ENTREVISTAS
Sylvie Lewis
Uma viajante em busca de flores nocturnas
· 31 Mar 2016 · 11:29 ·
100 mulheres nuas, uma viajante que se apaixonou por Itália e por lá ficou e amor, muito amor para colocar nas suas canções. Falamos de Sylvie Lewis e das suas facetas, não das mulheres nuas que, essas, são para descobrir mais adiante, inglesa no passaporte, italiana na alma e coração, mulher de canções delico-doces, a que chama de flores nocturnas no seu último trabalho de originais Night Flowers acedeu, gentilmente, a dar, verbo aqui utilizado com toda a intensidade, esta entrevista. Entrevista que passa, mas não se detém, apenas, no seu quinto álbum de originais, antes, passa-o com o olhar de quem já viu o que tinha a ver e não precisa de fotografia para o capturar para a eternidade. Flutua em direcção a novas paisagens, viagens por iniciar ou acabar, como o próximo álbum em que já trabalha ou a tour que não quer finalizar. Esta é uma parte de Sylvie, esta é a parte que nos coube em sorte e que terá continuidade quando, no próximo domingo o Bodyspace a levar nos braços até ao palco do Café Au Lait, no Porto.
Vamos às coisas importantes em primeiro lugar. Está a correr bem a incursão pelo ramo imobiliário? (quando clicámos no link do site de Sylvie Lewis somos reencaminhados para um site de imobiliária).

Estou em processo de construção de um novo website – se as coisas não correrem bem com este álbum talvez mude de área.

Na tua biografia na Kickstarter, tu descreves-te como uma viajante, que na realidade és, o que é que já colheste das tuas experiências? O que é que elas aportaram à tua música?

Bem, sinto que, no meu caso, as viagens influenciam a minha música tornando-a “mais minha”, ajudando a tornar-me mais “eu própria”. O que eu quero dizer é que, por exemplo, quando estou em Inglaterra, não me sinto muito inglesa. Sempre me senti uma outsider no meu país. Paradoxalmente, quando me encontro num outro país, o Brasil por exemplo, sinto-me extremamente inglesa. As viagens conectam-me com a minha cultura, de uma forma mais efectiva do que estar em Inglaterra. Agora, a forma como influencia a minha música…bem, penso que parte do trabalho do artista passa por perceber quem são eles próprios. Imbuída dessa perspectiva consigo observar o mundo que me rodeia de uma forma mais clara. Mas é um processo em continuo desenvolvimento – o desvendar.



Porquê Itália e Roma? Sentes-te mais latina do que anglo-saxónica e, em caso afirmativo, isso altera a perspectiva que tens sobre a música e o teu processo criativo?

Se perguntares a alguém o porquê dele se mudar para Itália raramente, a resposta, é “por trabalho” e mais frequentemente “por amor”. No meu caso, primeiro apaixonei-me e depois encontrei um trabalho como artista convidada da L’ Orchestra di Piazza Vittorio (começaram um projecto em Lisboa denominado Orquestra Todos). Quando estava na escola, a minha professora de italiano descreveu-me como “o espírito de uma italiana, preso num corpo de rapariga inglesa. Penso que faz sentido, uma vez que vivo lá há tanto tempo.

Depois de quatro álbuns e Night Flowers, o quinto, em rotação, em que sentido a tua música mudou ao longo do tempo? Este é o teu melhor trabalho?

Penso que o meu processo de fazer música modificou-se ao longo do tempo porque, agora, consigo definir muito melhor aquilo de gosto do que o fazia há dez anos. As decisões que tomo durante o processo criativo, neste momento, prendem-se mais com “puxar para fora aquilo que se encontra cá dentro”. Sei que é suposto dizer, em entrevistas, que Night Flowers é o meu melhor trabalho – mas para ser honesta, não sei se a música funciona dessa forma. Existe um “melhor” ou, simplesmente, trata-se de uma trajectória? Amo este álbum e amo e estou totalmente comprometida com esta jornada artística – mas não se trata, para mim, de um fim em si mesmo, é sim, um caso de amor pelo processo.

Ouvir Night Flowers leva-nos numa viagem até ao countryside inglês ou, pelo menos, assim nos soa. Significa que decidiste fazer uma pausa e dar-nos um momento de pausa do vórtice do dia-a-dia?

O meu sonho é que as pessoas ouçam o álbum bem pela noite dentro. É quando a maior parte da música foi escrita. Sofro de insónias de tempos a tempos e, como tal, levanto-me e escrevo. As canções, elas mesmas, são como flores da noite para mim. Mas existem várias espécies de flores da noite, tais como: pensamentos, encontros, estrelas, belos homens e belas mulheres – tudo o que floresce à noite. Então sim – definitivamente não é um álbum “que está prestes a perder o comboio”!

Num artigo publicado na PerformingSongwriter disseste que o significado das tuas canções se altera durante o processo criativo. Isso aconteceu durante o processo de Night Flowers?

Creio que o que queria dizer era que as minhas canções, raramente, se detêm em apenas uma coisa. Usualmente, são como mosaicos das minhas experiências e de estórias que ouvi de outras pessoas. Isto é algo bastante consistente ao longo do meu trabalho, porque pretendo fazer a melhor arte que consiga e, talvez, não tenha a disciplina necessária para me prender a um único tema em cada canção. É apenas mais interessante, para mim, fazê-lo dessa forma.

Mudando de assunto, como as tuas canções. Se tivesses que escrever ou elaborar uma playlist para a actualidade europeia: refugiados, ataques terroristas, crise económica…que tipo de coisa, musicalmente falando, farias?

Bem, aquilo de que todos precisamos é simplesmente Amor. Não estou interessada em outro tipo de canção. Então, teria que começar por canções de amor para os refugiados, para a Europa, para as nações, para viagens e para como nos ajudamos e magoamos uns aos outros. Política sem amor é um livro pobre, penso.



Nietzche escreveu: A vida sem música seria um erro. Com todos estes problemas, o Mundo vai ficando silencioso, no sentido de o riso ou a alegria se tornarem cada vez mais raros. Existe, também, uma canção portuguesa que diz mais ou menos isto: “a cantiga é uma arma e eu não o sabia, tudo depende da bala e da pontaria, tudo depende da raiva e da alegria”. A minha pergunta é: Será o papel do músico lutar contra a barbárie através da música e da alegria?

Claro que sim. A beleza dos artistas reside na sua forma de nos conseguir pôr a reflectir em quem somos e nos tempos em que vivemos. Não tenho a certeza que a cantiga seja uma arma…antes uma ferramenta. Nas palavras de Ani Di Franco “cada ferramenta é uma arma se a usarmos correctamente”, então, tudo depende da forma como um artista quiser usar o seu trabalho. Querem eles construir alguma coisa ou desconstrui-la?

Mudando novamente de assunto. Vais tocar em Portugal, mais especificamente no Café Au Lait no Porto. O que é que o público poderá esperar da tua actuação?

100 bailarinas nuas e muita bebida.

Night Flowers está cá fora e não há nada que possas fazer. E agora?

Vou dar o maior número de concertos que conseguir e, entretanto, já estou a trabalhar no meu próximo álbum. Será uma colecção de canções que escrevi e gravei um pouco por todo o mundo ao longo dos últimos anos com uma série de diferentes artistas. Penso que “trajectória” é a minha palavra favorita.
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com

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