ENTREVISTAS
Linda Martini
As memórias vão-me devorar
· 24 Mar 2015 · 15:48 ·
Os Linda Martini são uma das mais importantes bandas portuguesas dos últimos dez anos. Ponto. Tentar explicar o porquê acaba por ser uma perda de tempo quando podemos, simplesmente, apontar aos descrentes o caminho trilhado por discos como Olhos De Mongol ou por canções como as eternas "Amor Combate" e "Lição De Voo Nº1", malhas que ainda fazem parte tanto do seu repertório como do imaginário colectivo de toda uma geração que descobriu a música nos anos zero. Esta quinta-feira, iniciarão um ciclo de três concertos, no Musicbox, em que tocarão ao vivo não só os temas mais antigos, do EP homónimo de 2005 ou do seu álbum de estreia, mas também coisas que ficaram escondidas em Marsupial ou ainda o seu fabuloso segundo disco, Casa Ocupada. Antes disso, falámos com o vocalista e guitarrista André Henriques sobre as memórias passadas e sobre o futuro por vir.
© Ricardo Filho de Josefina.
Quais são as melhores memórias que guardam dos primeiros tempos de Linda Martini?

Lembro-me que a maquete demorou muito tempo a gravar, porque nesse ano - 2003/2004 - o Pedro e a Cláudia fizeram Erasmus em alturas diferentes e nós já estávamos muito distanciados daquilo quando finalmente saiu. Estávamos um bocado apreensivos com as reacções, sobretudo da malta do hardcore, que era quem nos acompanhava até então nas bandas anteriores (Shoal, Killing the Girl, As Good as Dead). Foi uma completa surpresa porque os amigos mais próximos pareciam adorar aquilo e cedo percebemos que começávamos a arrastar mais gente fora desse circuito. Lembro-me que no primeiro concerto, no antigo Hard Club, em Gaia, já havia pessoas a cantar as músicas e nós ficámos completamente parvos com aquilo.

Há quanto tempo estão a ser preparadas estas três noites no Musicbox? Não vos passou pela cabeça fazê-los numa casa ocupada?

Não é má ideia, há muitos prédios devolutos em Lisboa que precisavam de vida outra vez. As noites do Musicbox foram uma coincidência. Nós íamos fazer as reedições mas sem nenhuma celebração especial, apenas distribuí-las nas lojas. Acontece que, em simultâneo, o Musicbox nos convidou para fazermos uma temporada e só nessa altura nos lembrámos de fazer estes concertos diferentes. Só começámos a ensaiar a sério há pouco tempo porque tivemos outros compromissos entretanto.

© Dunya Rodrigues

Vão apresentar, ao vivo, canções que não tocam há algum tempo. Quais são as maiores dificuldades com que se têm deparado, até agora, nos ensaios? É possível que deste reavivar do passado surjam ideias para futuros discos?

As mais difíceis têm sido as do Marsupial - é o disco que tem mais instrumentos para além dos que tocamos habitualmente. Algumas músicas foram acasos de estúdio e nunca chegámos a tocá-las todos em take directo. Vamos ver como corre. É interessante o exercício de olhar para trás, acho que nos pode abrir a cabeça para outras coisas. Os discos são muito diferentes. O Marsupial, por exemplo, tem muito espaço, enquanto que o Casa Ocupada é um trashanço do início ao fim. Não sabemos de todo qual vai ser a próxima direcção mas assim ficamos com a lição aprendida em relação ao que já fizemos.

Têm noção que a "Amor Combate" foi a canção da vida de muita gente, certo? Ainda se espantam com o culto que foram criando?

Espanta-nos que tanta gente nos siga desde o início porque nunca pensámos sair do circuito punk. De vez em quando recebemos e-mails com estórias incríveis dos fãs acerca da relação que têm com a nossa música. Sabe-nos bem, mas ao mesmo tempo é difícil de perceber. Quando ouvimos música relacionamo-nos num plano muito pessoal e metemos em cima daquilo as nossas experiências e a nossa interpretação, que é muitas vezes radicalmente diferente de quem fez a música.

Nas entrevistas que têm dado rejeitam o saudosismo, mas há alguma coisa, no passado, que se tenha perdido hoje?

Perdemos a relação com o Sérgio, que foi um dos elementos fundadores e a certa altura entendeu seguir por outro lado. O Sérgio foi muito importante, tocou comigo desde a minha primeira banda, os Bloqueio, [em] 1995/1996. Éramos uns putos da escola secundária com a mania que éramos punks. Lembro-me de fazer músicas com ele por telefone fixo nas férias de verão e de afinar a guitarra pelo tom do sinal de espera. Depois toquei com ele e com o Hélio em Shoal e foi dele a ideia de acabar aquilo e fazer uma coisa diferente, no início dos anos 2000. De alguma forma conseguimos fazer as pazes com a saída dele depois do Marsupial, mas demorou. Até há bem pouco tempo, ainda tínhamos a sensação de que faltava alguém antes de entrarmos em palco.

Recentemente, os Mão Morta fizeram trinta anos de carreira. A primeira crítica que li a um disco vosso dizia que os Linda Martini «soavam a Mão Morta, mas em melhor». Três perguntas: com esta estaleca toda ainda são uma banda que liga às críticas? Acham que hoje em dia ainda há condições para uma banda portuguesa durar trinta anos? Veem-se a fazer este género de noites daqui a outros dez?

Para mim os Mão Morta estão lá em cima com os grandes. Sempre os admirei, não só pela música como pela postura que mantêm ao longo de todos estes anos. Eu gosto de ler críticas, boas ou más - só me irrita quando são pretensiosas e fazem juízos de valor sobre as nossas motivações ou sobre como é que o público veio vestido para o concerto. Falem da música, esqueçam o folclore à volta. A banda dura o que tiver de durar, quando deixar de fazer sentido acabamos. Não deve haver dramas nisso. No final do dia é só música. É melhor saber quando acabar do que perpetuar uma coisa em que já ninguém acredita.

© Dunya Rodrigues

Há quase dez anos, davam a vossa primeira entrevista ao Bodyspace, em que falavam do Cavaco Silva, dos God Is An Astronaut e do que significava cantar em português. O primeiro ainda é presidente, os segundos vêm cá em breve e ainda há quem vos pergunte acerca da terceira. É bom saber que algumas coisas nunca mudam?

Ahah! Há coisas que não mudam mesmo. Os Bloqueio, de quem falei acima, tinham uma música em 1994 com uns versos dedicados ao Cavaco, na altura primeiro-ministro. Era qualquer coisa como Cavaco assombra o país, ainda há ignorantes que acreditam no que ele diz - tínhamos 14 anos!. Fizemos umas coisas giras há uns anos com os God is An Astronaut e um deles masterizou o nosso primeiro EP, mas depois perdemos a ligação. A questão do cantar em português já não é assim tão frequente; felizmente, há muito mais gente a fazê-lo hoje, deixámos de ser aliens nessa matéria.

O que se segue na vida dos Linda Martini?

Queremos fazer um disco este ano, vamos ver se conseguimos e se o lançamos em 2016.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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