ENTREVISTAS
This is a Process of a Still Life
Uma luz no horizonte
· 26 Dez 2005 · 08:00 ·
Os This is a Process of a Still Life são de Missoula, Montana, local do qual se dizem maravilhas tendo em conta as suas paisagens de perder a vista e cenários naturais. O colectivo formado na Primavera de 2003 é o actual detentor legítimo dos direitos de composição de bandas-sonoras para essas mesmas paisagens – são os seus pintores musicais actuais. E já lá vão duas. Primeiro foi o disco homónimo lançado em 2004 altura em que lhes atiraram para cima do rótulo do pós-rock, e agora Light, um disco onde os This is a Process of a Still Life procuram fugir a alguns clichés do pós-rock (tarefa de resto já conseguida) e criar algo mais próprio, e conseguiram um conjunto de temas instrumentais de cariz essencialmente atmosférico e sem ponta de pretensiosismo. Light é um disco que deposita grande esperança nos pequenos pormenores e isso talvez explique a quantidade de tempo que demorou a ser gravado. Jason Ward, Ben Rouner, Scott Kennedy, Burke Jam e Baine Craft são os convidados do dia, vindos directamente de Missoula, a pequena cidade do estado americano de Montana que viu nascer David Lynch.
Como é que tudo começou para os This is a Process of a Still Life?

Jason Ward - Mudei-me para o Missoula com Grier Phillips. Ela ia para a escola. Voltou à Virginia para andar em digressão com a banda em que o Ben e eu estávamos. A banda acabou antes da digressão por isso eu voltei ao Missoula. Eu e o Ben voltamos a escrever outra vez. Três anos depois, aqui estamos nós.

Ben Rouner - A banda anterior. Riders of the Mark, era muito ruidosa e abstracta, e tinha mais elementos electrónicos. Nós sabíamos que queríamos continuar a escrever música instrumental. Os primeiros temas que escrevemos eram apenas eu e o Jason a experimentar ideias, e eles eram bastante minimais – apenas baixo e guitarra, ou baixo e teclados. Como resultado disso, eram muito mais guiados pela melodia. Quanto mais complexas as linhas de melodia se tornaram, mais necessidade havia de estruturar profundamente os temas.

Scott Kennedy - Eu entrei na banda vários meses depois de eles começarem. Eles estavam a experimentar diferentes guitarristas e nenhum parecia funcionar. Recebi um telefonema de um dos membros a perguntar se eu queria ensaiar com eles. As coisas caíram simplesmente no lugar. Todos tínhamos muitos dos mesmos interesses musicais e abordagens similares à escrita de canções. Foi como se fosse suposto tudo acontecer assim.

Burke Jam - Ao viver numa pequena comunidade no Montana e ao encontrar um grupo de pessoas que estavam todas interessadas num conceito similar, o que não era tão prevalente no Missoula na altura, estabelecemos uma forte ligação como amigos e deste modo a música apareceu muito fluidamente.

Como é que a direcção do vosso primeiro disco surgiu? Tinham uma ideia concreta acerca daquilo que queriam antes de entrar em estúdio?


B.R. - Na sua maior parte, todas as canções do primeiro disco foram escritas e estruturadas muito firmemente antes de termos entrado em estúdio. O nosso tempo em estúdio era muito limitado – se eu me lembro correctamente, gravamos tudo em nove dias. Éramos apenas banda há nove meses quando fomos gravar o primeiro disco, por isso acho que estávamos ainda a desenvolver uma identidade, musicalmente falando. Ainda estou muito orgulhoso com aquele disco, apesar de tudo.

S.K. - Quando eu me juntei à banda, a maior parte das canções já lá estavam, mas estavam ainda a ser estruturadas. Juntei-me cerca de dois meses antes da gravação do primeiro disco. Estávamos a tentar ter as canções prontas antes de ir gravar para poupar tempo no estúdio. A maior parte do álbum foi escrita no espaço de prática antes de nos aventurarmos no estúdio. Houve algumas coisas compostas organicamente no estúdio, mas primeiramente entramos já sabendo aquilo que queríamos atingir.

Do vosso primeiro para o segundo disco, parece que de certa forma esconderam as vossas influências e criaram algo mais próprio. Concordam com esta ideia?


Baine Craft - Sim, acho que este disco é único porque cada um de nós vem de uma cena musical diferente. Nenhum de nós ouve realmente música instrumental. Todos temos projectos à parte. O resultado é um esforço verdadeiramente colaborativo, algo único.

S.K. - Esta é uma pergunta difícil porque no que diz respeito a influências para mim… não há definitivamente nenhumas influências de outras bandas instrumentais. Honestamente não ouço música instrumental. Não o fazia antes de entrar para a banda, e não o faço agora. A maior parte das minhas influências vem de bandas como My Bloody Valentine, Broken Social Scene, Air, Elliott Smith, os Stone Roses, Chapterhouse, etc. Eu diria que sempre tivemos o nosso próprio estilo ou som e que ficou mais forte com o segundo disco. Talvez porque amadurecemos a nossa escrita de canções e estamos um pouco mais confortáveis com aquilo que somos musicalmente. Se alguma influência é escondida, não é intencional. Nada é orquestrado nesta banda. Tocamos aquilo que surge como natural aos nossos ouvidos e aquilo que nos toca.

B.R. - Eu acredito mesmo que se sinta que temos uma identidade mais forte como banda agora. Acho que isso é maioritariamente apenas uma função do tempo. Espero que continuemos a levar as nossas ideias cada vez mais longe com o tempo. Temos tido sorte por ter acontecido muito naturalmente até agora.

B.J. - Tocarmos juntos ao mesmo tempo no estúdio e na estrada, e ao termos mais tempo para nós próprios, permitiu que nos tornássemos mesmo uma banda, e em vez de tocarmos aquilo a que queríamos soar, tornamo-nos mais confortáveis ao tocar aquilo a que realmente soamos como o grupo de músicos que somos. A partir daí foi mais desafiar e desenvolver aquele som o que acabou por ser muito importante para a gravação de Light.

Este novo disco demorou seis meses a ser escrito e gravado. Como foi esse tempo sequestrados no estúdio de gravação?


B.R. - Tivemos muito mais espaço para experimentar desta vez, o que foi realmente importante para nós. Trabalhamos peça por peça. Houve coisas que tentamos que não resultaram, e tentamos outras coisas. É um disco muito pensado – onde escrutinamos verdadeiramente cada aspecto.

J.W. - Mais tempo para o detalhe. Tivemos muito tempo para respirar com o material.

B.J. - Caoticamente e militaristamente. Foi óptimo estar em casa e desenhar o nosso próprio horário, mas também exigiu mais disciplina para organizar – entre escrever, ensaiar e gravar. O resultado final deu-nos algo que eu sinto como mais verdadeira de formar como resultado desses desafios e conveniências.

B.C. - Foi como estar aprisionado no inferno, foi como Thoreou em Walden. Tivemos todos a oportunidade de escapar às nossas vidas atarefadas para nos encontrarmos num local sem distracções, no meio do Inverno. Solidão.

Li algures que 2005 foi um mau ano para vocês, muitas coisas aconteceram. O que é que nos podem contar acerca disso?


J.W. - Magia e perda.

B.R. - Sem ser muito especifico, foi simplesmente um ano difícil para muitos de nós individualmente, e para muitas pessoas que nós conhecemos fora da banda. Uma parte de estar vivo é ser forçado a lidar com várias tragédias, algumas menores, outras maiores. Quase todos tinham algumas combinações de coisas magoando-os, e tudo pareceu acontecer mais ou menos na mesma altura. Não foi uma coisa extrema para nenhum. Foi apenas um ano estranho.

B.J. - A melhor e a pior coisa que acontecem quando uma banda ganha velocidade é que se torna como uma família, assim como as pessoas nas nossas vidas que estão relacionadas com o nosso trabalho. Deste modo, quando a vida acontece todos a sentimos como um todo. A natureza do estilo de vida envolvida nas digressões e nas gravações de música nem sempre é confortável e pode dar muito trabalho. Por isso quando encontras um caminho rochoso, como a perda de um amigo no nosso caso, essas lutas pela vida intensificam-se. Mas eu tenho alguma crença na ideia que a noite é sempre mais escura mesmo antes do amanhecer.


Andaram em digressão pelos Estados Unidos da América recentemente durante cinco semanas. Como é que foi?

B.R. - Na sua maior parte, foi realmente fantástico. Com a excepção das reparações que tivemos de fazer na nossa própria carrinha, o que nos magoou financeiramente, sinto que foi um sucesso. Sempre que estamos na estrada acabamos por conhecer tantas pessoas incríveis que se tornam grandes amigos.

J.W. - Quente. Maravilhoso. Muito cansativo. Vamos fazê-lo de novo!

S.K. - A digressão foi óptima! Adoro estar na estrada e tocar todas as noites. É igualmente um sentimento bastante compensador quando as pessoas vêm ter connosco depois dos concertos e expressam a sua gratidão pela música. Aprecio verdadeiramente o feedback que recebemos das pessoas enquanto estávamos em digressão.

B.C. - Foi espectacular. Penso nisso todos os dias, em como eu gostava que todos estivéssemos ainda a viajar na nossa Ford Econoline pelo meio dos grandes Estados Unidos.

B.J. - Eu não sei. Eu estava a saltar de aviões algures no Oeste americano.

Têm planos para vir à Europa e tocar por cá?


B.J. - Acho que é uma grande prioridade para todos nós, agora é mais trabalhar nos detalhes e planos para a banda.

J.W. - Está no ponto da ideia.

B.C. - Por favor Deus, sim. E o Japão.

B.R. - Queremos mesmo muito fazer digressão no estrangeiro, e é maioritariamente uma questão de dinheiro e logística. Temos recebido um número bastante bom de e-mails de pessoal que gostou dos nossos discos e perguntam quando é que vamos tocar no estrangeiro. É tão encorajador ler essas mensagens. Quem me dera poder dar uma data específica.

S.K. - Sim! Podes fazer uma angariação de fundos para nós? Diabos, tudo o que eu preciso é de um avião e uma guitarra. Apontem-me para qualquer palco, qualquer palco, nós estaremos nele.

Acreditam haver uma relação entre a vossa música e as paisagens do Montana? Porque às vezes é o que parece…


B.C. - Eu acho que sim.

J.W. - Acho que seria muito difícil que isso não se transparecesse em nós. É difícil ignorar. B.J. - Vivendo num ambiente aberto, belo e por vezes duro que é tão pouco populado quando comparado com um urbano, sinto que somos mais influenciados pelo espaço à nossa volta como oposto a uma cena musical preexistente.

B.R. - Mudei-me para o Montana há três anos atrás, e gostei muito de viver lá. Sinto-me mais em casa do que em qualquer outro sitio onde vivi. Acho que a música em que estou envolvido aqui foi influenciada por isso até algum grau. Acho que me senti mais confortável como artista, e mais livre para explorar uma série de ideias aqui do que em qualquer outro sitio.

S.K. - Se há, para mim é inconsciente. Eu imaginaria que aquilo que nos rodeia influencia-nos quer estejamos conscientes disso ou não. Acho que se estivesse a viver no sul do Mississippi, eu estaria ainda assim a fazer a mesma música.

Considerar-se-iam uma banda de pós-rock? O que é que acham de bandas como os Explosions In the Sky, Godspeed You Black Emperor!, Mono e os Mogwai?


B.R. - Não tenho a certeza se alguma vez percebi o termo pós rock. Acho que aceitei que a maior parte das pessoas nos vêm como uma banda de pós-rock, e é a melhor etiqueta para atirar para cima daquilo que fazemos. Pessoalmente, acho que estamos a escrever discos pop. Não o tipo de música pop que encontras no Top 40 da rádio, com certeza, mas mesmo assim discos pop. Dito isto, apesar de tudo, há muitas bandas que são consideradas pós-rock que eu realmente adoro, e outras que eu acho bastante chatas. Apenas acho estranho como é que grupos tão imensamente diversos acabam por ser todos colocados na mesma categoria.

S.K. - Acho que todas elas são óptimas, e são todas boas naquilo que fazem. Devíamos todos fazer uma grande digressão juntos. Não tenho a certeza que o termo pós-rock seja ainda válido.

J.W. - Sim, creio eu. Se temos de ser. Acho que elas são todas fantásticas. Não as ouço muito, mas eles rockam.

B.C. - Eu não. Não ouço essa gente.

B.J. - Acho que o termo pós-rock é antiquado e nega aquilo que realmente se está a passar. Atribuir etiquetas parece surgir da vontade de entender e definir aquilo que uma coisa é. Acho que é muito mais interessante deixar as coisas respirarem, deixar as pessoas responderem aos seus próprios termos e alimentar o processo de metamorfose e evolução.


Não acham que o pós-rock chegou a um ponto de saturação especialmente para aquelas bandas que usam explosões, grandes crescendos e erupções? Parece-me que sempre tentaram evitar e fugir desse tipo de cenas…

J.W. - Não é isso que ouvimos a nossa música fazer. Acho que é óptimo que as outras bandas façam aquilo que querem. Apenas não é para nós.

B.C. - Porque é chato.

S.K. - As explosões e grandes crescendos podem tornar-se previsíveis e chatos. Apesar de tudo não acho que estejamos a evitar esse tipo de coisas. Acho que é a natureza do nosso estilo de escrever temas. Tentamos fazer com que seja interessante para nós mesmos. Se começamos a ficar aborrecidos em certo ponto do processo de construir uma canção, sabemos que é tempo de mudar. Às vezes parece que as nossas canções progridem em forma similar àquela que bandas que utilizam letras podem utilizar. Talvez isso tenha a ver com o facto de termos dois escritores de canções na banda.

B.R. - O pós-rock chegou certamente a um ponto onde existem imensos clichés, mas eu também argumentaria que todos os géneros de música, e todas as formas de expressão em geral, têm os seus clichés. Talvez o problema, no caso do pós-rock, seja que grande parte dele é muito pesado, e leva-se muito a sério. Não estou interessado em fazer música triste só por ser triste, e quero explorar uma série de emoções. Igualmente, o nosso processo de escrita de temas é muito analítico, e nós somos muito conscienciosos na forma como as canções são construídas. Como resultado, quando começamos a ouvir coisas nas nossas canções que soam a algo que já ouvimos anteriormente, ou algo que parece cliché, significa usualmente que temos de voltar a trás e trabalhar mais na canção.

O pós-rock que vem da Constellation Records tem uma mensagem politica em direcção aos Estados Unidos da América. Partilham essa visão ou não têm interesse em tornarem-se políticos?


B.R. - Tenho o maior respeito pela abordagem da Constellation e pelas suas politicas, mas eu penso definitivamente que nós estamos a abordar as coisas de uma direcção muito diferente. Falando somente por mim, preferia ser politico noutras áreas da minha vida do que na música. Não que a música não possa ser eficaz nessa arena – acho que há muitos exemplos de ela ser muito eficaz. Mas com esta banda, estou mais interessado em criar algo belo pelo simples motivo de ser belo, no lugar de criar algo com uma mensagem politica.

B.J. - Acho que a politica para nós é muito mais sobre as nossas acções e estilos de vida como oposto a usar os Process especialmente como um instrumento para jargão político.

No último EP, os Explosions in the Sky utilizam surpreendentemente as suas vozes em algumas faixas (eles não cantam mas pode-se ouvir as vozes deles). Alguma vez vos passou pela cabeça utilizar vozes ou samples de vozes?


B.C. - Sim. Se tivéssemos um caralho de um sintetizador Korg synth eu quereria vocoder em cada faixa. Ben, posso arranjar um?

B.R. - Sim, é algo sobre o qual eu penso de tempos e tempos, apenas a pensar naquilo a que poderia soar. Teria de acontecer muito organicamente. Um vocoder podia ser fantástico. O cartunista Charles Adams, a falar sobre o seu trabalho, disse que os seus cartoons favoritos eram aqueles em que ele era capaz de contar uma história inteira sem usar diálogo ou legendas a explicar alguma coisa. Às vezes sinto-me dessa forma acerca da música que estamos a criar, e as escolhas que fizemos até agora não têm letras ou vozes nas nossas canções.

S.K. - Temos algumas cenas de samplers de vez em quando, especialmente nos concertos. Nunca usando contudo a voz. Provavelmente seríamos acusados de roubar os Sigur Rós se o fizéssemos. [risos]

B.J. - Na verdade usamos voz humana em Light na forma de sampling. E eu acho que um dos aspectos mais divertidos nos Process como banda é que eu não sinto que nós limitemos o que consideramos ser um instrumento. Todos os elementos de ruído têm potencial. É mais uma questão de quando e onde que nos ajuda a criar os sons.

Qual é a mensagem implícita no nome da banda? Alguém escreveu algures que o vosso nome era o nome de banda mais poético nos Estados Unidos da América...


B.R. - Não acho que haja uma mensagem específica, tal como diria que as nossas canções individuais não têm uma mensagem específica. O nome da banda, e mais importante a música ela própria, é muito aberta a interpretações, e deliberadamente. Provavelmente a ideia no nome que possui o maior peso para nós é o aspecto do ‘process’; estar aberto à evolução e ao desenvolvimento, como músicos e simplesmente como seres humanos.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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