, num aspecto vibracional e simbólico, do campo semântico que esse disco queria construir. isso porque tentamos fazer o disco mais como um filme que como uma coletânea de canções, construí-lo numa espécie de linha narrativa que se desenvolve a partir de aspectos sutis, ora pela música, ora pela temática da letra, ora pelas sensações que um determinado som pode provocar. além disso, a gente costuma curtir isso de regravar temas, é algo que também fizemos entre o "um e meio" e o "eu preciso de um liquidificador", e foi igualmente interessante.

Como se deu esta participação especialíssima de Samuel Rosa, dos Skank, em "Talismã"?

O Skank é uma referência incontornável pra nossa geração. Discos como o Calango e o Maquinarama fazem parte da nossa memória afetiva... Além disso, o Chico já tinha trabalhado com eles, tinha uma proximidade, daí foi uma conexão natural, rolou massa, ele curtiu, nós também. Uma ponte geracional importante na música produzida em Minas Gerais, ficamos felizes com o resultado.

© Vânia Cardoso

Quais os artistas portugueses que mais gostariam de ter uma parceria no futuro?

Admiro imenso o trabalho do JP Simões, que conheço pessoalmente e de quem gosto muito. já o levamos a BH para um festival que ando a organizar junto com amigos, a Mostra Cantautores, e foi sensacional. também me chama bastante a atenção a música do Antonio Zambujo, de grande delicadeza e beleza, e do B Fachada, em quem reconheço uma voz de grande inventividade, em sua ironia e seus devaneios. o álbum "Deus, Pátria e Família" é uma pedrada!

O swing e sotaque são duas das coisas mais inconfundíveis e inigualáveis de Minas Gerais. Com estes mais de 10 anos de estrada, já sentem-se mais do Brasil que de Minas?

Há uma frase de uma canção do Lô Borges, cantada pelo Milton Nascimento que diz: "sou do mundo, sou Minas Gerais". acho que é uma tradução interessante desse sentimento. Minas é uma terra abençoada, de muita afetividade e muito lirismo. nossa identidade sem dúvida já possui marcas de todas as viagens temos feito por aí, somos filhos do estilhaço da contemporaneidade e o contacto com as culturas do mundo pelas estradas da música é algo que tem efeitos maravilhosamente irreversíveis para a cosmovisão de qualquer um. mas sim, acredito que o sotaque, entendido como algo amplo, essa camada subtil na cultura de cada um, que tem a ver com a criação, a infância, os valores e tradições onde originalmente bebemos, é algo precioso que não se perde facilmente.

A cena da música independente brasileira ganha novas medidas a cada dia. Acham que actualmente está mais acessível fazer música que antes?

Percebo que hoje já existe um acumulo histórico, desse processo do qual também fazemos parte, de invenção de um circuito independente, fora do velho esquema, das grandes gravadoras, do jabá das rádios, mas através das redes virtuais de compartilhamento de música. a internet é nossa grande aliada, apesar de ainda existir um grande trabalho de pavimentação a ser feito, para tornar o trabalho do músico algo mais viável. o graveola hoje possui seguidores em várias partes do Brasil e do mundo graças à possibilidade de proximidade com o público que a internet nos proporcionou. sim: somos filhos da guerrilha virtual, nos fizemos através dela, mas também queremos e precisamos alcançar condições estruturais melhores, para que produzir nossa música não tenha que ser sempre um gesto de resistência contra um imenso circuito de obstáculos. felizmente, vejo com otimismo um futuro próximo, mas ainda há uma longa caminhada pela frente.

Percebo alguns ritmos amazónicos também na mistura dos Graveola. É por isso que costumas usar aquela maravilhosa (eu venho de lá) camisola do Pará?

Passei recentemente uma temporada viajando pelo norte do Brasil, e sim, passei pelo Pará, terra maravilhosa, síntese de algumas das mais instigantes profundidades culturais do nosso país. e sim, tenho um grande gosto pela música amazônica, da qual lentamente começo a me acercar mais... há toda uma tradição específica da canção popular por lá, realizando cross-fades sensacionais com a cultura caribenha, os sotaques latino americanos, a música electrónica e vários outros campos. sobre a camisola do Pará comprei por 10 reais no mercado Ver-O-Peso em Belém, e sim, tenho grande estima por ela. [risos].

© Vânia Cardoso

Sobre esta próxima tour. Mais uma longa passagem por Portugal, tanto na praia, quanto na cidade. Já sentem-se em casa?

Portugal é seguramente nossa casa na Europa. temos um grande apreço pelo país, muitos amigos cá, gente realmente querida. sem contar a boa música, boa comida, bom vinho, lindos lugares, é sempre uma festa. quando cá viemos pela primeira vez, em 2010, lembro o quanto foi surpreendente percebemos que havia malta que já nos conhecia, sabia cantar as músicas... de lá pra cá, durante as turnés pela Europa, às vezes passando por países distantes, quando chegamos em Portugal de fato é quase como chegar em casa...!

Depois, vão rodar bastante pela Europa. Nos países mais afastados da cultura brasileira, como é a interacção com o público?

É sempre curioso, e interessante. em países onde não se tem a relação com a língua, as camadas de percepção da música estão ligadas a uma outra sensibilidade... em 2014 por exemplo passamos por um par de festivais na Alemanha e foi muito legal, a conexão com o público foi muito massa. eles são ouvintes muito atentos e exigentes, ligados nos aspectos propriamente musicais, os arranjos, harmonias, melodias, ritmos... de qualquer forma a música brasileira já possui grande credibilidade internacional, é sem dúvida o nosso principal cartão de visita... temos um grande legado de artistas que espalhou a música brasileira pelo mundo, desde no mínimo os anos 60/70... daí a gente também surfa nas reverberações desse movimento.

Foram tantas tours, que finalmente, o passado London Bridge seria um resumo sobre estas grandes estradas que a música proporciona?

De alguma forma, carregamos sempre connosco um pouco de cada lugar que visitamos. e sim, isso torna-se matéria prima sensível para a música. não seria incoerente dizer que há um certo sabor viajeiro na música do Graveola, que constantemente nos inspira. estar em contacto com a multiplicidade de culturas e modos de vida é algo a que somos muito gratos à música, que nos proporciona conhecer tantas realidades.
Matheus Maneschy
matheusmaneschy@gmail.com

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